A Separação (Asghar Farhadi, 2011)

Por Gabriel Dominato*

Em A Separação, Asghar Farhadi, em seu quinto filme, retrata um Irã tangível, desmistifícado e desromantizado, de forma naturalista, conseguindo retratar todo um povo, sua religião e conflitos através da apresentação do micro para assim chegar ao macro. Situado no país nos dias de hoje, o filme foca-se na vida de Simin (Leila Hatami) e Nader (Payman Maadi), um casal comum iraniano de classe média alta, que está se separando porque Simin quer sair do Irã e ir para o exterior, onde acredita que terá uma vida melhor para si e sua filha, enquanto Nader deseja ficar para cuidar de seu pai, acometido pelo mal de Alzheimer.



Para que tenhamos uma maior compreensão das intenções de Simin, é preciso traçar um pequeno parelelo sobre os acontecimentos recentes ocorridos no Irã, que são o que motivam a vontade de Simin em sair de seu país. Nos últimos anos, o Irã tem trabalhado com enriquecimento de urânio, afirmando que são testes com fins pacíficos para serem empregados em fins civis. Porém, os EUA e União Européia acusam o Irã de estar enriquecendo urânio da mesma forma que se faz para a produção de armamentos nucleares. É conhecida a retaliação que os EUA estão costumados a fazer a países baseados em acusações similares, logo, um clima de incerteza surge a Simin, e a ameaça americana/européia não pode ser ignorada. Pela segurança da filha deve partir.  Mas em um segundo momento vemos a conversa entre mãe e filha, onde descobrimos que a separação talvez esteja ligada a outros fatos que não a atual condição de seu país, mas algo muito mais íntimo.

Porém, mais que este conflito histórico, está em destaque a doença do pai de Nader. Asghar Farhadi mostra de forma muito verossímil as dificuldades que envolvem a doença tanto para o acometido como para aquele encarregado de vigiá-lo. Sim, porque é desta maneira que se é preciso agir, já que em um determinado momento o senhor foge de casa quando não estão olhando. É trabalhado todo o triste processo de esquecimento e degeneração que a doença provoca por uma ótica muito humanista. É também esta doença que serve como elo entre o conflito central no filme, que em si não está nem mesmo ligado à separação de Simin e Nader, mas que acaba por envolvê-los novamente, e à mulher que cuidava do pai. Um evento trágico ocorre e assim se desencadeia o confronto entre a família de Simin e Nader e de Razieh (Sareh Bayat), a enfermeira do pai de Nader.

Todo o drama pessoal dos personagens culmina a partir daqui, e funciona de forma explêndida porque há uma total ausência de maniqueísmo na película. Durante o conflito ambas famílias procuram o sistema judiciário para resolver a lide que surgiu, porém ambos tem seus motivos e interesses, e todos são justificáveis. Não podemos fazer a clássica separação de que este é o “mocinho” e está tentando vencer o “vilão”. Não existe uma linha visível que mostre que alguma das partes envolvidas no problema está certa ou errada, não se podendo acusar ninguém. Logo, pode-se identificar-se com qualquer dos sujeitos ali envolvidos.

Por falar nos sujeitos, as personagens tem uma dimensão e profundidade belamente construídas, dando veemência às suas ações, e claro, tal fato é conseguido pela excelente direção de atores e por um elenco surpreendente, de rostos um tanto desconhecidos, ao menos para nós do ocidente, com exceção de Leila Hatami que já trabalhou em vários outros filmes, o que dá ao filme o tom realista almejado.

Em quesitos técnicos o filme não é excepcional como na narrativa e atuações, mas possui todo o surporte básico de uma fotografia e iluminação realista, locações reais e um primor pelo movimento dos corpos. Os atores são muito expressivos, dando a dimensão dramática com gesto e expressões faciais exemplares: enchutas porém eficazes. O único fator pouco trabalhado no filme é o som, seja pela trilha sonora inexistente – elemento porém que não chega a fazer falta – e pela direção de som que é um pouco morna neste filme, fato que não chega a atrapalhar mas nota-se uma ligeira ausência de atenção a respeito dele.

A Separação é, sem dúvida, um grande filme, um dos mais representativos de 2011, talvez não o melhor para representar o cinema estrangeiro no Oscar de 2012, mas, levando-se em conta a estreiteza de visão da Academia, um filme como este figurar entre os concorrentes já é um grande avanço. Não me arrisco a dizer se ele irá vencer os prêmios aos quais fora indicado, mas sem dúvida entre os escolhidos ele é o que mais merece, porém, se não vencer, já foi contemplado por um prêmio muito mais importante e significativo no mundo do cinema, o de melhor filme no festival de Berlim, além de melhor atriz para Leila Hatami e melhor ator para Payman Maadi.

*Gabriel Dominato é graduando em Direito no Centro Universitário de Maringá e é redator do blog Avant, Cinema!

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Este post tem 4 comentários

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    Jafar

    Olá Gabriel, tudo bem? Gostei muito de sua resenha e adoraria ter sua autorização para inserí-la em meu blog, Cinema Iraniano (cinemairaniano.blogspot.com). Por favor entre em contato comigo por e-mail. Muito obrigado.

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