Entrevista com Reinaldo Volpato

Entrevista com Reinaldo Volpato

Reinaldo Volpato fala de seu novo filme “Estranhas Cotoveladas” e de sua carreira em uma entrevista exclusiva à RUA.

Por Amanda Castro*


Reinaldo Volpato é cineasta formado pela Escola de Comunicações e Artes, da USP. Dirigiu filmes de curta, média e longa metragens, programas e séries de televisão, vídeos institucionais, educativos, clipes e espetáculos musicais, publicidade e marketing político.Foi Gerente Executivo de programação da equipe pioneira da TV Brasil. E agora, acaba de receber o Prêmio Fomento ao Cinema Paulista da Secretaria do Estado da Cultura, pelo longa metragem Estranhas Cotoveladas. O cineasta se encontrou com a RUA, para uma entrevista  após a leitura pública do seu roteiro feita na UFSCar para os alunos de Imagem e Som.

Amanda Castro – Primeiro gostaria que você nos contasse um pouco da sua história dentro do universo Audiovisual…

Reinaldo Volpato – Sou formado em cinema pela Escola de Comunicações e Artes de São Paulo, a ECA [USP- Universidade de São Paulo], e tenho especialização em técnica de som de sonoplastia, mas eu virei montador de cinema e televisão e também repórter e diretor de cinema. Eu comecei minha carreira em 1975 trabalhando no jornalismo da TV Cultura no programa a Hora da Justiça com o Wladimir Herzog. Ai a ditadura matou o Wladimir, o “Wlado”, e eu fui trabalhar na TV Globo. Participei da equipe pioneira que criou o programa Globo Repórter em São Paulo, e fiquei vários anos lá montando uma porção de curtas metragens de muitos cineastas de São Paulo, do Brasil; Montei vários longas metragens e dirigi meu primeiro longa metragem que se chama “Abrasasas” [Brasil, 1984] em São José do Rio Preto. Já nesse filme eu tinha uma preocupação com a cultura do interior paulista. O “Abrasasas” trata dos adolescentes de São José do Rio Preto, que vivem uma história complexa em um aniversário de 15 anos, onde adolescentes de várias classes sociais se relacionam. Agora eu estou fazendo um segundo longa metragem que é o “Estranhas Cotoveladas” [Em produção], também trata da juventude do interior de São Paulo. Trabalhamos com jovens recém formados das universidades de agronomia, medicina que vivem um caso de amor, um triângulo amoroso clássico que é utilizado para relatar as características principais da cultura contemporânea, que é o povo caipira.

Entendo a cultura caipira como a cultura do povo que mora na região, por exemplo, Paulista, de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, interior do Rio de Janeiro, Espírito Santo e norte do Paraná. É uma população muito trabalhadora que tem uma relação muito profunda e muito forte com as novidades que existem no mundo. Uma população que esta plugada no planeta via satélite, fibra ótica, avião e internet. Então, hoje, o caipira é um ser urbano que tem uma cultura muito característica, e frequenta muito pouco as telas do cinema brasileiro. Eu acho que como cineasta, do interior de São Paulo eu deveria então me meter nesse assunto e fazer filmes que tratem dessa realidade.

Amanda – O Roteiro de Estranhas Cotoveladas recebeu o Fomento ao Cinema da Secretária de Cultura do governo de Estado, a partir daí eu queria que você comentasse como foi o processo de seleção e quais os reflexos dessa premiação na produção do filme.

Reinaldo – Bom eu não sei quais foram os critérios que eles usaram para premiar o filme. Eu sei que quando eu inscrevi o “Estranhas Cotoveladas” no prêmio Fomento ao Cinema da Secretária de Cultura do governo de Estado, era solicitado que eu apresentasse além do roteiro do filme, os objetivos, as justificativas, o projeto completo de onde o filme se inseria, quais eram as contrapartidas que eu daria para secretaria, para o povo paulista. E eu expliquei todas essas coisas no projeto, assim o filme ganhou o prêmio. Foi muito importante porque além do recurso financeiro, o filme ganhou 463 mil reais, e ainda nós ganhamos um impulso muito grande que valorizou bastante nosso projeto. Nós já tínhamos ganhado todos os incentivos fiscais, além do ICNS, e já tínhamos 600 mil reais. Com esse aporte nós conseguimos mais de 1 milhão de reais, e com mais um dinheiro que temos da lei do audiovisual e de algumas poucas empresas que estão nos incentivando na realização dessa projeto cultural nós temos 1 milhão e 200 mil e também com co-produção, tanto da TeleImage quanto da Estúdios Quanta, nós temos um aporte de mais ou menos 1 milhão e meio, que representa 45 % do orçamento do filme e isso importa bastante porque nos concursos que nós estamos participando, daqui pra frente, como o da Eletrobrás que já está inscrito, Petrobrás que deve abrir concurso logo mais, viabiliza que a gente tenha chance de ganhar os prêmios. Você fortalece muito o projeto, além disso, há empresas que estão financiando nosso projeto, investindo os recursos federais, como os impostos de renda, como a Natura, as Casas Pernambucanas, a Irizar que é uma fábrica de ônibus lá de Botucatu. Elas se sentem, dessa maneira, mais confortáveis para investir. Elas estão percebendo que o filme tem uma qualidade estética e uma qualidade cultural além de ter uma viabilidade financeira. Nós estamos muito felizes e acho que vamos conseguir cumprir o cronograma que estava afinal de contas aprovado pela Agência Nacional de Cinema, a Ancine, que diz que a gente vai filmar em abril e maio de 2012, então o lançamento do filme fica para o final do ano.

Amanda – Durante a leitura do roteiro você comentou que a história não era acerca do triangulo amoroso, mas sim sobre a escolha da personagem Ella, comente sobre as analogias desse recorte com o seu público alvo e as implicações dessa escolha em seu roteiro…

Reinaldo – Assim, quando eu formulei esse roteiro eu tinha claro que eu queria falar à respeito da vida agrícola paulista, então eu já havia escolhido um usineiro de cana de açúcar de 28 – 30 anos de idade e um engenheiro agrônomo que trata da agricultura orgânica e também que eles tivessem uma inflexão, uma relação com a médica Ella Triése que estava fazendo residência em ginecologia e obstetrícia, isso porque eu achei que fosse relativo aos estudantes universitários do interior do estado de São Paulo; são personagens oriundos da cultura rural apesar de estarem no mundo urbano, mas que tem uma coisa muito próxima a terra para poderem falar a respeito. Os agrônomos tratam diretamente a terra e a produção agropecuária. E a doutora, porque trata do nascimento da vida, dos seres humanos. Só que o equilíbrio que tem esses três personagens é tão explicito que eu decidi que o personagem principal não seria um ou outro, não teria um ganhador e um perdedor, nem alguém que tivesse uma ascendência e outro que fosse vencido. O que teria é o triangulo amoroso do personagem principal do filme, então na verdade o filme não fala de uma disputa entre dois agrônomos pela amor de uma mulher, o filme fala sobre uma mulher que está escolhendo entre dois homens ou a sua vida. O que ela vai fazer, o que ela vai preferir fazer da vida dela envolve a questão do seu futuro financeiro, profissional, sentimental e espiritual. Eu acho que esse filme relata muito que está acontecendo hoje com a sociedade paulista, com a juventude. O mundo está em processo contínuo de transformação de mudança e essas pessoas que habitam o interior de São Paulo não têm filmes para poderem se relacionar, medir, ver, ou perceberem sua cultura e se espelharem para poder inclusive se vangloriar com o que é bom das suas características culturais e políticas e também para poderem fazer a autocrítica de transformar aquilo que for ruim e reacionário.

Amanda – Como surgiu seu interesse pela cultura do interior paulista ?

Reinaldo – Eu me interesso pela cultura do interior paulista desde que eu comecei a fazer cinema, em 1973, quando eu ainda era estudante da escola. Meu primeiro filme, que eu fiz sozinho na escola como diretor e também como montador, tinha como tema os Bóias Frias. Esse foi um dos primeiros filmes sobre Bóias Frias que teve no Brasil e a partir daí eu desenvolvi um trabalho muito grande ligado ao interior. Trabalhei na Secretaria com interior, por exemplo, eu tinha um programa de televisão que eu era diretor e editor, que ia para o ar na TV Cultura e eu filmei mais da metade dos municípios que tinham na época, eram 568 municípios no estado de São Paulo, e eu filmei mais de 300. Aí eu fiz vários curtas metragens tratando dessa cultura, entre eles o “Canabrava: A necessidade de expressão” [Romildo Sant’Anna e Reinaldo Volpato, 1987] que são sobre dois cortadores de cana de Salles de Oliveira que pintam quadros, essa vontade que os caras tem de falar coisas e não tem onde falar. Fiz um filme sobre eles e foi uma coisa muito importante, ganhamos festivais, foi uma coisa que passou muito no mercado, foi bem interessante.

Fiz o “Linhas Tortas” que trata da vida de um trabalhador rural, o Seu Armando Bastos que saiu da roça, aprendeu a escrever na escola rural, fez até o quarto ano só, foi pra São Paulo capital, Diadema, e lá ele foi ser empregado da construção civil, se aposentou como mestre de obras, acontece que ele passou a vida escrevendo livros, escrevendo coisas, então ele escreveu roteiro de filme, de programa de televisão, e nunca conseguiu publicar nada, nunca conseguiu que alguém lesse alguns trabalhos dele. Ele me viu na televisão e eu tinha dado meu telefone para que quem precisasse entrasse em contato comigo, ele entrou em contato e nós fizemos um filme que chama “Linhas Tortas”, que é um documentário de 30 minutos sobre ele, quer dizer eu me apliquei muito na produção de filmes, audiovisuais (televisão) sobre o interior do estado de São Paulo e isso me honra. Eu quero fazer ainda pra completar a trilogia da juventude, digamos assim, Paulista, com essas mesmas personagens que eu estou tratando tanto no “Abrasasas” quanto no “Estranhas Cotoveladas”. Fazer um terceiro filme que é o “Vou sonhar pra você ver” onde essas personagens estarão com 50 anos de idade, ai eles serão grandes usineiros, responsáveis pela exportação industrial para o mundo inteiro e vai ser um filme em 2050, eu acho que vão ficar legal !

*Amanda Castro é graduanda do curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), editora responsável pelo Panorama e membro da Editoria Geral da Revista RUA.

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