As novas câmeras HD e seu uso

Pretendo, neste texto, fazer um breve resumo das câmeras HD (high definition) lançadas nos últimos anos que tem dominado as discussões sobre estes formatos no Brasil. Vou somente comentar as câmeras que utilizei, para dar testemunho do ponto de vista do diretor de fotografia e/ou operador de câmera.

Antes, é necessário fazer uma breve contextualização sobre os formatos de vídeo digitais, nos quais o vídeo HD se insere. O vídeo existe desde o aparecimento da televisão, mas a captura neste formato nunca foi vista como rival da captura fotoquímica até a década de 1990. O primeiro passo da relação mais íntima entre vídeo e cinema se deu por conta dos sistemas de edição não linear, ente os quais o Avid e o Lightworks. Como se verificou que era muito mais simples editar os filmes dentro de um computador do que em uma moviola, estes dois mundos, o vídeo e o cinema, tiveram que passar a dialogar.  E aí surgiram alguns problemas. Por natureza, o cinema é uma invenção da era mecânica, feita por empreendedores e inventores praticamente autodidatas. O vídeo foi inventado por cientistas, e isto implica em ser um mecanismo muito mais complexo e abstrato que o cinema, que em sua natureza essencial é extremamente simples. Em suas invenções, os dois formatos nunca foram imaginados como algo que um dia iriam se mesclar. Mas com os programas de edição mencionados, isto aconteceu. E haja técnicas para fazer os dois meios conversarem.  Pull down, timecode, padronizações, tudo foi requerido para dar conta da diferença entre os 24 quadros por segundo do cinema e os 29,97qps do vídeo NTSC. Os problemas foram muitos, mas hoje é uma tecnologia relativamente apreendida.

Porém, tudo era visto como uma maneira de fazer com que o vídeo pudesse editar o cinema, não como uma maneira de capturar a imagem. O VHS, U-matic e Beta nunca foram vistos como concorrente da película. O primeiro passo nesta direção foi quando a Sony lançou o formato Beta Digital. Mencionava-se, à época, que o Beta Digital teria uma qualidade similar ao 16mm, com a vantagem da economia em revelação e telecinagem. Este discurso foi tão forte que o Kodak lançou um vídeo mostrando que o 16mm ainda era uma aquisição superior em termos de qualidade de imagem. O alvo da Sony era o mercado de séries e de filmes para TV a cabo, onde o 16mm tinha uma presença expressiva. Como o preço das câmeras eram de custos similares à época, em torno de US$ 80 -100 mil, cada um dos concorrentes tentava mostrar a sua superioridade.

A verdade é que o Beta Digital acabou por não se contrapor à película. Os motivos podem ser muitos, mas um deles, com certeza, é o fato de que o Beta Digital inicial ainda era no formato entrelaçado (o i dos 480i e 1080i) e a 30 quadros (60 fields) por segundo. Para as pessoas, cinema ainda era aquele visto em 24 qps, aquele padrão de imagem.  Mantenha o leitor esta informação na cabeça, e passemos adiante.

Quando do lançamento do formato DVCAM e DV, com sua sub-variação Mini DV, o vídeo acabou por ser visto como uma possibilidade barata de captura de imagem. Apesar de ter a mesma resolução dos formatos anteriores, ou seja, NTSC ou PAL, o fato destas câmeras serem acessíveis, de não perder qualidade através das inúmeras gerações que a imagem sofre depois de ser captada, além do pensamento pró-tecnologia da modernidade, tudo isto leva o vídeo a ser encarado com uma real opção à película. Estimulados por movimentos como o Dogma, alguns cineastas começaram a capturar neste formato para realizar os seus filmes. Foi o passo que faltava na relação entre os dois formatos irmãos.

Outro passo fundamental foi a percepção, pelos fabricantes das câmeras de vídeo, de que a briga deveria ser dada dentro do formato do cinema, o formato progressivo e a 24qps. A Sony, lançando o HDCAM no final dos anos 90, vai nesta direção, e a câmera é um sucesso. Outro marco foi o lançamento da Panasonic DVX100, a primeira câmera ao alcance do público comum a oferecer o 24qps progressivo.

Depois disso, o vídeo passou a disputar com a película o mercado, definitivamente. É importante destacar que o termo HD se refere a todos os formatos com resolução maiores que o NTSC e PAL, logo falar em câmera e formatos HD estamos falando de um mundo de possibilidades, qualidade e preço. As câmeras que iremos comentar se inserem dentro deste contexto.

HVX200

Imagem da câmera HVX200

Das câmeras que vou citar, esta é a que mais conheço e utilizei. A HVX200 é uma evolução da já mencionada DVX100, agora numa versão HD. Foi uma câmera muito vendida, um sucesso de vendas. Seus grandes trunfos é ser uma câmera acessível, HD, 16:9, progressiva a 24qps e capaz de realizar câmera lenta.  Apesar de considerar uma questão subjetiva, no meu entender possui uma imagem muito fílmica, principalmente nos tons de pele.  Sua compressão intraframe facilita a edição, e a Panasonic optou por fazer a gravação em HD no cartão de memória P2. Se, por um lado, gravar em formato de arquivo permite uma câmera menor (se tal fosse realizado em fita, o corpo da câmera teria que ser maior para suportar uma fita grande que agüentasse tal taxa de dados), por outro lado é um cartão oneroso, e exige para seu descarregamento a própria câmera ou um equipamento específico para isso.

Nos dois longas-metragens que fotografei com esta câmera, optamos por utilizar um adaptador que utilizasse lentes de cinema, o que faz com que a profundidade de campo seja similar à do 35mm. O adaptador utlizado, o MINI35 da P+S TECHNIK, acaba por dar um look muito cinematográfico à imagem, devido à baixa profundidade de campo, o que permite trabalhar com um foco narrativo. Algumas cenas só funcionam por conta deste efeito, como quando vemos uma atriz em primeiro plano e a outra se aproximando pelo fundo, lentamente, vindo do desfoque até entrar em foco e dar o diálogo em primeiro plano. Falando, este efeito parece retórica, mas na tela se percebe as vantagens de se separar o que é figura e o que é o fundo através do foco. Por outro lado, esta opção acarreta na perda de sensibilidade extrema. Sem o adaptador, a HVX200 responde a uma ASA de 320, enquanto com o adaptador expus a uma ASA 80, o que é um complicador em algumas situações. O adaptador também deixa a imagem como se tivesse com um filtro que diminui os contrastes, deixando a imagem mais suave.

Quando se trabalha com profundidades de campo baixas se torna imprescindível a figura do assistente de câmera. Para ajudá-lo, é possível (e indicado) montar a câmera como se fosse uma câmera de cinema, com os acessórios como bridge plate, follow focus e mattebox (parassol). Aí começam alguns problemas. Foi muito difícil fazer os acessórios das câmeras de cinema encaixarem a contento no adaptador com as lentes, e tivemos que utilizar de vários expedientes para conseguir isso.  Ora o follow focus não conseguia chegar até a lente, ora a sua roda dentada não se encaixava perfeitamente na lente; enfim, tivemos vários problemas dessa ordem.

Imagem da câmera HVX200

Em resumo, a HVX é uma excelente câmera, com uma compressão razoável, uma imagem atraente, um formato fácil de editar, capaz de fazer câmera lenta e câmera rápida dentro de certos limites, e uma maneira de operar fácil.  Gosto muito do seu visor grande, da opção de se poder ver no LCD a medida em IRE da imagem, e o menu, que é simples e tem a opção do Cinegamma, que confere uma imagem “mais natural” em termo fílmicos. Por outro lado, sua resolução é um pouco baixa, pois seu CCD tem 540 pixels, usando da técnica do offset para chegar às 720 linhas progressivas.

E, das câmeras mais baratas, ainda é das poucas que consegue fazer variação de velocidade, o que é fundamental em alguns tipos de filmagem. Outro aspecto que gosto nesta câmera é a possibilidade de se ter a medida do foco em distância (metros ou pés), o que era incomum nas handycams de então.

RED One

Imagem da câmera RED One

A RED é uma das câmeras mais comentadas dos últimos anos. Seu marketing é poderoso, e boa parte do seu sucesso foi o fato de ser uma câmera 4K, a mais alta resolução de câmeras de vídeo digitais, por um preço razoável, algo em torno de US$ 100 mil com acessórios e jogo de lentes, muito mais barato que os US$ 300 a 500 mil de uma câmera de cinema nova ou de uma câmera como a Genesis, Sony F35 ou F23. E, ao contrário destas, que são HD 1080 progressivo ou 2K, a RED é uma câmera, como dissemos, 4K.

Obviamente, não se trata de um milagre. Enquanto as câmeras da Sony e Panavision gravam seus dados em super HDs ou numa fita HDCAM SR (que permite dados com cerca de 400Mb/s), a RED grava a uma taxa de  290Mb/s (no modo mais utilizado, que é o REDCODE 36), o  que é cerca de 10 vezes menos que a taxa de dados gerada por uma imagem a 4K. Alguns consideram que seu sensor, com padrão Bayer, não poderia ser considerado um 4K efetivo, pois não há exatamente um pixel para cada cor. Estas discussões são de ordem muito específicas, mas acho melhor mencioná-las para o leitor entender a problemática que as envolve, e que a RED, para conseguir seus 4K a um custo extremamente acessível, teve que recorrer a alguns desses expedientes.

Confesso que antes de utilizá-la nutria por ela certa antipatia. Sabe aquela reserva, misto de teimosia e esquisitice, que temos quando algo entra na moda? Pois era isso que sentia. Confesso que quando a conheci tive que passar por cima deste falso preconceito. A RED é uma câmera muito interessante e, incrível, relativamente fácil de operar. Seu menu é simples, muito mais simples que o de uma Beta Digital, por exemplo. A RED apostou numa certa simplicidade, o que para os operadores acostumados a câmeras de cinema é uma benção.

Podemos dizer que este raciocínio é uma estratégia do fabricante. Adaptar os acessórios utilizados nas câmeras de cinema nela é muito simples, tudo se encaixa perfeitamente, sem quaisquer tropeços. É como trocar um corpo de câmera de cinema por outro. Para quem tem ou utiliza uma câmera de cinema, comprar o corpo de uma RED significa que você abre uma opção de vídeo HD ao seu cliente sem ter que se desfazer do que você já tem. Oras, isto é uma vantagem colossal. Ao operador, não é necessário ter que ficar aprendendo a montar novos acessórios, tudo funciona como antes.

Imagem da câmera RED One

As vantagens que me agradaram continuam. Como nenhum monitor atual consegue monitorar um sinal RGB 4:4:4, a RED adota outra boa solução. Através de um simples toque de um botão, e possível alternar entre o LUT escolhido e o RAW da câmera.

Para entender tal vantagem, tenho que abrir espaço para uma explicação. O arquivo RAW é o arquivo bruto, que não sofre nenhum tipo de tratamento de imagem. Tem a melhor qualidade, pois não sofre nenhuma perda do sinal, é a imagem como ela sai do sensor (há pessoas que não consideram a RED uma câmera RAW por gravar a uma taxa de dados menor que o RAW requereria).  O problema é que quando esta imagem é vista num monitor, ela é muito sem contraste e azulada no caso da RED. Um diretor de fotografia sabe disso, que aquela imagem não é a final. Um diretor, ou ainda um cliente, muitas vezes não sabe disso, e ao ver tal imagem no monitor não pode se furtar a uma certa decepção. Obviamente o diretor de fotografia pode explicar, mas convenhamos que muitas vezes fica parecendo aquela conversa “olha, o que você vê está errado, no final vai dar tudo certo, acredite em mim”, o que, convenhamos, é um tanto constrangedor.  Para evitar tal situação, se aplica uma correção à imagem RAW, para que possa ser vista de uma maneira decente no monitor, o chamado LUT. Obviamente, pela incapacidade dos monitores reproduzirem toda a gama de cor e contraste do arquivo RAW original, esta imagem, que contenta tanto ao diretor e ao cliente, não contenta ao diretor de fotografia, pois o que mais interessa no set é saber se sua exposição está conseguindo registrar a maior gama possível de luzes, para depois se ter na pós-produção margem de trabalho. Deste modo, poder alternar rapidamente entre as imagens RAW e o LUT com a correção de contraste e cor é uma dádiva ao diretor de fotografia. É uma solução que agrada a gregos e troianos.

Nenhuma das outras duas câmeras mencionadas neste artigo possuem esta opção, pois as imagens da HVX200 e da 5D sofrem o processamento da imagem, ou seja, não se tem a opção do arquivo RAW, que é sem compressão, o que se justifica pelo menor custo destas câmeras.

Outra característica positiva da RED é o fato de que ela pode gravar seus dados em cartões CF, que são cartões de máquinas fotográficas profissionais, o que significa serem relativamente baratos e fáceis de achar. Muito diferente do P2 da HVX200, que ainda são caros e incomuns. Há outras duas opções de gravação, como um HD externo, que permite a gravação de uma boa quantidade de material. A RED pode gravar em vários formatos, o que em si não é novidade no mundo das câmeras digitais. O curioso aqui é que , ao se gravar em 2 ou 4K, se muda a área de captação do sensor. Isto implica em algumas mudanças. Em 2K, a área do sensor é equivalente ao do Super 16, o que implica numa profundidade de campo menor, porém se abre a possibilidade de se utilizar lentes de cinema para S16mm nela. É mais um dado que ajuda ao dono de uma câmera de cinema a comprar uma RED. Como disse, ela abre opções, ao invés de fechá-las, como algumas outras câmeras HD.

Algumas outras vantagens que verifiquei. Assim como a HVX, ela tem um medidor de IRE, porém este é mais pontual e inclusive podemos mudar a parte da tela que ele está medindo, o que não ocorre na HVX, que mede somente o centro do quadro, e se quisermos medir algum outro lugar, temos de descolar o enquadramento.  Há também histogramas que auxiliam na correta exposição. A RED também permite que se coloque um bocal para lentes de máquinas fotográficas, o que abre as opções de escolha de lentes e preços, se desconsiderarmos algumas desvantagens das lentes de máquinas fotográficas quando em uso para a imagem em movimento. O grande problema disso é que, nas modernas máquinas fotográficas, o diafragma é dado pela máquina, e não por um anel específico para isso na lente. Quando montado no bocal da RED, o único jeito de colocar o diafragma na lente é através de um parafuso, onde ao girá-lo se abre mais ou menos o diafragma da lente, mas não nos permite saber qual diafragma estamos utilizando, o que é quase temerário. Se a opção for pelo bocal PL, tudo fica como nas câmeras de cinema.

Imagem da câmera RED One

Em relação ao som, percebe-se que a RED não se preocupou muito com este recurso, o que é fácil de entender se considerarmos que seu fabricante a vê como uma câmera de cinema, onde o som é gravado separadamente. O controle de volume fica num menu interno, e a conexão do som é através de um Mini XLR, que é um plugue ainda chato de se encontrar. Na HVX, por exemplo, mexer com o som é mais fácil que na RED. A coisa que mais me incomoda na RED é o fato de que seu sensor CMOS ser balanceado para a luz do dia no RAW. Isto significa que o diretor de fotografia, se quiser utilizar luz de tungstênio para ela, tem que utilizar um filtro 80A, que reduz a sensibilidade da câmera para cerca de 80ASA. Ou se tem que gelatinar as luzes, o que é igualmente problemático. Se me pedissem para listar a pior coisa da RED, esta seria a minha escolha. Outra coisa que incomoda é que, quando se liga a câmera, há um boot, como se fosse um computador ligando, e por vezes nos faz passar por situações constrangedoras no set. A solução para se evitar isto é deixar a câmera ligada sem parar, o que implica em se ter um grande número de baterias, já que a RED consome bastante energia.

Por fim, as duas últimas curiosidades sobre esta câmera. Quando se aperta o botão para cortar o plano, há um tempo depois disso que a câmera necessita para inserir os metadados. Se porventura a câmera desligar neste intervalo, problemas poderão ocorrer nestes metadados. Assim, quando a bateria está no fim, a câmera indica claramente que você deve desligar, e se você for uma pessoa prudente você a obedecerá. Outro indicador útil é o que diz quantos dropouts ocorreram no plano, o que permite à equipe de câmera antever este tipo de problema e rodar o plano novamente.

A RED apresenta um famoso problema que é o de esquentar em excesso, e isso gera por vezes alguns dropouts e travamentos. Não tive problema com isso, e um dono dessa câmera que conheço disse que rodou com ela no sol do sertão e ela agüentou bravamente, sem dar problemas. Muita gente diz o contrário. Eu não tive nenhum problema desta ordem, mas era uma filmagem dentro de estúdio ou externas em sombras gravando depoimentos, o que significa que não era uma condição que exigia muito do equipamento.

Por todos estes motivos, tive uma impressão muito favorável desta câmera, o que talvez explique seu sucesso de vendas. Acho que é inferior à película, mas em algumas condições o resultado surpreende, principalmente nas baixas luzes, como no filme O segredo dos teus olhos, que comentei em outro texto.

Aviso aos navegantes. A RED é uma câmera pesada, tanto quanto uma 35mm. Logo, é indicada para filmagens com alguma estrutura de produção e equipe de câmera.

Canon 5D / 7D

As Canon 5D e 7D vieram na esteira da Nikon D90, ou seja, uma máquina fotográfica capaz de gravar vídeo HD a 24qps. Enquanto a Nikon não teve uma venda expressiva, talvez pela sua baixa taxa de dados, as do fabricante concorrente se tornaram um sucesso estrondoso. Talvez a coroação que faltava para esta câmera, a 5D, foi o fato de ser utilizada no último capítulo final de estação da série House, que é uma das mais conhecidas da TV americana.

O grande trunfo destas câmeras é o tamanho do seu sensor. Na 5D ele é do mesmo tamanho de um negativo 35mm de máquina fotográfica comum. Isto significa que possui uma profundidade de campo mais baixa que a do cinema em 35mm, já que no cinema o negativo corre na vertical, e não na horizontal como na máquina fotográfica, diminuindo a área utilizada. Isto faz com que sua profundidade de campo da 5D seja similar à do Vistavision. O fato de conseguirmos desfocar facilmente o fundo adiciona um charme à imagem inegável, conforme disse quando falava da HVX200 com o adaptador para lentes de cinema, o qual custa mais caro que a câmera, faz com que sua imagem pareça mais sofisticada que as outras câmeras de vídeo HD similares em preço, que são com sensores de 1/3 de polegada. Além disso, permite a troca das lentes como uma máquina fotográfica comum, e o acesso às lentes fotográficas de ótima qualidade por preços razoáveis. Para as pessoas que já possuíam lentes com bocal da Canon, as vantagens são inegáveis para seu dono. A qualidade da imagem é boa, com bons tons naturais. Assim como a RED, grava em cartões CF, com as vantagens já mencionadas deste. Pesam quase nada, são câmeras muito leves, absurdamente leves quando comparadas a outras câmeras HD, o que lhe permite usos muito específicos.

Estas são as vantagens, além do preço, onde um corpo desta câmera custa cerca de US$ 2.500 nos EUA. É bastante coisa por este preço. E talvez seja a combinação destes fatores que a levaram ao sucesso.

Entretanto, as vantagens param por aí. O resto é complicação. Seu menu de vídeo é simples, mas ao se misturar com as configurações da foto still, torna-se um tanto chato de buscar o que interessa ao operador de câmera. Por exemplo, se alguém configura para que o visor LCD não funcione, leva um certo tempo até achar a exata localização do comando. Outras coisas levam a situações parecidas. O som, por exemplo, é difícil de achar dentro do menu. E por falar em som, gravar com som nesta câmera é muito contraproducente. Apesar do firmware que melhorou a qualidade do som, acho ainda algo extremamente irritante fazê-lo nesta câmera. O volume fica dentro do menu, a entrada é através de um conector P2 estéreo, e não há uma saída RCA para ouvi-lo em algum monitor ou para fone de ouvido. Há empresas que fazem adaptadores para se ter a possibilidade de entrada CANON, mas ainda assim acho que não são soluções razoáveis. Para ouvir o que se gravou, há duas maneiras: uma é ouvi-lo no corpo da câmera, em um alto-falante que é do tamanho da unha do meu dedo mínimo; e a segunda é conectar um cabo na saída HDMI e ouvir num monitor que tenha esta conexão. Mesmo assim, ligar o cabo HDMI revela outra face cruel da câmera. Quando se liga este cabo, automaticamente o visor LCD da câmera se desliga, não restando outra opção ao operador do que somente poder ver a imagem da câmera através do monitor externo.

É óbvio que estes tipos de problemas são inerentes a uma câmera barata. Fazer uma boa gravação de som requer itens específicos que certamente encareceriam o projeto e o produto final. Ademais, o raciocínio empregado pelo fabricante desta câmera segue o mesmo da RED: pensaram como uma câmera de cinema, onde o som é gravado por outro equipamento. Entretanto, como consumidor, estamos no nosso direito de reclamar e ajudar a melhorar o produto.

Outra coisa extremamente chata é que, em se gravando a HD 24 qps (nos 30qps o tempo é ainda menor), a câmera pára de gravar automaticamente, sem avisar-nos, em torno dos 12 minutos de gravação. Se o operador não notar que a luzinha vermelha que indica a gravação se apagou, corre o risco de perder parte da gravação, como em uma entrevista, por exemplo. O curioso é que esta característica atrapalha um dos usos mais interessantes desta câmera, que é o uso para entrevistas em documentários, pois proporciona desfoque no fundo, dando destaque ao entrevistado. O motivo para isto é a formatação do cartão CF que ela utiliza, que é o FAT32, e que permite arquivos de no máximo 4GB, limitando assim o tamanho do vídeo. O curioso é que o cartão P2 possui esta mesma característica, porém a HVX200 não pára de gravar, ela separa automaticamente os arquivos que depois são juntados novamente na timeline, o que significa que para o operador não há perigo de a câmera desligar inadvertidamente no meio do plano.

Assim como as câmeras de cinema possuem acessórios, as câmeras de vídeo hoje encontram farta oferta deles. Utilizei a 5D com acessórios da Red Rock Micro, e foi algo trabalhoso. É difícil de montar, pesado, e na situação em que eu me encontrava, alternando entre uma zoom enorme e uma zoom pequena (quase do tamanho de uma fixa), o tempo inteiro eu tinha que ficar trocando a câmera de local, pois ora tinha que atarrachar o corpo da câmera no Red Rock Micro (quando com a zoom pequena), ora tinha que atarraxar o Red Rock Micro na própria zoom maior, pois o bocal da câmera não suportaria o peso da zoom grande. Estas constantes trocas não eram nada práticas, e acabavam por irritar o operador. O grande problema é que, como estas câmeras possuem baixíssima profundidade de campo, follow focus são de grande valia. Mas o trabalho de manuseá-lo é terrível. E ainda há outro problema, que se dá com lentes de máquinas fotográficas modernas. Seu anel de foco não possui parada no ponto infinito, são do tipo rosca infinita, o que inviabiliza as marcações de foco no anel do follow focus, pois uma vez que você gira o follow focus além do infinito, as marcações se perdem.

Estes problemas são inerentes quando um equipamento é utilizado fora do escopo para o qual foi projetado. Boa parte das lentes de máquinas fotográficas foram feitas para foto still, possuindo anel de foco curto, com “rosca sem fim” e para que seja operada através da câmera. Quando tentamos utilizá-la em vídeo, acabamos nos deparando com situações deste tipo. O Red Rock Micro, por exemplo, coloca um anel de plástico entorno destas lentes para que elas possam rodar com a engrenagem do follow focus. Como se percebe, é uma adaptação atrás da outra em cascata, e quem sofre por isso é o operador. Não é exatamente culpa da câmera, mas das lentes. A RED, com as lentes das máquinas fotográficas, passa pelo mesmo problema, conforme mencionado.

Por fim, para conseguir gravar 1920 x 1080 progressivo (lembremos que a HVX, que grava a uma taxa de dados similar, faz 720p ou 1080i apenas), as câmeras da Canon tem que gravar com compressão interframe, que é o H264, que permite compressões maiores, porém mais difíceis na hora de editar. Esta câmera, pelo fato do sinal ter 8 bits e pela rigorosa compressão, não permite grandes ajustes na correção de cor, sendo necessário gravar do modo mais parecido possível ao resultado final. Sua análise da exposição por histograma, como na RED, é ferramenta útil no controle da exposição.

Apesar de parecer que minha análise mais reclame que elogie esta câmera, meu ponto de vista é muito o reverso. Acho que atualmente é a melhor relação custo / benefício que há. Não há imagem mais charmosa a preço tão acessível atualmente no mercado. Acho que entre as câmeras até US$ 10 mil ela é a melhor opção, mesmo com todos seus problemas.

*****

Por fim, gostaria de comentar um último aspecto que envolve o lançamento das câmeras HD a preços mais acessíveis e de tamanhos menores. Como isto popularizou o uso destes equipamentos, há hoje uma mistura muito grande entre os profissionais de dois modos distintos de enxergar o audiovisual: pessoas mais ligadas ao modo tradicional de fazer cinema e pessoas mais ligadas ao mundo do vídeo. Enquanto as primeiras, de modo geral, se pautam por um padrão onde primeiro se organiza o plano para depois sair filmando, na segunda os procedimentos não são tão claros, tudo é mais improvisado. Com a leveza de câmeras como a Canon 5D, por exemplo, a tendência de se cair nos procedimentos do segundo tipo de postura ganham impulso.

O grande problema disso é que o esquema tradicional de marcar o plano, iluminar, ensaiar e rodar se perde. E este procedimento, ainda que soe um pouco burocrático, é o modo mais fácil de obter bons resultados fotográficos, o mais eficiente, quando se trabalha em ficção.

Pode parecer ludismo, mas nem sempre o baixo peso das câmeras é uma vantagem. Há uma tendência inata em se cair no improviso devido à facilidade que o baixo peso proporciona. As pessoas tendem a tentar criar planos mirabolantes e subjetivas das mais bizarras, como do personagem olhando as próprias mãos, câmeras enfiadas dentro dos lugares mais inusitados, que muitas vezes não contribuem em nada para a narrativa, se configuram em pura perda de tempo. Isto nos leva a outra discussão. Quando se utiliza película, em geral a equipe é muito mais centrada, se procura atingir os objetivos de modo mais racional. Ao contrário, quando se capta em vídeo, há um certa dispersão, pelo simples fato que rodar outro take tem custo baixo. Já participei de filme que foi rodado em vídeo e película em fases distintas, e foi incrível como se podia perceber no material bruto a diferença entre as duas fases. O material captado em vídeo possuía muitos takes em geral, e havia muitos planos preciosistas que nada acrescentavam ao conteúdo dramático, era pura busca de virtuosismo.

Assim, sem querer menosprezar as vantagens que uma câmera pequena como a 5D possa oferecer, como planos em lugares nunca antes imaginados (numa moto, bicicleta, skate ou num capacete, por exemplo), é necessário que não se perca o bom senso. De certa forma, a câmera mais pesada, a equipe maior, implica no audiovisual numa maior racionalização dentro do set de filmagem. Há também um outro fator correlato a este. Algumas pessoas imaginam que com as novas câmeras, cada vez mais sensíveis, vai se evitar a iluminação, como se esta fosse utilizada nos filmes simplesmente para que o sensor/filme possa ser sensibilizado, e não para que a luz crie o clima, separe figura e fundo, crie profundidade e outros atributos que lhe cabem.

Enfim, o que esta discussão quer trazer é que, embora hoje as opções de filmagem incluam câmeras muito leves e uma série enorme de facilidades, a maneira de fazer ainda se mantém muito próxima do que sempre foi. E onde o rigor e a racionalidade na filmagem só contribuem para o resultado final.

Talvez por tudo isto a RED se mostre, ao diretor de fotografia e operador provindos do método cinematográfico, uma câmera que pareça mais amiga que as outras duas.

Adriano Barbuto é Diretor de Fotografia e professor do curso de Imagem e Som na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

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Este post tem 5 comentários

  1. Author Image
    LUIZ DE CASTRO

    GOSTEI!

  2. Author Image
    andre varela

    caramba!!! fiquei sem folego…maravilhoso texto.
    andre varela
    manaus

  3. Author Image
    andre varela

    sobre as canon hv20,30 e 40 quais pros e contras…..ou nao existe pros.

  4. Author Image

    Olá Adriano, vou iniciar esse ano meu curso de Publicidade e Propaganda na UFRGS (em parte, até por não haver em Porto Alegre curso mais “audiovisual” que não seja privado), estava procurando por um wallpapel da Red One e encontrei seu texto e blog.

    Quantas informações fantásticas nesse texto! Estou muito no início de uma futura carreira audiovisual (tenho 18 anos) e te agradeço por essa, de certa forma, síntese que você fez da alta definição. Dos melhores textos que eu poderia ter lido sobre o assunto, ainda mais com o enfoque na direção de fotografia e operação de câmeras. Espero encontrar nessa vida de universitária/acadêmica pessoas tão capacitadas quanto você.

    Obrigado, de verdade!

  5. Author Image

    Apenas como correção: vida universitária/acadêmica, e não “de universitária”… Estou rindo aqui.

    Até e, mais uma vez, obrigado.

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