A educação audiovisual como prática da liberdade: um paralelo entre F for Fake e Sobre Verdades e Mentiras

Introdução:

“No momento em que aprende a questionar a si mesma, a verdade talvez termine por revelar alguma não verdade à sua base, prestando um testemunho inteiramente inesperado sobre si própria. É precisamente essa suspeita que vigora em Sobre verdade e mentira do sentido extra-moral“. Essa análise é feita por Fernando de Moraes Barros na introdução da versão traduzida para o português do ensaio de do filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche.

Essa parece ser a mesma preocupação presente em F for Fake (1973) de Orson Welles. “Este é um filme sobre artimanha e fraude… sobre mentiras.”, apresenta o diretor/ator logo na primeira seqüência do que Santos Zunzunegui, em seu livro Orson Welles, descreveria como filme ensaio.

“O que ocorreria, porém, se a verdade dos enunciados não passasse de um tipo de engano sem o qual o homem não poderia sobreviver? E se a condição da verdade fosse a mesma da mentira? Revelar-se-ia, então, o atávico caráter dissimulador do intelecto humano e, com ele, a suspeita de que entre o “refletir” e o “dizer” não vigora nenhuma identidade estrutural. É justamente a essa conclusão que Nietzsche espera conduzir-nos.”

Nietzsche aponta que a verdade é algo inalcançável, camuflada por ilusões que intercedem nossa experiência de nossa compreensão. Orson Welles por sua vez, põe a mentira em evidência e com isso tenta desmascarar as verdades de seus personagens e até mesmo a sua versão da verdade, revelando alguns de seus segredos audiovisuais ao espectador, como um mágico que ensina seu truque.

O documentário nós revela que existe também uma linguagem cinematográfica, uma interferência por assim dizer, entre o espectador e aquilo que assistimos. Essa postura do diretor pela escolha da metalinguagem reflexiva e crítica atenta a nós espectadores para um questionamento da verdade exposta e construída.

“Para Nietzsche, todavia, as palavras nos iludem quando as tomamos à risca e deixamos de perceber, por meio delas, acontecimentos que elas mesmas não podem assimilar. A seu ver, o pensamento tornado consciente seria apenas um produto acessório do intricado processo psíquico que o atravessa e constitui. Quando é vertida em palavras e signos de comunicação, a atividade reflexiva já se acharia circunscrita à esfera da calculabilidade, e estaria inserida em esquemas longamente consolidados de simplificação e abstração, com vistas ao nivelamento identificador do fluxo polimorfo do vir-a-ser e da natureza.”

Assim como as palavras nos iludem, o cinema, mais que qualquer outra arte, utiliza-se da trapaça contra a percepção para nos passar a ilusão do movimento entre os fotogramas. No entanto, ao mesmo tempo em que aceitamos essa “trapaça” visual, creditamos valor de documento e verdade às imagens: por isso o termo documental.

Da mesma forma podemos pensar um filme como apenas um “produto acessório”, manipulado e modificado durante seu longo caminho de produção, que tem início na idéia original e segue até nosso próprio processo de interpretação.

O pensar e a pergunta do documentarista já sofrem o que Nietzsche descreve ser um processo psíquico atravessado por diversas camadas de estímulo nervoso transposto em uma imagem que por sua vez é remodelada num som. Essa interferência é a mesma que o entrevistado vai sofrer ao receber, interpretar e responder. Da mesma forma, esse processo ocorrerá novamente no diretor que transpassará seu entendimento, sua verdade, ao espectador. Reciprocamente, o espectador obterá a informação que passará pelas camadas e, só então,  poderá interpretar sua verdade.


Como um filme de ficção, onde se desperta a suspensão da descrença, Welles vai contar uma história verdadeira aos seus olhos, e isso já a torna uma imaginação, assim como esta escrita é uma interpretação minha do filme e, posteriormente, a interpretação própria de quem a lê. Nietzsche descreve essas camadas: “De antemão, um estímulo nervoso transposto em uma imagem! Primeira metáfora. A imagem, por seu turno, remodelada num som! Segunda metáfora. E, a cada vez, um completo sobressalto de esferas em direção a uma outra totalmente diferente e nova.”

Como na brincadeira do “telefone sem fio”, em que uma pessoa inventa uma frase e cochicha no ouvido do companheiro que, por sua vez, passará ao ouvinte seguinte até chegar ao último que dirá em alto e bom som a frase final – muitas vezes diferente daquela inicial. O processo de interpretação, logo, sofre com o que o filósofo alemão aponta como “caráter dissimulador do intelecto humano”.

Em seu texto, Nietzsche discute nossa necessidade inconsciente pela mentira, até mesmo dentro da estrutura social, extrapolando para o engano existencial. Do mesmo modo, Orson Welles debate a verdade do ponto de vista dos considerados falsários (até mesmo se colocando entre eles), colocando em igualdade o valor dos especialistas em arte e aqueles que burlam a sociedade fazendo quadros falsos de artistas renomados. Seu argumento é que os falsários são tão necessários à sociedade quanto os “experts”.

Em Sobre Verdade e Mentira, Moraes Barros escreve sobre a constatação de Nietzsche a respeito dessa aceitação pelo engano: “Reincidentes, as experiências em comum com o outro terminariam por se sobrepor àquelas que ocorrem com menos freqüência no seio da coletividade. Sem ter acesso, em princípio, a outras palavras, o indivíduo tampouco teria facilidade para liberar aquelas de que dispõe para outras aplicações. Resignado a tal inacessibilidade, ele é livre somente para falar e pensar como os outros.”

Já Paulo Freire aponta em tom de preocupação que “Uma das grandes, se não a maior, tragédia do homem moderno, está em que é hoje dominado pela força dos mitos e comandado pela publicidade organizada, ideológica ou não, e por isso vem renunciando cada vez, sem o saber, à sua capacidade de decidir. Vem sendo expulso da órbita das decisões. As tarefas de seu tempo não são captadas pelo homem simples, mas a ele apresentadas por uma “elite” que as interpreta e lhas entrega em forma de receita, de prescrição a ser seguida. E quando julga que se salva seguindo as prescrições, afoga-se no anonimato nivelador da massificação, sem esperança e sem fé, domesticado e acomodado: já não é sujeito. Rebaixa-se a puro objeto. Coisifica-se.”

Minha proposta neste trabalho é de fazer um paralelo entre as idéias de Nietzsche no livro Sobre verdade e mentira do sentido extra-moral e Orson Welles em F for Fake, trazendo também os pensamentos de Paulo Freire em seu livro Educação como Prática da Liberdade para fazer a ponte final entre os dois primeiros autores e minha hipótese inicial: A educação audiovisual como prática da liberdade: um paralelo entre F for Fake e Sobre Verdades e Mentiras.

O título do trabalho é uma referência ao livro do educador brasileiro em que buscarei reflexões sobre o papel da educação em uma sociedade democrática, a fim de debater sobre a importância da comunicação audiovisual na cultura da sociedade moderna.

Com isso, pretende-se desenvolver a idéia da importância do cinema como meio educador da própria linguagem audiovisual, através da análise de F for Fake paralelamente ao livro Sobre verdade e mentira do sentido extra-moral : trabalhos que discutem a verdade como uma forma relativa de ponto de vista, sem buscar uma verdade em si.

Com isso, o trabalho pretende defender que a consciência crítica a respeito da ferramenta audiovisual é condição sine qua non da emancipação do indivíduo crítico e democrático.

2. Desenvolvimento:

2.1 F for Fake: Ficha Técnica

Título: About Fake/F for Fake (Verdades e Mentiras) – Les Films de l’Astrophore (Paris)/Saci (Teerã)/Janus Film (Munique) – 85min/Cor/França, Espanha, Itália e EUA

Direção: Orson Welles e François Reichenbach

Elenco: Orson Welles, Oja Kodar, Elmyr de Hory, Clifford Irving, Edith Irving, François Reinchenbach, Richard Wilson, Sasa Devcic, Gary Graver, Andres Vincent Gomez, Júlio Palinkas, Christian Odasso, Françoise Widoff e as vozes de Peter Bogdanovich e William Alland.

Produtor: Dominique Antoine e François Reichenbach

Roteiro: Orson Welles, Oja Palinkas

Música: Michel Legrand

Fotografia: François Reichenbach, Gary Graver e Christian Odasso

2.1 F for Fake: Apresentação

Verdades e Mentiras é fruto de um acaso. Segundo descreve Barbara Leaming em sua biografia sobre Orson Welles, o diretor estava na Europa em busca de investimento para seu novo filme The Other Side of the Wild quando foi surpreendido pela Receita Federal que confiscou seu dinheiro alegando provir de uma empresa fantasma na suíça. O mal entendido obrigou Welles ir para França tentar diminuir a monstruosa taxa de imposto.

Lá começou a montar um programa especial de televisão – Elmyr The true Picture? – utilizando o material que “François Reichenbach e Richard Drewett gravara com um falsário de obras de arte de Ibiza chamado Elmyr de Hory, sobre quem Clifford Irving escreveu Fake (Falsificação). Como cineasta, Orson já estava acostumado a pegar planos que isolados significavam uma coisa e dar-lhes um sentido completamente diverso cortando um por um e justapondo-os. Mas enquanto antes trabalhava sempre com material de que era responsável, desta vez usaria material alheio.”

Segundo a autora, Orson Welles estava “quase terminando a montagem do documentário para a televisão sobre de Hory quando os jornais publicaram as declarações de Clifford Irving desmentindo que tivesse contado com a colaboração de Howard Hughes para seu novo livro sobre a vida misteriosa do recluso empresário que vivia em Las Vegas”. Esse último foi até mesmo cogitado pelo diretor como fonte de inspiração para a construção de Charles Foster Kane, seu personagem no célebre filme Cidadão Kane, que acabou utilizando a figura de Randolph Hearts como referência.  Essa afirmação está no livro de Zunzunegui baseado nos depoimentos de Richard Wilson e Joseph Cotton, amigos de Welles.

Orson Welles logo resolveu aproveitar essa coincidência e decidiu desenvolver um filme a respeito dos dois falsários, acrescentando novas seqüências e um terceiro falsário para completar o elenco: ele mesmo.

Santos Zunzunegui em seu livro sobre Orson Welles, Verdades e Mentiras também foi motivado em resposta ao texto de Pauline Kael de 1971 – “Raising Kane” – que colocava em cheque a autoria de Citizen Kane atribuindo a Herman J. Mankiewicz  o roteiro da história. Barbara Leaming ainda afirma que “o artigo depreciativo lhe arrancou lágrimas dos olhos numa conversa com o advogado, que o dissuadiu de processá-la, pois isso só serviria para chamar mais atenção para tal crítica.

A mise-en-scène e a montagem têm papel fundamental nesse filme ensaio. Explorando a linguagem cinematográfica com primazia, Welles confunde o espectador ao mesmo tempo em que lhe finge explicar a situação. O diretor que também atua, afirma que seu filme só falará a verdade, e, ao fim, prega uma peça em nós. Sua narrativa fílmica é totalmente irônica assim como seu tom de voz e seus comentários paralelos à ação.

A seqüência inicial, apesar de introduzir ao documentário, nada tem de natural ou documental. Todos os planos são pensados, enquadrados e montados à vontade de Welles. O próprio trabalho de metalinguagem é construído e fica evidente que a equipe está também atuando para uma segunda câmera (que poderia ser a primeira). A mise-en-scène é completamente planejada e seus movimentos pensados.

Em um plano preto, ouvimos a voz inconfundível de Orson Welles, diretor e ator do filme (um mágico segundo ele mesmo vai descrever nessa seqüência inicial). Em segundo plano sonoro, ouvimos:

“Para meu próximo experimento, senhoras e senhores… Eu apreciaria o empréstimo de qualquer pequeno objeto pessoal do seu bolso. Uma chave ou caixa de fósforos, uma moeda.”

Em “fade from Black”, vemos o teto de uma estação de trem aparecer em plano geral. Novo fade para o preto. Uma pan da direita para a esquerda revela que o fundo preto agora era a capa. Ao lado vemos duas crianças que observam esse sujeito ainda não identificado. O menino então estica uma chave ao narrador, que agradece e diz: “Ótimo Sr. levante-a sobre sua cabeça… E atente para qualquer sinal de truques da minha parte”. Um corte seco no meio dessa fala nos mostra uma equipe de cinema com câmera e vara boom ao lado de uma pilastra, escondida a sombra. Aqui começamos a perceber o caráter metalingüístico que será empenhado ao longo do documentário.

Mais adiante, uma nova dica rápida do diretor: “Contemple, diante de seus olhos… uma transformação.” Novo corte seco e vemos então uma nova personagem que sai da janela de um dos trens. Essa é Oja Kodar, atriz que terá papel importante no jogo de enganações de Welles ao longo daquilo que chama de “filme sobre trapaças, fraude e mentiras”.

De volta à ação principal temos um plano detalhe das luvas do mágico e narrador misterioso (não para os conhecedores da voz de Orson Welles). Ele realiza uma mágica, transformando a chave que o menino lhe entregara em uma moeda. Temos então um contra plano dos meninos que observam boquiabertos a mágica.

Nessa parte da seqüência, tanto as luvas de Welles como a roupa de Oja tem tons azulados, contrastando com o ambiente monocromático, opaco e obscuro do entorno. Assim como as mãos do mágico é a alegoria do truque que o diretor vai tratar como temática em seu filme, descobriremos também, ao final da narrativa, que a famosa atriz também terá papel fundamental no jogo de mentiras e induções composto pela estrutura do documentário. Orson Welles utiliza, portanto, das cores para das “dicas” ao espectador sobre sua intenção (como ele mesmo aponta na narração “atente para qualquer sinal de truques da minha parte”).

Seguindo mais adiante na seqüência, após uma série de mágicas com a moeda/chave, Oja Kodar de sua janela diz ao mágico diretor “Fazendo seus velhos truques, vejo.” Ao que Welles responde “E por que não? Sou um charlatão…” Temos um plano da atriz e um contra plano do diretor em sua feição de deboche característica.

É evidente que aqui o filme começa a compor uma mise-en-scène muito interessante aos olhos do espectador. Muito diferente de um documentário ou uma ficção, o mágico atua para as crianças, tanto quanto atua para nós espectadores. Sua fala tem duplo sentido e a montagem constrói um ambiente ambíguo. O espaço fílmico é totalmente planejado e a ação dos atores também. No entanto, estamos em um documentário sobre a mentira e o poder da câmera e da montagem de enganar nossos olhos, assim como as mãos ágeis do mágico.

Sua ironia é profunda e é totalmente perceptível pelo tom de voz e pela montagem que ele emprega. Welles tenta construir um grande circo, onde ele é o mágico e o espectador um grande palhaço. Ele nos engana, confunde, mente, promete, ilude e fascina com seus truques de montagem que utilizam da credibilidade do documentário e das artimanhas da ficção. “E por que não? Sou um charlatão…”, essa parece ser a resposta de Welles para seus possíveis críticos sobre sua ética.

“Como é Sr.? Se eu era um mágico?” – continua o mágico para um hipotético público transformando a moeda mais uma vez em uma chave – “Sr., eu ainda estou trabalhando nisso. Quanto à chave, não houve simbolismo algum.”

Frases como essas, aleatórias, aparentemente soltas, têm um simbolismo muito grande para o restante do filme, apesar do próprio autor afirmar que não, utilizando mais uma vez de sua ironia. Segundo Zunzunegui em seu livro Orson Welles, o diretor, nesse filme, faz exatamente o oposto e “entrega a chave de sua concepção de arte.” Além disso, temos logo após a afirmação um novo plano dos cinegrafistas, evidenciando novamente a metalinguagem.

No livro de André Bazin, em entrevista Orson Welles, o diretor aponta “Procuro sempre a síntese: é um trabalho que me apaixona, pois devo ser sincero em relação ao que sou e não passo de um experimentador; experimentar é a única coisa que me entusiasma. Não me interesso pelas obras de arte, pela posteridade (grifo meu), pela celebridade, apenas pelo prazer da própria experimentação: é o único domínio em que me sinto verdadeiramente honesto e sincero. Não tenho devoção alguma pelo que faço, é realmente sem valor aos meus olhos. Não fico, portanto em êxtase diante da arte: fico em êxtase diante da função humana, o que pressupõe tudo o que fazemos com nossas mãos, nossos sentidos, etc. Uma vez terminado nosso trabalho, ele não tem tanta importância aos meus olhos quanto aos da maioria dos estetas: é o ato que me interessa, não o resultado, a não ser quando dele emana o cheiro do suor humano, ou um pensamento…”

Esse depoimento do diretor vem de encontro ao tema central de F for Fake, que é justamente o questionamento do que é a arte e o que é a falsificação, extrapolando para a questão envolta no que é documentário e o que é ficção, ou ainda o que é verdade ou mentira no cinema.

“Este não é esse tipo de filme.” – continua o narrador, que faz mais uma mágica. “Devemos lhe devolver à sua mãe? Esta é sua mãe? Não, claro que não.” – brinca o ilusionista e voltamos a ver um plano de Oja na janela do trem sorridente como sempre.

“E por sinal, você já ouviu falar de Robert-Houdin? Falando de mágicos, quero dizer? Não, claro que não. Mas conhece meu parceiro, François Reichenbach?” Nesse momento temos mais uma vez o plano dos cinegrafistas, mais iluminado e mais longo, evidenciando o papel da câmera que grava, ao menos teoricamente pela contra posição dos planos na montagem, a ação. Reichenbach manda um tchau para câmera dizendo olá.

Nesse momento começamos a entrar no tema do filme. Ou ao menos o trapaceiro narrador começa a nos dar pistas mais concretas sobre o que está acontecendo ali e quem são aquelas pessoas. F for Fake é um documentário ensaio que utiliza imagens do Documentário dirigido por François Reichenbach y Richard Drewett: Elmyr. The true Picture? – realizado pela BBC. Elmyr é um reputado falsificador de obras de arte, morador de uma cidade chamada Ibiza.

“Houdin foi o maior mágico que já viveu” – continua Welles em sua introdução – “E você sabe o que ele disse? Um mágico,” ele disse, é apenas um ator. Apenas um ator fazendo o papel de um mágico.”

Oja Kodar se despede do mágico dizendo “Boa sorte pra você” enquanto o show de mágica do diretor termina. “Muito bonita!” – o cinegrafista Reichenbach, agora longe da câmera, elogia a atriz. “E ela é muito rica também. Há uma boa estória sobre isso.” – responde Welles.

“Você quer contá-la?” – pergunta o cineasta – “Chegaremos nela mais tarde. Agora está na hora de uma introdução.” – responde o diretor que se afasta. Vemos a movimentação na estação de trem. Os meninos que antes assistiam a apresentação de mágica agora se abraçam com um coelho deixado pelo mágico. Vemos duas pessoas carregando um painel branco e Welles se movimenta até ele.

“Senhoras e Senhores, permitam-me apresentar…” – a câmera se aproxima em zoom. O enquadramento frontal faz um plano médio do diretor, emoldurando o fundo com o ambiente branco. Temos um rápido flash de fresnéis de estúdio e voltamos para o mesmo enquadramento de Welles que, pela primeira vez, olha diretamente para a câmera e diz:

“Este é um filme sobre artimanha e fraude… sobre mentiras.” Ao terminar a frase começa a caminhar, uma luz é acesa e percebemos que o diretor não está mais na movimentada e ruidosa estação de trem e sim em um estúdio fechado. Seu caminhar e o zoom out da câmera revelam o ambiente. Welles continua: “Contada à lareira no mercado ou num filme… Qualquer estória é certamente algum tipo de mentira. Mas não dessa vez. Não, isto é uma promessa. Na próxima hora, tudo que você escutar aqui será a verdade baseada em fatos sólidos.” Temos um corte com letreiros escrito FAKE (mentira) que rolam sobre a tela preta.

Aqui nesse momento já nos estendemos além da primeira seqüência, que finaliza no corte entre a estação do trem e o estúdio.

Toda a mise-en-scène de Orson Welles, desde sua atuação à montagem impregnada de ironias, símbolos e metalinguagem, é criada para iludir o espectador. Assim como fascina sua platéia infantil com um velho truque de mágica, o diretor utiliza da montagem e da mise-en-scène para enganar o espectador por detrás das lentes.

“Um mágico é apenas um ator fazendo um papel de mágico”, afirma o próprio Welles durante sua narração. A grande magia do mágico é desviar a atenção de sua platéia, enquanto processa seu truque. Orson Welles faz a mesma coisa com a montagem de seu documentário-ensaio, colocando pistas ao longo do filme. Planos soltos que parecem despretensiosos tem um significante essencial para o entendimento da proposta de Welles e sua ironia aparentemente casual.

Ao chamar as crianças que assistem sua mágica de “Sir” (Senhor), ele na verdade está se dirigindo a nós, espectadores de seu filme. Nosso olhar sobre seu filme é tão manipulável como o olhar daquelas crianças que, de boca aberta, aplaudem o falsário.

“No entanto, o próprio homem tem uma inclinação imbatível a deixar-se enganar e fica como que encantado de felicidade quando o rapsodo narra-lhe contos épicos como se estes fossem verdadeiros, ou, então, quando o ator, no espetáculo, representa o rei ainda mais soberanamente do que o exibe a efetividade. O intelecto, esse mestre da dissimulação, acha-se, pois, livre e desobrigado de todo seu serviço de escravo sempre que pode enganar sem causar prejuízo, e festeja, então, suas Saturnais.”

“O mentiroso serve-se das designações válidas, as palavras, para fazer o imaginário surgir como efetivo; ele diz, por exemplo, “sou rico”, quando para seu estado justamente “pobre” seria a designação mais acertada… Se faz isso de uma maneira individualista e ainda por cima nociva, então a sociedade não confiará mais nele e, com isso, tratará de excluí-lo. Nisso, os homens não evitam tanto ser ludibriados quanto lesados pelo engano. (grifo meu) Mesmo nesse nível, o que eles odeiam fundamentalmente não é o engano, mas as conseqüências ruins, hostis, de certos gêneros de enganos.”

Nesse trecho de seu texto, Nietzsche atenta para a diferenciação entre os diferentes níveis de verdade. O pensador afirma que os homens aceitam a mentira até o momento em que isso não interfere em sua vida de forma negativa. Um truque de mágica serve como entretenimento, assim como o cinema, e por isso mesmo existe a suspensão da descrença. No entanto, podemos pensar em um segundo elemento por trás do engano no cinema e no audiovisual muito mais hostil e pernicioso, dependendo, é claro, do ponto de vista abordado: a montagem.

Nesse trabalho assumiremos o mesmo ponto de vista defendido por Paulo Freire: o do individuo livre, emancipado e democrático. Segundo o educador brasileiro, a democracia aberta e igualitária seria baseada no diálogo horizontal. Um indivíduo livre seria aquele com uma educação crítica e criticizadora, armando o ser contra as forças do irracionalismo.

“O grande objetivo da educação é humanizar os indivíduos a que alcança. Tornando o homem um indivíduo crítico e consciente para que possa compreender sua singularidade em meio à pluralidade de possibilidades, sendo ele homem e não coisa. Assim, tornando o homem verdadeiramente livre.”

A respeito do diálogo, Paulo Freire afirma ainda que se trate de “uma relação horizontal de A com B. Nutre-se de amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Só o diálogo comunica. Quando os dois pólos se ligam instala-se uma relação de simpatia entre ambos. Só ai há comunicação”.

Acreditando nessa condição para a existência do diálogo, utilizo o exemplo de F for Fake para evidenciar essa tentativa de Orson Welles de buscar uma nova forma de contar sua história. Como veremos sua montagem busca confundir e mentir ao espectador. Poderia então ser considerada uma abordagem extremamente impositiva e autoritária, entretanto o que temos é justamente o oposto.

Como citado na introdução, o pensamento de Nietzsche aponta que no momento em que aprende a questionar a si mesma, a verdade talvez termine por revelar alguma não verdade à sua base, prestando um testemunho inteiramente inesperado sobre si própria.

Ao praticar truques com o espectador Orson Welles emancipa, por assim dizer, qualquer pessoa que, ao começo do filme, ainda possa acreditar que o diretor se comprometerá com a mais pura verdade. Apesar de a nós que assistimos prometer “pela próxima hora falar só a verdade”, mesmo inicialmente já podemos desconfiar de sua ironia, seu deboche e cinismo. E mesmo para o mais desavisado dos espectadores, Orson Welles dá um tapa de atenção ao revelar que a hora prometida havia acabado há 17 minutos e que , durante esse tempo, esteve mentindo sem parar.

Não se trata de dizer apenas a verdade, mas de ser honesto o suficiente para admitir a mentira. Orson Welles admite e evidencia através da montagem. Monta sua imaginação ilusória ao mesmo tempo em que desvenda a sua mágica. Aberto, ele se redime de qualquer culpa ética ou moral sobre seu filme. “É tudo mentira”, parece concluir ao final da sua obra.

Nesta próxima parte do trabalho, tentarei discutir um pouco a montagem em Verdades e Mentiras, exemplificando esses truques de Welles que segundo meu pensamento emancipam o espectador da “verdade” documental, abrindo-lhe o campo da percepção critica e contestatória.

2.2 A montagem de F for Fake

“Uma das cenas finais de Verdades e Mentiras nos mostra Picasso apreciando a bela Oja Kodar num passeio. Todos os planos da jovem mulher são reais e a mostram em movimento, caminhando pelas ruas, às vezes, é vista pelas frestas horizontais de uma persiana cinzenta. Será Picasso que contempla a bela atriz húngara? Sim e não, pois Orson Welles, diabólico, filmou fotos de Picasso, retratos em que os olhos do grande pintor estão bem abertos e dirigidos nitidamente para a direita, para a esquerda, ou direto para a lente.”

“Às vezes, os elementos das persianas encontram-se diante do rosto de Picasso, que parece então olhar a bela Oja às escondidas, como um voyeur. Essa cena constitui uma soberba demonstração das possibilidades da montagem (grifo meu); considerada uma mistificação, eis todo o tema desse filme cujo tom piadista e vivacidade cínica nos afastam de Shakespeare para nos aproximar de Sacha Guitry.”

A seqüência descrita por André Bazin tem início justamente no time code 01h09min30s, exatamente uma hora após Orson Welles prometer ao espectador que durante a próxima hora falaria apenas a verdade. Essa intrigante história, narrada por Welles e interpretada pela própria Oja, descreve uma história romântica de Picasso e a atriz, intercalando planos de quadros do pintor e o corpo nu de Kodar. “Esta hora, Sras. e Srs., acabou. Nos últimos 17 minutos eu menti sobre tudo. A verdade, e por favor nos perdoem, é que forjamos uma estória da arte.”

“Este é um filme sobre artimanha e fraude… sobre mentiras.”, apresenta o diretor/ator logo no início de sua narração. “Nos velhos tempos do seu programa radiofônico First Person Singular, Orson gostava de ocupar os lados opostos do microfone, oscilando entre os papéis de narrador e de personagem, questionando dessa forma a linha que separa o fato da ficção.”

A referência aos seus primeiros trabalhos na rádio, que lhe renderam o sucesso e o contrato com Hollywood, é ainda mais evidentes na segunda seqüência em que Welles se coloca entre os falsários, relembrando seu célebre programa A Guerra dos Mundos (1938) representado pelas imagens do filme Earths The Flying Saucers (1956) dirigido por Fred M. Sears. Mais adiante, Orson Welles ainda nos conta como se deu essa experiência, sempre com seu tom irônico e cínico que tomará conta do filme. “Alguém na América do Sul fez uma imitação da transmissão e acabou na prisão. Então não devo reclamar, acho. Não acabei preso. Acabei em Hollywood”.

F for Fake tenta, portanto, amarrar esses diversos personagens e fatos a uma só ideia: a farsa. Orson Welles se coloca entre eles. Falando sobre a mentira, se colocando como mentiroso e enganando o espectador, está sendo extremamente honesto ao espectador. Muito mais honesto que em qualquer documentário que busque a verdade como essência. Ao buscar a mentira, encontra a verdade, pois não admite compromisso algum com a realidade dos fatos.

Ao mesmo tempo em que ele se expõe como um golpista, redime-se de qualquer crítica ética sobre a verdade. “E porque não, eu sou um charlatão”, diz ele mesmo no filme. O diretor conta a história do seu ponto de vista, a sua verdade, e alerta o espectador: cabe a você acreditar ou não, a decisão é sua em confiar nas imagens de um mágico que se diz trapaceiro e se coloca entre os maiores farsantes da historia.

Orson Welles constrói o que Zunzunegui classificará como filme ensaio, misturando documentário e ficção. Seu questionamento sobre a verdade extrapola a temática desenvolvida e atinge a estética fílmica.

François Truffaut, na introdução do livro de André Bazin sobre Orson Welles, aponta que “Orson Welles compôs, com Verdades e Mentiras, um de seus filmes cuja montagem é soberana (grifo meu) e na qual a forma de pseudo-reportagem é usada para veicular poesia. Orson Welles certamente passou mais de mil horas diante da moviola fazendo soar em coro mil planos, sem dúvida rodados em um tempo mais curto”.

Mais adiante no mesmo livro, o próprio Welles em entrevista destaca o papel fundamental da montagem em seus filmes:

“Não Posso deixar de achar que a montagem é essencial para o diretor, o único momento em que ele controla completamente a forma do filme. Quando estou filmando, o sol determina alguma coisa contra a qual nada posso, o ator introduz algo a que devo me adaptar, o enredo também; o que faço é me arranjar para ter controle sobre o que for possível. O único lugar onde exerço um controle absoluto é na sala de montagem. É então que o diretor é, potencialmente, um verdadeiro artista, pois julgo que um filme só é bom na medida em que o diretor conseguiu controlar seus diferentes materiais, não se contentando meramente em conduzi-los a porto seguro. Busco o ritmo exato entre um enquadramento e o seguinte. É uma questão de ouvido: a montagem é o momento em que o filme lida com o sentido da audição. Trata-se de uma forma, como o maestro interpretando um fragmento musical com rubato ou não. É uma questão de ritmo, e para mim, o essencial é isto: a pulsação.”

É na montagem onde a magia do cinema acontece. A manipulação do espaço e do tempo só existe pela técnica da montagem. É justamente durante esse processo que o engano e a mentira se perpetuam de acordo com as habilidades do montador. O material fragmentado e desconexo ganha forma, materializando a idéia/imaginação em imagem real.

Um processo que pode ser considerado como o sonho, em que fazemos conexões entre lugares distintos e temos a possibilidade de conversar com pessoas afastadas. No sonho não existe a noção de espaço/tempo como enxergamos quando estamos acordados.

Nietzsche escreve que “Eles (homens) se acham profundamente imersos em ilusões e imagens oníricas, seu olho desliza apenas ao redor da superfície das coisas e vê ‘formas’, sua sensação não leva à verdade em nenhum lugar, mas antes se satisfaz em receber estímulos e tocar, por assim dizer, um teclado sobre o dorso das coisas. Para tanto, o homem consente, à noite e através de toda uma vida, ser enganado em sonho (grifo meu), sem que seu sentimento moral jamais tentasse evitar isso.”

Assim como aceitamos a ilusão causada pelo sonho, absorvermos sem questionar a impressão de movimento transmitida pelo cinema. Jacques Aumont lembra que “Muitas vezes, observou-se que o que caracterizava o cinema, entre os modos de representação, era a impressão de realidade que se destacava da visão dos filmes. Essa “impressão de realidade”, cujo protótipo mítico é o pavor que teria se apoderado dos primeiros espectadores do filme de Lumière, A chegada do trem na estação de Ciatat (1895), foi o centro de muitas reflexões e debates sobre o cinema, para tentar definir os fundamentos técnicos e psicológicos da própria impressão e analisar suas conseqüências na atitude do espectador diante dos filmes.”

“A impressão de realidade sentida pelo espectador quando da visão de um filme deve-se, em primeiro lugar, à riqueza perceptiva dos materiais fílmicos, da imagem e do som. No que se refere à imagem cinematográfica, essa “riqueza” deve-se ao mesmo tempo à grande definição da imagem, fotográfica (sabe-se que uma foto é mais “sutil”, mais rica em informações que uma imagem de televisão), que apresenta ao espectador efígies de objetos com um luxo de detalhes e a restituição do movimento, que proporciona a essas efígies uma densidade, um volume que elas não têm na foto fixa: todos já tiveram a experiência desse achatamento da imagem, desse esmagamento da profundidade, quando se congela a imagem durante a projeção de um filme.”

“A restituição do movimento tem, portanto, um lugar importante na impressão de realidade. Ela decorre de uma regulagem tecnológica do aparelho cinematográfico que permite o desfile de um certo número de imagens fixas (fotogramas) em um segundo (18, no tempo do cinema mudo, 24 no cinema sonoro); esse desfile permite o desencadeamento de certos fenômenos psicofisiológicos. O efeito fi está na primeira categoria desses fenômenos: quando spots luminosos, espaçados, uns em relação aos outros, são ligados sucessiva, mas alternadamente, vê-se um trajeto luminoso contínuo e não uma sucessão de pontos espaçados – é o fenômeno do movimento aparente“. 

Portanto aceitamos o engano do sonho e do cinema (impressão do movimento) estão diretamente relacionados. No entanto, diferentemente dessas duas ilusões “legais”, existe uma terceira mentira obscura e tão imperceptível como as outras duas, mas carrega uma carga ideológica e de interesse que ultrapassa o caráter subjetivo e inocente das primeiras aceitações: a montagem.

É através desse mecanismo, muito explorado por Orson Welles em F for Fake, que o diretor impõe sua verdade e seu ponto de vista. A verdade é, portanto, perspectiva nesse caso.

“A falta desta permeabilidade parece vir sendo dos mais sérios descompassos dos regimes democráticos atuais, pela ausência, dela decorrente, de correspondência entre o sentido de mudança, característico não só da democracia, mas da civilização tecnológica e uma certa rigidez mental do homem que, massificando-se, deixa de assumir postura conscientemente crítica diante da vida. Excluído da órbita das decisões, cada vez mais adstritas a pequenas minorias, é comandado pelos meios de publicidade, a tal ponto que, em nada confia ou acredita, se não ouviu no rádio, na televisão ou se não leu nos jornais (grifo meu). ”

A mídia tem papel preponderante na divulgação de conhecimento e conseqüentes decisões em nossa sociedade. A grande democratização do acesso aos meios de comunicação traz preocupações latentes, pois tem se desenvolvido de forma vertical: uma imposição cultural que massifica e vulgariza a cultura. Questões como a ética e os direitos da vinculação da imagem, seja no âmbito jurídico, político ou pessoal, são ditados de forma fechada e individual.

“O que é, pois, a verdade? Um exército móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, numa palavra, uma soma de relações humanas que foram realçadas poética e retoricamente, transpostas e adornadas, e que, após uma longa utilização, parecem a um povo consolidadas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões das quais se esqueceu que elas assim são, metáforas que se tornaram desgastadas e sem força sensível, moedas que perderam seu troquel e agora são levadas em conta apenas como metal, e não mais como moedas.”

O espectador é bombardeado com informações sem, no entanto, desenvolver um senso crítico sobre aquilo que assiste e consome. Imensas verdades sem filtro, imagens transformadas em moedas sem idéias em si e sim em valores de consumo. Além disso, aquele que assiste sem crítica aceita a todo conteúdo, especialmente jornalístico e documental, como realidades incontestáveis com valor de documento por estar em imagens. Crê em seus olhos pois assiste, sem no entanto imaginar que o processo de engano se dá em outra camada muito anterior a percepção.

Ismail Xavier aponta que “Em nossa cultura, o processo fotográfico tem grande poder sobre as convicções desse tipo de observador, assim embalado pela evidência empírica trazida pela imagem… Como resultado do encontro entre o olhar do sistema de lentes (a objetiva da câmera) e o “acontecimento”, fica depositada uma imagem desse que funciona como um documento. Quando se esquece a função do recorte, prevalecendo a fé na evidência da imagem isolada, temos um sujeito totalmente cativo do processo de simulação por mais simples que ele pareça.”

No capítulo Cinema: revelação e engano o autor conta um fato muito interessante e que vale citação como exemplo:

“Comento, de início, uma situação extraída do documentário Point of Order (1963), de Emilio de Antonio, filme que focaliza os processos e as seções de tribunal no período do marcathismo nos EUA. Trata-se de uma remontagem da documentação colhida ao vivo nos interrogatórios. Em determinado momento, uma testemunha de acusação de atividades antiamericanas. Esse advogado mostra uma foto à testemunha. Nessa foto se vê, numa tomada relativamente próxima, duas figuras: o réu e, ao seu lado, alguém já comprometido, já indexado na caça às bruxas. A imagem, ao mostrar os dois conversando em tom de certa intimidade, é assumida pela promotoria como peça importante da acusação. O advogado pergunta à testemunha se considera a foto verdadeira. A resposta é sim. O advogado, então, mostra uma foto maior em que aparece, numa reunião ampla, um grupo de pessoas – dentre elas, algumas insuspeitas – e que traz num dos cantos a dupla anteriormente vista na foto menor. Entendemos sem demora que a primeira imagem é um recorte da segunda, ou seja, é parte de um contexto maior com muita gente envolvida, uma situação pública que não denota nenhuma cumplicidade entre o réu e seu interlocutor. O curioso no fato é que, ao ser reiterada a pergunta – “você continua achando esta foto (menor) verdadeira?”-, a resposta é de novo sim.”

O autor constata: “A testemunha trazia a convicção de que a verdade estava em cada pedacinho da foto, como também da realidade. O recorte, definidor da moldura, não incomodou a testemunha, para quem a verdade é a soma, está em cada parte.”


Outro exemplo que exalta o papel da montagem nesse jogo de mentiras, muitas vezes vertical e opaco, é a célebre experiência de Lev Kulechov que consiste em fazer com que um mesmo close-up inexpressivo de um ator fosse acompanhado por diversos planos (uma mesa bem guarnecida, um cadáver, uma mulher nua, etc) e em constatar que o plano do ator adquire, em função de sua vizinhança, valores diversos, diversas inflexões (é o que se chama “efeito Kulechov”). A experiência muitas vezes interpretada exclusivamente no sentido de uma demonstração dos poderes lingüísticos, sintagmáticos, do cinema foi também a primeira oportunidade de perceber a possibilidade de dirigir, por um trabalho adequado do material fílmico, as reações do espectador.

“Durante todo o Verdades e Mentiras ele (Orson Welles) esgota uma série inteira de armações, intercalando com material de várias procedências, de maneira que por exemplo, ele, Elmyr e Irving parecem estar conversando quando foram evidentemente filmados em ocasiões e lugares diferentes. Aqui o acintoso artifício da técnica se apóia ironicamente na experiência de Orson como ator de cinema que tantas vezes parecia apenas dialogar, de ocupar um espaço único, com o outro ator da cena.”

Esse tipo de interação entre os três falsários acontece diversas vezes durante o ensaio de Welles. Em uma das passagens, Elmyr está contando sua história de como entrou no ramo das falsificações por acaso. Certa vez foi mostrar a uma pessoa seus quadros para vender e o único quadro que lhe interessou foi um Picasso que ele havia feito por acaso. Ao mesmo tempo, temos Welles em uma mesa de restaurante contando uma história semelhante sobre um amigo pintor que também vendera por acaso uma pintura copiada que havia feito. A montagem intercala a fala dos dois, acompanhando o avanço das idéias até chegar ao clímax e sua resolução. Elmyr inicia:

“Daí percebi que eu podia vender algo de repente e por muito dinheiro numa época em que eu não conseguia, de maneira alguma, vender qualquer um dos meus quadros.”

Ao que Orson Welles continua repetindo a suposta frase de seu amigo Vertès:

“Como me culpar? Eu não tinha dinheiro algum, assim como não tinha um estilo próprio de pintura.”

Temos então a intercalação com nova entrevista de Elmyr:

“Ter cinco dólares era muito, significava uma refeição. Não falo de me empanturrar, mas comer para viver.”

Esse jogo construído através da montagem é repetido ao longo do filme, explicitando ao espectador seu objetivo: enganar o próprio.

“Como um meio para a conservação do indivíduo, o intelecto desenrola suas principais forças na dissimulação; pois esta constitui o meio pelo qual os indivíduos mais fracos, menos vigorosos, conservam-se, como aqueles aos quais é denegado empreender uma luta pela existência com chifres e presas afiadas. No homem, essa arte da dissimulação atinge seu cume: aqui, o engano, o adular, mentir e enganar, o falar pelas costas, o representar, o viver em esplendor consentido, o mascaramento, a convenção acobertadora, o fazer drama diante dos outros e de si mesmo, numa palavra, o constante saracotear em torno da chama única da vaidade, constitui a tal ponto a regra e a lei que quase nada é mais incompreensível do que pôde vir à luz entre os homens um legítimo e puro impulso à verdade.”

“Enquanto o indivíduo, num estado natural das coisas, quer preservar-se contra outros indivíduos, ele geralmente se vale do intelecto apenas para a dissimulação: mas, porque o homem quer, ao mesmo tempo, existir socialmente e em rebanho, por necessidade e tédio, ele necessita de um acordo de paz… Esse acordo de paz traz consigo, porém, algo que parece ser o primeiro passo rumo à obtenção daquele misterioso impulso à verdade.”

Ao final da seqüência, Elmyr se descreve como vítima dos negociantes de arte que faziam dinheiro em cima de suas obras (“Fui usado, fui enganado e espremido até a última gota”). A trilha sonora melancólica parece se comover aos protestos do falsificador, mas um copo de vinho derrubado sobre a mesa corta o clima. Uma superstição: “Um pouquinho de sorte.” – afirma Reichenbach ao que Welles responde com ainda mais ironia: “E uma tonelada de mentiras, você (direcionado a Elmyr) tem embelezado tanto seu próprio passado que é melhor que eu faça algo impressionante por mim mesmo”. A partir daí, Welles vai discorrer sobre sua própria biografia de mentiras desde seu programa de rádio, seu sucesso Cidadão Kane.

Uma segunda cena que traz a mesma linguagem à montagem acontece um pouco mais adiante do documentário ensaio. Nessa altura da narrativa, Welles está questionando a origem da falsa assinatura que teria comprovado a voz do magnata Howard Hughes, apresentada por Clifford Irving como prova da autenticidade de seu trabalho. Apesar da assinatura ter sido autenticada pelos especialistas, ano depois o próprio escritor viria a assumir a falsidade da firma. No entanto, Welles não utiliza outro contexto para comprovar duas teses ao mesmo tempo. Utilizando a entrevista dos dois falsários, o diretor intercala o diálogo, formando um terceiro.

Enquanto Irving descreve o porquê da dificuldade de se prender Elmyr, percebemos a ironia da montagem pretendida por Welles, que incrimina o próprio Irving, colocando suas palavras contra ele mesmo. Diz o escritor: “Um caso judicial traria tanta publicidade ao mundo da arte que qualquer negociante de arte inquirido se tornaria automaticamente um suspeito. A outra razão dele estar solto é que a polícia francesa me explicou que para prendê-lo na França eles deveriam ter duas testemunhas, que tenham visto ele fazer os quadros, e que o tenham visto assiná-los.”

Temos um plano de Elmyr afirmando que as assinaturas haviam sido feitas muito tempo depois que as pinturas terem sido pintadas. “De qualquer forma, nunca assino as pinturas. Isto é muito importante. Não, nunca as assinei. Não. Nunca. Não. Nunca assinei.” Em essas falas, a montagem de Welles intercala planos do escritor boquiaberto e perplexo, enquanto o pintor afirma mais de uma vez que nunca havia assinado. Há um silêncio nas falas enquanto o plano e contra plano continuam, os dois cruzam os braços, se entreolham, tudo isso através da montagem. Está evidenciada a intenção de Welles de concluir sua tese de que foi Elmyr quem assinou a falsa firma de Hughes. O veredito final é dado pelo próprio Irving: “Claro que foram assinadas.”

Welles dá a entender, sem nunca explicitar, que Elmyr e Irving na verdade criaram toda uma mise-en-scène que une o útil ao agradável: dá notoriedade a Irving, escritor antes fracassado e releva ao mundo o maior orgulho do falso pintor (orgulho evidenciado pela necessidade de aparecer por suas várias festas oferecidas em sua casa em Ibiza), sem, no entanto, a necessidade de ambos assumirem. O diretor, através de sua montagem e sua mise-en-scène construída “reconstitui” ou “cria” uma nova situação.

O diretor faz então um apontamento final que vai levar a seu próximo pensamento sobre o tema, colocando em xeque o valor da arte. “Bem, independente de quem as assinou suas pinturas figuram em muitas coleções se podendo dizer que Elmyr conseguiu um tipo de imortalidade sob várias outras assinaturas. Se forem pendurados em museus ou em coleções de grandes quadros e ficarem lá tempo suficiente, elas se tornam reais.” – afirma Orson Welles

Esta constatação do diretor levanta outro tema abordado durante o filme e que terá ao final do documentário uma conclusão ainda mais nietzschiana, narrada pelo próprio Orson Welles.

Questionando o valor da verdade e da mentira, Welles também contesta a sabedoria dos “experts” em obras de arte e do próprio valor da arte em si. Na próxima parte do desenvolvimento deste trabalho tento aproximar o pensamento central (o valor da arte) discutido por Irving, Elmyr e Welles durante F for Fake das idéias de Nietszche em Sobre Verdade e Mentira.

Desta forma busco amarrar a questão da ética da montagem com o pensamento de Paulo Freire sobre educação, relacionando o papel da arte, do cinema e da educação para a formação de um individuo emancipado, crítico, livre e democrático.

2.3 “It’s pretty, but is it Art?”– O valor da Arte em F for Fake e Sobre Verdade e Mentira

“Procuro sempre a síntese: é um trabalho que me apaixona, pois devo ser sincero em relação ao que sou e não passo de um experimentador; experimentar é a única coisa que me entusiasma. Não me interesso pelas obras de arte, pela posteridade, pela celebridade, apenas pelo prazer da própria experimentação: é o único domínio em que me sinto verdadeiramente honesto e sincero. Não tenho devoção alguma pelo que faço, é realmente sem valor aos meus olhos. Não fico, portanto em êxtase diante da arte: fico em êxtase diante da função humana, o que pressupõe tudo o que fazemos com nossas mãos, nossos sentidos, etc. Uma vez terminado nosso trabalho, ele não tem tanta importância aos meus olhos quanto aos da maioria dos estetas: é o ato que me interessa, não o resultado, a não ser quando dele emana o cheiro do suor humano, ou um pensamento…”

O grande tema que permeia o filme é a questão da obra de arte e seu valor comercial. Os três falsários têm um discurso parecido a respeito do mercado de arte que movimenta milhões. Estando à margem do que a sociedade determina como “certo e correto”, Elmyr contesta sua condição de falsificador com uma lógica que também é seguida por Irving e Welles. Pela montagem, o diretor faz possível um diálogo entre os três, em uma conversa dinâmica e interessante.

A seqüência que nos interessa aqui começa com Clifford Irving lendo uma manchete de jornal à Elmyr: “À solta O Homem que mantém o mundo da arte sob refém”. Claramente os dois se divertem e se orgulham da reportagem. Temos outro plano então de Elmyr lendo outro trecho, em uma de suas festas. Orgulhoso, lê com um largo sorriso no rosto “Um profundo embaraço para todos eles.”

A partir disso, Welles dá espaço para Irving e Elmyr despejarem seus pensamentos sobre o mundo obscuro da arte. “O mundo das artes, sempre foi um grande truque baseado em confiança.” – afirma Clifford. Welles continua: “O livro de Irving sobre Elmyr é a estória de um homem talentoso se vingando daqueles que o rejeitaram traduzindo decepções numa piada gigante.”

Isoladamente, Clifford pergunta a uma pintora então porque quer que as pessoas façam cópias ao que ela responde: Porque as falsas são tão boas quanto as originais e existe um mercado, e existe uma demanda.” Clifford completa em outro momento “Se não existisse um mercado de arte, os quadros falsos não existiriam.” – afirma. Esse pensamento vai ser defendido pelos três ao longo do filme que ainda vai além. Mais adiante na seqüência, Welles conta que: “O livro de Cliff Irving pode ser a fraude do século mas este não é, realmente, o século da farsa. Nós, os homens desonestos, sempre estivemos com vocês. Isto é um fato. A novidade é os especialistas.”  Sua fala é intercalada pelos outros dois falsários que também dizem a mesma palavra: Os especialistas. Os auto-intitulados “experts”.

Welles e Elmyr travam então um diálogo paralelo e complementar. Aqui cada ponto final representa a frase de um ou do outro, começando pelo direto: “Especialistas são os novos oráculos. Embora pretensiosos. Eles falam conosco com a absoluta autoridade de um computador. Fingem saber profundamente algo que só entendem muito superficialmente. E nos curvamos diante deles, eles são o presente de Deus para os falsários.” – conclui o diretor. “Todo o mundo adora ver os especialistas e o sistema serem feitos de bobos.” – acrescenta Irving.

Clifford e Elmyr seguem então na seqüência descrevendo como enganavam os museus e os negociantes de arte. “Você explodiu o mito da infalibilidade dos negociadores de arte e diretores de museus expondo seu charlatanismo sua maldade e agressividade.”

Mais adiante Welles conclui sua linha de pensamento: “É belo, mas é arte? Bem, como se valora arte? O valor depende da opinião. Opinião depende de especialistas. Se um falsário como Elmyr engana os “experts”, então quem é o “expert”?… Quem é o farsante?

“Se crio a definição de mamífero e, aí então, após inspecionar um camelo, declaro: veja, eis um mamífero, com isso, uma verdade decerto é trazida à plena luz, mas ela possui um valor limitado, digo, ela é antropomórfica de fio a pavio e não contém um único ponto sequer que fosse “verdadeiro em si” .

“Como gênio da construção, o homem eleva-se muito acima da abelha na seguinte medida: esta última constrói a partir da cera, que ela recolhe da natureza, ao passo que o primeiro a partir da matéria muito mais delicada dos conceitos, que precisa fabricar a partir de si mesmo. Aqui, cumpre admirá-lo muito, mas não somente por causa de seu impulso à verdade, ao conhecimento puro das coisas. Quando alguém esconde algo detrás de um arbusto, volta a procurá-lo justamente lá onde o escondeu e além de tudo o encontra, não há muito do que se vangloriar nesse procurar e encontrar: é assim que se dá com o procurar e encontrar da “verdade” no interior do domínio da razão.”

A analogia de Nietzsche valoriza ainda mais o questionamento quanto à veracidade dos “experts”. Nietzsche também questiona esse conhecimento, quando especialmente são os próprios “experts” que montam conceitos sobre os quais vão analisar uma obra de arte. É o camelo e o mamífero.

3.1 Conclusão

Criamos a linguagem cinematográfica e a utilizamos para reproduzir a imaginação. Não existe o documentário. O que existe é uma apropriação da realidade como mise-en-scène, quando a ficção é montar esse ambiente novo. Mesmo dentro dessa definição existem contradições e milhões de exemplos que permeiam entre os conceitos. Novamente, estamos procurando por detrás do arbusto e isso não nós levaria a uma “verdade”. O camelo pode estar andando livre quando o captamos, como também pode ser treinado para interpretar. A posição da câmera também influencia a visão e o olhar do enquadramento interfere na forma que vamos obter/sentir as imagens. Além disso, a montagem também modifica essa recepção. O ambiente e o contexto de exibição também relativizam o processo fílmico. Todas essas variantes, infinitas, quando transformadas em conceitos, são apenas camelos.

As grandes empresas de difusão da comunicação em massa sempre foram vinculadas aos canais de televisão e às gigantescas produtoras de cinema. Estas controlavam hegemonicamente os meios de produção, exibição e distribuição no mundo todo, cabendo aos artistas independentes buscar mecanismos alternativos de produção.

Esse monopólio possibilita que a massificação ocorra, sem maiores preocupações éticas ou humanas com a sociedade, que passa a ser mero consumidor. A cultura é então vulgarizada, transformada em mercadoria e o espectador comum sem possibilidades palpáveis, sem alternativas aparentes, cede à ideologia opressora.

Esses meios audiovisuais passam a ter, portanto, papel de manipulação graças ao seu desenvolvimento técnico, sua imposição estética e sua rede de alcance, obtidos através do seu poderio econômico e político. Formadoras de opinião que impõem regras, difundem ideologias a fim de defender seus privilégios ilegítimos e deixam a população majoritária a margem das decisões e discussões que realmente seriam de interesse público. Comprometem assim a própria ética, a cidadania e a participação da vida social dos cidadãos.

Orson Welles critica essa postura da segmentação, do determinismo e da qualificação da arte. Como um artista crítico, preocupado com a questão da mídia e da massificação desde seu primeiro trabalho no cinema: Cidadão Kane. Utiliza sua obra, sua arte como porta de questionamento dos valores estipulados por uma elite dominante minoritária.

Nesse contexto, a educação audiovisual se faz extremamente necessária e urgente. Educação no sentido de alfabetizar sonora e visualmente o espectador. Ensinar os olhos a enxergar o significado embutido por entre as imagens e alertar aos ouvidos para as subliminares do inter-texto. O desenvolvimento e a democratização de nada adiantaram sem a autonomia do indivíduo e o questionamento crítico para aquilo que assisti. A falta dessa ferramenta de defesa torna o receptor meramente um consumidor para aquele que produz, além de ser uma arma extremamente eficaz para aqueles que controlam a informação.

Paulo Freire escreve sobre a importância da inter-relação entre a educação e a cultura como forma de emancipação do indivíduo em uma sociedade democrática em transição. Em seu livro Educação Como Prática da Liberdade.

“Exige-lhe esforço (ao homem), inclusive, admitir para si mesmo o fato de que o inseto ou o pássaro percebem um mundo totalmente diferente daquele percebido pelo homem, sendo que a pergunta por qual das duas percepções de mundo é a mais correta não possui qualquer sentido, haja vista que, para respondê-la, a questão teria de ser previamente medida com o critério atinente à percepção correta, isto é, de acordo com um critério que não está à disposição.”

Nesse trecho, Paulo Freire discute a diferenciação do indivíduo imerso, iludido pelas magias de um mágico invisível para o indivíduo critico que toma consciência.

“Se na imersão era puramente espectador do processo, na emersão descruza os braços e renuncia a expectação e exige a ingerência. Já não se satisfaz em assistir. Quer participar. A sua participação, que implica numa tomada de consciência apenas e não ainda numa conscientização – desenvolvimento da tomada de consciência – ameaça as elites detentoras de privilégios.

“Se o homem de ação une sua vida à razão e aos seus conceitos, para não ser arrastado e não se perder a si mesmo, o pesquisador, de sua parte, constrói sua cabana junto à torre da ciência, para que possa presta-lhe assistência e encontrar, ele próprio, amparo sob o baluarte à sua disposição.”

Já Nietzsche questiona a petrificação dos conceitos e aponta o papel da arte na criação de novas idéias e questionamento das raízes estabelecidas:

“Ele (homem) busca um novo âmbito para sua ação e um outro regato, sendo que o encontra no mito e, em linhas gerais, na arte. Perpetuamente, mistura as rubricas e as divisórias dos conceitos ao introduzir novas transposições, metáforas, metonímias; perpetuamente, demonstra o ávido desejo de configurar o mundo à disposição do homem desperto sob uma forma tão coloridamente irregular, inconseqüentemente desarmônica, instigante e eternamente nova como a do mundo do sonho. Em si, o homem desperto adquire clara consciência de que está acordado somente por meio da firme e regular teia conceitual, e, precisamente por isso, chega às vezes à crença de que está a sonhar, caso alguma vez aquela teia conceitual seja despedaçada pela arte.”

“A democratização da cultura – dimensão da democratização fundamental. O aprendizado da escrita e da leitura como uma chave com que o analfabeto iniciaria a sua introdução no mundo da comunicação escrita. O homem, afinal, no mundo e com o mundo. O seu papel de sujeito e não mero e permanente objeto.”

Partindo do pressuposto que todo conhecimento só avança quando se coloca sobre suspeita, espera-se que este trabalho coloque em questão um tema pouco discutido e aparentemente resolvido, mas que merece ser problematizado: a educação audiovisual do espectador. A grande democratização do acesso aos meios de comunicação traz preocupações latentes, pois se tem desenvolvido de forma vertical: uma imposição cultural que massifica e vulgariza a cultura.

A democracia é fundamentada na abertura, na liberdade de escolha e na critica social dos indivíduos.  Por isso, educar o espectador comum, de forma a alfabetizar a percepção visual e sonora da população a fim de que o acesso ao meio audiovisual se dê de forma justa, crítica, aberta, consciente, limpa e verdadeira. Para sua plena liberdade, autonomia e conseqüente responsabilidade, bases da idéia iluminista de democracia, o espectador deve aprender a ter senso crítico a aquilo que assiste e consome.

Nesse sentido, o filme F for Fake de Orson Welles tem papel fundamental no pensar ético e da responsabilidade do profissional da área. Ele desvenda o meio audiovisual ao espectador comum, levando às telas discussões somente feitas no âmbito acadêmico audiovisual, mas que. no entanto, diz respeito a população como um todo, pois é público e indivíduo muito antes de consumidor.

O cinema, por ser um ambiente ainda mais aberto a experimentação e a temática crítica, tem, portanto, o papel de recuperar sua magia inicial, perdida ao longo do tempo pela banalização da imagem. Welles tenta assim recuperar o prestígio, desnudando a linguagem cinematográfica e trazendo novas possibilidades para o pensar audiovisual.

Podemos constatar que essa preocupação está muito presente na atualidade em diversos documentaristas que também questionam através de sua arte a falsidade da verdade e a veracidade na mentira.

Bibliografia:

AUMONT, Jacques e outros. A estética do filme. Trad. Marina Appenzeller. São Paulo: Papirus, 1995

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BELLOUR, Raymond. Entre-imagens; foto, cinema e vídeo. Trad. Luciana A. Penna. Campinas: Papirus, 1997.

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Herança de características físicas ou psíquicas de ascendentes remotos

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Idem 6.

Idem 8.  Pg. 487

ZUNZUNEGUI, Santos. Orson Welles, Ediciones Cátedra (Grupo Anaya, S.A.), 2005 – Madrid

BAZIN, André. Orson Welles; tradução André Telles. – Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2005

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Sobre verdade e mentira no sentido extra moral.  Rio de Janeiro: Hedra, 2007 Pg. 48

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Idem 15.

BAZIN, André. Orson Welles; radução André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005

Idem 17.

LEAMING, Barbara. Orson Welles, uma biografia; tradução de Milton Persson. Porto Alegre: L&PM, 1987

François Truffaut in BAZIN, André. Orson Welles; tradução André Telles. – Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2005 pg 42

BAZIN, André. Orson Welles; tradução André Telles. – Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2005 pg 143

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Sobre verdade e mentira no sentido extra moral.  Rio de Janeiro: Hedra, 2007

AUMONT, Jacques e outros. A estética do filme. Trad. Marina Appenzeller. São Paulo: Papirus, 1995 pg 148

Idem pg 148

Idem pg 149

A Elite do Poder C Wright Mills, 1968, Sociologia, Praia dos Livros Salvador, BA

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Sobre verdade e mentira no sentido extra moral.  Rio de Janeiro: Hedra, 2007 Pg. 36 e 37

XAVIER, Ismail: O Olhar e a Cena – Melodrama, Hollywood, cinema novo, Nelson Rodrigues. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.

XAVIER, Ismail: O Olhar e a Cena – Melodrama, Hollywood, cinema novo, Nelson Rodrigues. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.

Idem 29.

LEAMING, Barbara. Orson Welles, uma biografia; tradução de Milton Persson. Porto Alegre: L&PM, 1987pg 485

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Sobre verdade e mentira no sentido extra moral.  Rio de Janeiro: Hedra, 2007 Pg. 27 (grifo meu)

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Sobre verdade e mentira no sentido extra moral.  Rio de Janeiro: Hedra, 2007

Rudyard Kipling, The Conundrum of the Workshops, frase citada por Orson Welles em  F for Fake

BAZIN, André. Orson Welles; radução André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005 (grifo meu)

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Sobre verdade e mentira no sentido extra moral.  Rio de Janeiro: Hedra, 2007 Pg. 40

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Sobre verdade e mentira no sentido extra moral.  Rio de Janeiro: Hedra, 2007 Pg. 39 e 40

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Sobre verdade e mentira no sentido extra moral.  Rio de Janeiro: Hedra, 2007 Pg. 47

FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. Tradução Moacir Gadotti e Lílian Lopes Martin.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Sobre verdade e mentira no sentido extra moral.  Rio de Janeiro: Hedra, 2007 Pg. 46

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Sobre verdade e mentira no sentido extra moral.  Rio de Janeiro: Hedra, 2007 Pg.  42

FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. Tradução Moacir Gadotti e Lílian Lopes Martin.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

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    Sandro Alves

    Gostei muito deste texto. Espero futuramente ter tempo para dialogar mais com ele. Já é a minha segunda leitura. Salves!

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