Cidadão Kane

Quarta-feira, 17/07/1968

“Cidadão Kane” é o filme mais antigo e, ao mesmo tempo, o melhor em cartaz. Esta é mais uma das dezenas de reapresentações em São Paulo. Isto porque esta obra-prima de Orson Welles, realizada em 1941, é uma das mais importantes da história do cinema, de assistência obrigatória a todos, não só aos que se interessam particularmente pelo cinema, mas também àqueles que gostam do bom espetáculo ou se preocupam com os problemas humanos da sociedade moderna. O filme conserva a sua atualidade, seu impacto, o problema que levanta não pertence ao passado, tem projeção no presente, visto que muitas coisas não mudaram muito. Isto explica sua permanência nas salas de exibição em todos os escalões até hoje. “Cidadão Kane’ ainda não foi condenado à isolada apresentação em cineclubes ou cinematecas, mantém-se vivo, tem algo a dizer quase trinta anos depois.

Após assustar os Estados Unidos com a sua transmissão radiofônica de “A Guerra dos Mundos” de H.G.Wells, Orson Welles vai para Hollywood e realiza o filme polêmico que o tornou maldito naqueles estúdios, incompatível com os grandes produtores, mas não com o cinema.

Partindo dos recursos técnicos e da linguagem do cinema feito até então, Welles inova e lança muitas perspectivas, hoje consolidadas e incorporadas à linguagem do cinema.

Fala-nos de Charles Foster Kane, magnata típico, sua ascensão, sua decadência. Os cenários monumentais, a fotografia barroca, violentamente contrastada, que lembra o cinema alemão das décadas anteriores, a montagem rápida, formam a estrutura fragmentária, cujos elementos compostos nos dão uma imagem da trajetória de Kane, narrada através de vários personagens que com ele conviveram, cada qual com sua visão própria da vida do Cidadão. Nenhum deles nos fornece a chave para a compreensão desta vida contraditória, suas relações com ele não foram profundas o suficiente. Informam-nos sobre o jornalista Kane, sobre o político Kane, sobre o marido Kane, mas não sobre o homem Charles Foster Kane. Sua decomposição em fragmentos é o fraco fundamental nas suas relações com o mundo. Dentro do contexto que viveu, nem mesmo ele, e talvez principalmente ele, conseguiu escapar às imposições da engrenagem que ajudou a construir. O dinheiro forma suas relações comerciais, sua vida oscila segundo o jogo das cúpulas econômicas e políticas das quais faz parte. Na sua tentativa de resistir às pressões, encontra na cultura um refugio, uma saída desesperada. Importa obras de arte dos 4 cantos do mundo, cercando-se delas num imenso castelo, como se a simples presença delas lhe pudesse transmitir o seu valor e reconstituir sua individualidade. Na verdade não passam de ostentação.

Você que vê na arte algum distinto de um ornamento, não perca esse vigoroso documento das contradições de uma época e de um estilo de vida, que se transformou num dos pontos altos da arte do cinema.

Ismail Xavier

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Este post tem 2 comentários

  1. Author Image
    Gabriel

    Muito legal ver o trabalho do Ismail no principio de seu trabalho critico! Principalmente agora em uma época em que muitos tem a possibilidade e visibilidade de produçnao de textos criticos com os Blogs etc….

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