Capitães da Areia (Cecília Amado, 2011)

Arthur Souza Lobo Guzzo*

Cartaz do Filme Capitães da Areia, que comemora os possiveis 100 anos de Jorge Amado caso ele ainda estivesse vivo.

Em 2012, haverá o centenário de Jorge Amado, escritor brasileiro dos mais conhecidos e reverenciados em todo o planeta. É claro que Amado nunca foi unanimidade, mas ainda hoje goza de imenso prestígio dentro e fora do território nacional. Dentre seus admiradores, temos até mesmo escritores renomados, de modo que fica impossível deixar de reconhecer sua relevância. Como parte das comemorações para o vindouro centenário, Cecília Amado, neta do referido escritor e diretora, encarou o desafio de adaptar uma de suas mais famosas obras – Capitães da Areia – para o cinema. Sob esse ponto de vista, filmar o texto é duplamente difícil: Em primeiro lugar, tem-se a grande popularidade do material original, o que sempre pode dificultar a aceitação entre os entusiastas mais ardorosos que exigem fidelidade absoluta. Quanto mais amado é o livro, maiores são as chances de isso ocorrer. Em segundo, há todos os subtextos que permeiam a obra, desde os mais sutis até os amplamente escancarados, obviamente associados à ideologia de Jorge Amado, que era adepto do comunismo. De um modo geral, pode-se dizer que Capitães da Areia, por Cecília Amado, se sai razoavelmente bem tanto no primeiro quanto no segundo aspecto, ainda que caibam algumas ressalvas a serem feitas em ambas as instâncias.

Concebido durante um período de grande instabilidade política brasileira – a turbulenta gênese do Estado Novo de Getúlio Vargas – a história reflete a época em que foi concebida ao abordar, especialmente, a questão da autoridade / perseguição brutal a que são submetidos os personagens, meninos de rua, ditos Capitães da Areia. O “grupo de meninos assaltantes e ladrões que infestam a nossa urbe” aterrorizam a cidade ao cometerem furtos e são enfrentados pelas autoridades com violência peculiar. Um tema que fica bem exposto no livro foi a oposição entre o Estado e suas instituições contra a “liberdade” do trapiche abandonado sob a lua; da vida nas ruas. O filme não capturou esta oposição em sua totalidade.

Não atores dão toque realista ao filme de Cecília Amado.

Assim como no Neo-Realismo italiano, os realizadores deste filme fizeram uma clara opção por elementos de realidade misturados à ficção, como por exemplo, na escolha do elenco. Os jovens escolhidos para viver o grupo de meninos de rua não são atores, mas cumprem de forma bastante satisfatória essa função; por serem desconhecidos, a não-intimidade com a tela ajuda a edificar a credibilidade de que Pedro Bala caminhou pelas ruas de Salvador em algum momento. Isto é particularmente mais eficaz no Professor de Robério Lima , no temível Volta Seca de Heder Novaes e na amável e decidida Dora de Ana Graciela, que na certa tem uma promissora carreira de atriz pela frente. Mas há também a contrapartida. Há momentos que pedem uma dramaticidade maior, uma maior digestão dos acontecimentos, que um não-ator, por melhor que seja, não consegue entregar… Pode-se citar, acima de todas as outras, a sequência do reformatório, que no livro é de embrulhar o estômago. Esperava-se algo semelhante no filme. Mas não se pode ter tudo; ao final o preço que se paga é pequeno.

Primor técnico acentua os momentos mais emocionantes do filme

Na primorosa fotografia, aliada à direção de arte e ao figurino, reside um dos pontos altos do filme, que consegue captar de forma quase poética a Bahia de antigamente. As locações cuidadosamente escolhidas, com suas nuances religiosas e culturais, também contribuem para uma representação acima de tudo bela do romance de Jorge Amado, e, por que não dizer, da Bahia, primando sempre pela autenticidade. É claro que isto não é novidade nos filmes brasileiros, que cada vez mais exibem uma peculiaridade técnica de se admirar. Também cabe notar que a trilha de Carlinhos Brown é eficaz, goste-se de sua música ou não.

Jean Luis Amorin e Ana Graciela interpretam o casal Pedro Bala e Dora

Os enquadramentos, que demonstram grande sensibilidade (especialmente ao final do filme, com a cerimônia religiosa), comprovam que Cecília Amado promete em sua carreira de diretora. E, é claro, para todos os fins, o filme tem o grande mérito de despertar o interesse pela obra de um dos principais escritores brasileiros. Tudo neste sentido – o de valorizar algo que é do Brasil – é bem vindo, ainda mais quando se trata de um filme tão belo, sobretudo no aspecto estético.

*Arthur Souza Lobo Guzzo é graduado em Comunicação Social pela PUC-Campinas e em Ciências Sociais pela Unicamp

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Este post tem 3 comentários

  1. Author Image
    Lulu

    Adorei, adorei! Muito bem escrito!

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    Gabriela Cater

    eu apenas li o livro, ainda naum tive oportunidade de assistir ao filme. mesmo assim acho dificil q o filme consiga captar todas as sensações e emoções q o livro desperta. vale apena conferir por se tratar de um clássico da literatura brasileira adaptda para o cinema pela neta do autor; se o talento for de familia… mas não deixem de ler o livro, é ótimo e concerteza mais detalhado e epressivo q o filme.

  3. Author Image
    Nrmo

    Efetivamente o filme não consegue captar toda a alma que Jorge Amado deixou na obra, a problemática é abordada sob um único aspecto e as reflexões que o autor expõe nas entrelinhas não aparece no filme. Bonito, de fotografia expressiva, capta alegria da Bahia, mas não faz jus à obra. O livro é para ser lido, degustado página à página, é apaixonante, é impressionante e prende o leitor instante a instante, é divino. O filme é comum!

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