Harry Potter e as Reliquias da Morte p.II (David Yates, 2011)

Alvaro André Zeini Cruz*

"Tudo termina aqui" diz o cartaz inglês de Harry Potter e as Reliquias da Morte p.II

André Bazin dizia que a imagem cinematográfica tem como peculiaridade a capacidade de profanar um evento singular no continuum da vida – a morte, momento único por excelência que graças à imagem-câmera pode ser revivida infinitamente. O pensamento baziniano, estruturado na defesa do realismo cinematográfico (o cinema como um decalque da vida), certamente não é compatível ao universo maravilhoso de Harry Potter, no entanto, me pareceu interessante retomar o pensamento do crítico francês em torno deste objeto que aparece com singular particularidade no filme dirigido por David Yates.

A morte aparece em diferentes facetas neste último Potter: Surge desde o título e se desdobra filme afora, seja na luta arquetípica do bem contra o mal, ou no mais simples sentimento-consequência trazido por ela: o luto. Nesta segunda parte que encerra a saga, o extermínio de personagens queridos e importantes não nos é mostrado senão através da dor daqueles que sobreviveram, o mal se esfacela numa degeneração gráfica e a adolescência dá seus suspiros finais num beijo desajeitado em frente à escada. A derradeira batalha entre Harry e Voldemort se dá quando as últimas horcruxes, – objetos que poderiam dar a imortalidade ao vilão – são destruídas por Neville, Rony e Hermione (aliás, a cena em que a garota cumpre esta missão não está no livro e prova o quanto o roteirista Steve Kloves acrescentou à obra de J. K. Rowling, já que este é um dos ápices emocionais do filme). A trajetória de Potter, por sinal, tem esta peculiaridade: partes da jornada são cumpridas por personagens cujos papéis seriam, a princípio, de apenas auxiliar o herói, mas nunca cumprir parte de suas obrigações (não à toa, a cena em que Harry enfrenta Voldemort é montada paralelamente à batalha que os outros têm contra a cobra). A destruição de Voldemort, ainda que cercada de pirotecnias dos efeitos visuais, acaba soando como mera conseqüência – quase um anticlímax. Com a serpente – a última das relíquias, – derrotada, o mal sucumbe ao bem e se desfaz em cinzas. Para a arquetípica derrota da sombra, Yates permite que o fim se dê diante de nós, de forma meio mágica e poética. Na representação do encerramento da infância/adolescência e de todo um imaginário trazido pela franquia, se utiliza dos efeitos especiais para pôr abaixo um castelo, ao qual nunca mais retornaremos (ao menos não como antes, mesmo que a série ressurja um dia). Aliás, após um episódio bastante econômico no uso da computação gráfica (se comparado ao restante da série), o cineasta retorna com pleno domínio e consciência de que raios, lampejos e explosões passam longe do cerne da magia de Potter. Isto se reflete no enfrentamento entre herói e antagonista, se desdobra no ritmo do filme, que privilegia o drama e o respiro à ação desenfreada, e se coloca, sobretudo, na maneira como o filme lida com um de seus objetos: a morte.

Batalhas Épicas entre o Bem e o Mal são a marca do ultimo filme da série do Bruxo Inglês

Pois é com ela que, de todas as formas, Harry Potter vai se encontrar. Seja na dor da perda, comum, mas ainda assim dolorosa; seja no encerramento de uma etapa que ficará na lembrança; seja no entendimento de que a morte não é uma possibilidade, mas um fato. Num cinema mainstream em que se insere nomes como Michael Bay, e que especialmente este ano está mais preocupado em realizar prequels da Liga da Justiça, Yates conta sua história centrando-se no drama dos personagens, falando de adolescência como poucos o fizeram no cinema norte-americano da última década (Gus van Sant e Greg Mottola são exceções), e mantendo como constante o pensamento de que aquele é um mundo ao qual fazemos uma última visita; um mundo à beira da extinção. Faz, portanto, um filme bastante melancólico, que entende o encerramento de tal forma, e que só retoma a magia de outrora no epílogo que nos leva a anos mais tarde (quando os acordes de John Williams retomam a trilha original). O filme acaba e a “morte”, que nos fora retratada com respeito e desespetacularização surpreendente para os padrões de Hollywood, nos apresenta uma última faceta: aquela que encerra os últimos suspiros de um dos maiores fenômenos da cultura pop dos últimos anos.

*Alvaro André Zeini Cruz é graduando em Cinema pela Faculdade de Artes do Paraná (FAP)

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