Com o som morre o personagem Carlitos e nasce o ator Chaplin

Edmundo Washington Lobassi é mestrando em Comunicação Contemporânea e Professor da Graduação de Marketing da UAM – Universidade Anhembi Morumbi – São Paulo
ewlobassi@anhembimorumbi.edu.br

Este artigo faz parte de minha pesquisa de Mestrado preliminarmente, apresentado no IV Encontro Científico da UAM e da dissertação que será defendida este ano no Curso de Mestrado em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi.

Meu primeiro contato com a obra de Charles Spencer Chaplin foi aos 7 anos de idade assistindo aos divertidos filmes mudos do cômico Carlitos, apresentados pela TV Cultura, canal 2, São Paulo, nos anos 60, na velha televisão preto e branco da sala de estar.

Este artigo é um tributo a Chaplin, um homem de origem humilde que com seu esforço, arte e criatividade deixou para a humanidade uma mensagem de liberdade e esperança e, assim, não poderia deixar de abordar uma de suas maiores obras, talvez a de que eu mais goste, talvez a mais crítica, e com certeza, a mais política: O Grande Ditador (1940).

O enunciado deste longa de Chaplin é, por um lado, um alerta contra os grandes ditadores do mundo, mas também a evidência da intencionalidade em mostrar sua posição contra Hitler e registrar para a história sua oposição a tudo que seja contra a liberdade de expressão e à pessoa, independente de sua etnia ou credo.

O personagem Carlitos nasceu por acaso quando em um dos primeiros filmes protagonizados por Charles Chaplin, o curta “Corridas de automóveis para meninos”, (1914), o produtor pediu que ele se vestisse de um jeito engraçado. Chaplin, ao pensar nos ingleses que observava em sua infância, resolveu tomá-los como modelo: bigodinhos pretos, vestuários apertados e bengala. Carlitos, neste filme, descobre a câmera e faz de tudo para aparecer com suas roupas folgadas, chapéu coco e bigodinho, para desespero do cinegrafista. Começava de forma simbólica a carreira do personagem.

Não foi tranqüila a transição do cinema mudo para o falado. Estrelas do cinema mudo perderam seus papéis e empregos, estúdios tiveram de investir em pesquisas e equipamentos para se adaptar à nova tecnologia e diretores, atores e roteiristas foram forçados a trabalhar com a novidade. Afinal, o público preferia mesmo os filmes com diálogos, porque a música já existia nas salas de cinema.

Charles Chaplin, artista que, como muitos outros, Alfred Hithcock incluído, também detestava o som quando ele surgiu, pois além de mudanças representava romper com seus personagens e linguagem cinematográfica.

Chaplin tinha motivos de sobra para não gostar do som. Afinal, seu personagem mais popular, Carlitos, teria de aposentar a linguagem corporal que seria substituída, ou acrescida, pela interpretação do ator e o poder da voz. Nesta rápida revisão da passagem do cinema mudo para o cinema sonoro, vale ressaltar que desde o nascimento do cinema pretendeu-se que o som estivesse unido às imagens. Essa união só não existiu desde o início por conta de limitações técnicas, e não por falta de tentativas ou de interesse.

Com o filme “O Grande Ditador” (1940), Chaplin aceita uma nova etapa da história do cinema, a da chegada do som, utilizando muitas técnicas próprias do cinema mudo. Chaplin lançou-se mais uma vez contra a enlouquecida sociedade moderna, satirizando e caricaturizando a ânsia de Hynkel, alter-ego de Hitler, de cujos exaltados discursos, Chaplin realiza em memorável imitação. Através do som, Chaplin rompe com o personagem Carlitos, mas, a pantomima – que o consagrou como maior artista do cinema mudo – segue tendo um lugar privilegiado em sua narrativa.

O personagem Carlitos já havia atacado anteriormente a mística da guerra com “Ombro Armas” ou “Carlitos nas Trincheiras” (1918), comédia preferida dos soldados americanos na Primeira Grande Guerra, no qual Chaplin mostra um herói tão heróico que, sozinho, obtém a vitória para os aliados.

Segundo François Truffautt, durante os anos que precederam a invenção do cinema falado, pessoas no mundo inteiro, principalmente escritores e intelectuais, zombavam e desdenhavam do cinema, pois viam apenas uma atração de parque ou uma arte menor. Toleravam apenas uma exceção, Charlie Chaplin.

Kracauer, por sua vez, admirador de Charles Chaplin e da comédia pastelão, via no cinema a possibilidade de uma “linguagem universal de comportamento mimético que faria da cultura de massa um horizonte imaginativo e reflexivo para as pessoas que [tentavam] viver suas vidas no terreno conflitivo da modernização”. Ao analisar, no final dos anos 20, a relação que os funcionários públicos mantinham com os filmes, Kracauer recusava a analogia entre a padronização industrial da mercadoria cultural e o comportamento do público consumidor. Para ele, o filme permitia aos espectadores se projetarem polimorficamente, através da identificação com os personagens e com os motivos cinematográficos, tornando-se os sujeitos de um “campo de testes para novas formas de identidade social” (KRAKAUER 1997)

O Filme O Grande Ditador (The Great Dictator) produzido entre 1938-1940, antes mesmo da invasão da Polônia pela Alemanha Nazista, sem recursos governamentais, com o investimento pessoal de Chaplin de 2 milhões de dólares, lançado em 15 de Outubro de 1940, uma comédia que satiriza o nazismo e seus principais defensores no período, Adolf Hitler, interpretado por Chaplin e sob o personagem de Adenois Hynkel, e Benito Mussolini, interpretado por Jack Oakie sob o personagem Benzino Napaloni.

Os europeus só assistiram a este filme no término da Segunda Grande Guerra e sua exibição foi proibida em alguns países latino-americanos como Argentina, simpática à causa nazista. Há informações que atestam que Hitler, um entusiasta do cinema, assistira a este filme.

Nos filmes de guerra mais representativos desse período, é possível detectar alguns princípios fundamentais nas produções de Hollywood:

1. Destacam a participação dos Estados Unidos nas seqüências de batalha;
2. Enfatizam o heroísmo e bravura do soldado norte-americano;
3. Reforçam o poderio bélico das Forças Armadas Norte-Americanas;
4. Identificam o cenário com precisão, se possível valendo-se de mapas do local onde se passa o conflito abordado pelo roteiro;
5. Exibem junto à imagem, nas frentes de combate, um breve documentário;
6. Apresentam uma pequena mensagem do líder das tropas aliadas na região, apontando as dificuldades enfrentadas, mas, ao mesmo tempo, transmitindo otimismo quanto à vitória próxima.

A harmonia da existência estética de Carlitos, segundo Bazin, só poderia ser apreendida através dos filmes por ele vividos. Todos os filmes de Chaplin mostram no comportamento de Carlitos a própria improvisação, a imaginação sem limites diante do perigo. (BAZIN, 2002)

A inclusão da voz dos atores na trilha sonora do filme “O Grande Ditador” – 1940 tem como papel central no som:

(1) A montagem como forma de organizar o conjunto de planos e detalhes
(2) O sentido de despertar sensações através dos efeitos de fusão, das cenas de arquivo
(3) O objetivo de traçar uma linha narrativa envolvendo a ameaça real e o imaginário Hynkel do filme.
(4) O som substitui a mímica, a linguagem corporal, pela interpretação do ator, pelo poder da voz.
“Percebe-se, então, o que mudou com os últimos filmes de Chaplin. O discurso lhes acrescenta uma dimensão inteiramente nova, e constitui imagens “discursivas” ( DELEUZE,1983,p.212)

“Percebe-se, então, o que mudou com os últimos filmes de Chaplin. O discurso lhes acrescenta uma dimensão inteiramente nova, e constitui imagens “discursivas” ( DELEUZE,1983,p.212)

A seqüência final direciona o público a imaginar Carlitos, que acidentalmente no lugar do ditador Hynkel, tem que imitá-lo e fazer um discurso para as tropas, qualquer discurso, porém além de no palanque do ditador mostrar uma antagônica citação à Liberdade (Liberty) – mostrado nas figuras 1 e 2 – mais uma vez Chaplin surpreende seu público e deixa para a história seu registro pessoal no discurso final, um registro da intencionalidade da passagem de seu personagem para o Homem Chaplin

Prof. Edmundo Washington Lobassi

Bibliografia:
ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. “Dialética do esclarecimento”. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
BAZIN,A. “ Charlie Chaplin”, Rio de Janeiro,Jorge Zahar Editora, 2006
BENJAMIN, Walter. “Magia, Técnica e Arte Politica”, 1984
BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. In: Obras escolhidas. Magia e técnica, arte e política.” São Paulo: Brasiliense, 1985.
CHAPLIN, Charles Spencer “História da minha vida” , 5ª. Edição, Rio de Janeiro, José Olympio, 1966
FERRO, M. “ Cinema e História”, São Paulo, Brasiliense, 1982
KRACAUER, Siegfried, Theory of Film, the Redemption of Physical Reality, Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1997.

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Este post tem 3 comentários

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    Muito bom o artigo! Gosto de dizer que a mímica de Chaplin, sua expressão, seus movimentos, seus gestos, trazem em sí um som do imaginário, mesmo quando não acompanhados por som real. Chaplin estimula a interpretação por aspectos visuais de todo um espetáculo de artes integradas. Caricato, tal qual um desenho animado!

    Sua obra, seu legado, representam muito mais para a história do cinema do que conseguimos analisar até hoje. A Chaplin, nosso tributo.

    Grande sonorabraço musicanimado,

    Marcos Blasques
    Compositor e Cineasta
    Unicamp / Unesp / FAAP

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    Parabéns.
    Sou ator, diretor, produtor, Paulo Pasttella, protagonizo a carismática figura do eterno gentleman vagabundo carlitos, há 36 anos em vários eventos e filmes comerciais, vários projetos em homenagem ao ícone adormecido no sono dos imortais, q. em 25/12/1977(33 anos) de seu sono protagonizando eternas emoções, ao som de “limelight” e “smile”, protagonizados nos 88 filmes em 52 anos de intenso trabalho e fazendo a História da sétima maravilha do mundo o “Cinema”;
    Carlitos as luzes da ribalta emitem poeiras de estrelas presentes evocam a tua lembrança, enquanto o garoto Coogan brinca de atirar pderas nas vidraças do mundo, aliando-se ao Peregrino, e ao Grande Ditador, em seu discurso protagonizando a PAZ.
    “pensamos em demasia e sentimos bem pouco” chaplin
    “coloque um riso na face da tristeza,. pra que ela não se sinta tão triste.” ( pasttella carlitos
    (11) 7499-7866

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