As Aventuras de Tintin (Steven Spielberg, 2011)

Por Arthur Souza Lobo Guzzo*


Para o bem ou para o mal, é difícil encontrar um cineasta com maior versatilidade que Steven Spielberg. Sua supremacia com o cinema de massa nunca pode ser subestimada, bem como sua capacidade de lidar com temas mais sérios e densos (vide Munique, impressionante tanto sob aspectos artísticos quanto morais). Consta que Spielberg conheceu Tintin e a obra de Hergé na época de Indiana Jones, após apontarem semelhanças entre os dois personagens e suas aventuras. O diretor de ET se tornou grande fã do repórter belga e assegurou os direitos de adaptação para que pudesse trazer Tintin às telas futuramente. Logo no início, em uma das primeiras cenas, somos brindados com a aparição de um desenhista de rua que oferece a Tintin um retrato. Ele aceita, e na tela surgem os inconfundíveis traços de Hergé. Uma singela homenagem ao criador do material que serve como fonte para este e outros filmes que certamente virão. São esses dois pontos que norteiam o Tintin de Spielberg e Peter Jackson (que é produtor e será o diretor do próximo filme): um tipo genérico de aventura, como se o repórter estivesse à sombra do arqueólogo, e o respeito e homenagem até em excesso ao material original.

O roteiro privilegiou as minisséries O Segredo do LicorneO tesouro de Rackham, o terrível, escolha que parece óbvia na medida em que possibilita uma introdução à amizade entre Tintin e o Capitão Haddock. Entretanto, é de se considerar que há muitas subtramas em ambas as histórias para apenas um filme. Um ponto a ser definitivamente destacado é o aspecto técnico da produção. A técnica de captura de movimentos, bastante em voga hoje em dia, produz resultados formidáveis no que se refere às possibilidades. Cada vez mais, a lógica de Avatar de James Cameron está presente, onde um ator comanda seu dublê digital com movimentos e expressões. Isto contraria a suposição de que personagens digitais substituiriam os atores em um futuro próximo – atores se mostram cada vez mais necessários, não apenas para as vozes. A opção pela animação se mostra claramente certa na medida em que possibilita ângulos e movimentos de câmera inimagináveis, mas também se revela um tanto incompatível com o estilo simples de Hergé, pelos mesmos motivos. O resultado final é tão rebuscado que causa até certa estranheza, de tão belo. Os personagens possuem marcas na pele, as roupas têm textura, os cabelos são ultra-realistas. Talvez fosse o caso de se “economizar” um pouco nesse aspecto, sobretudo quando consideramos que o filme é adepto do 3D. Fica muito difícil apresentar tamanho esplendor técnico, que tem domínio total sobre a atenção do espectador, sem deixar um pouco de lado a história. Ainda assim, impressiona sobretudo a representação do Capitão Haddock por Andy Serkis, ator que já pode ser considerado talvez o maior especialista em captura de movimentos da atualidade, devido a seus trabalhos em O Senhor dos AnéisKing KongPlaneta dos Macacos: A Origem. Daniel Craig também não deixa a desejar com seu papel duplo (Sakharine / Rackham).

Porém, por algum motivo que é difícil de precisar, o filme não funciona adequadamente. É como se faltasse uma alma ao filme; como se fosse polido e obscuro ao mesmo tempo. Tintin de Spielberg mais se assemelha a um passatempo, uma diversão ocasional do diretor, uma aventura pela aventura. Apesar do esplendor técnico, o filme não chega a envolver. Imediatamente se é levado a lembrar da série animada que era exibida na televisão nos anos 90, que mesmo com a técnica precária – se comparada à esta superprodução – parecia muito mais atrativa. É claro que sequências ocasionais, repletas de maestria, tentam apontar o caminho. A cena do ataque ao navio de Sir Francis Haddock, em flashback, é uma delas. Mas não são suficientes para mudar a impressão de que o filme não mostra a que veio. Nem mesmo a trilha sonora do monstro sagrado John Williams, habitual colaborador de Spielberg, empolga. Talvez a sequência, já certa depois de um arrebatador sucesso nas bilheterias, seja mais completa. E quem sabe Peter Jackson não tenha medo de dar um pouco mais de ousadia ao seu filme, coisa que Spielberg não fez.

*Arthur Souza Lobo Guzzo é graduado em Comunicação Social pela PUC-Campinas e em Ciências Sociais pela Unicamp.

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