F for fake (Orson Welles, 1974)

F for fake

O documentário tem início com Welles realizando diversos números de mágica para uma criança que ingenuamente assiste ao ilusionismo. Terminada a apresentação, Welles quebra a quarta parede para nos mostrar que juntamente com o “mágico” existem muitos outros atrás da tela, profissionais responsáveis por dar veracidade aos números criados. Em seguida, Welles anuncia a temática do filme: “um filme sobre trapaça e fraude. Sobre mentiras”.

Welles nos apresenta então os personagens Elmyr de Hory e Clifford Irving, falsificadores que irão dar base para a discussão que Welles irá propor no filme. Entram os créditos enquanto uma mulher passa nas ruas atraindo olhares volupiosos dos homens, logo saberemos que se trata de Oja, personagem cuja história só será revelada futuramente.

Em meio a uma intrincada montagem paralela entre as histórias destes três personagens intercaladas com depoimentos do próprio Orson Welles, F For Fake é um filme em que a todo o momento nos imprime uma forte e proposital sensação de insegurança e desconforto, perturbações essas usadas inteligentemente para induzir o espectador a se questionar enquanto ser facilmente manipulável e iludível, retomando assim ao longo de todo o filme a temática do longa: a cópia exposta sobre o âmbito das falsificações

Temos no filme exemplos de falsificadores capazes de realizar uma cópia perfeita de uma obra de arte, a ponto de nem mesmo seus autores serem capazes de reconhecer a falsificação. A partir desta constatação podemos nos questionar se o falsificador é também artista, uma vez que é capaz de fazer algo belo e raro com tamanha presteza de artistas consagrados.

Benjamim em seu famoso texto “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” aborda questão parecida, levando em consideração a cópia a partir de sua reprodutibilidade técnica a fim de responder até que ponto ela pode ser considerada arte.

Para Benjamim, a criação artística é fruto de um momento específico, de seu aqui e agora, gerando o que ele conceitua de aura da obra de arte. Uma simples reprodução desta obra não conseguiria preservar sua aura, que é única e, portanto perderia sua autenticidade.

O valor de autenticidade é tido no filme de maneira diferente. Nos momentos como em que Welles questiona a veracidade da arte se utilizando do processo da montagem de um filme para exemplificar a modificação da realidade e a construção da ilusão de que a arte é capaz, ou quando questiona Irving, que escreveu uma biografia falsa sobre o famoso magnata Howard Hughes, se seu livro poderia ser um monte de mentiras, e se Elmyr, o famosos falsificador de quadros, seria um falso falsificador, para logo em seguida concluir que Elmyr é um verdadeiro falsificador, pois até mesmo Van Dongen não fora capaz de reconhecer a falsificação de sua obra, notamos que no filme o valor de autenticidade está unicamente em seu caráter autoral, em sua assinatura. Uma vez que as falsificações artísticas não tivessem a assinatura de seu falsificador, elas poderiam então ser consideradas verdadeiras obras de arte, já que as sensações por elas despertadas seriam idênticas àquelas experimentadas por quem se depara com a obra verdadeira.

Complementando esse paradoxo, Welles nos lembra que antigamente as falsificações eram admiradas como obras de arte, e que o valor dado a elas acaba ficando sempre sujeito às opiniões. Perguntas como “É belo, mas é arte?” “É lindo, mas é raro?” pairam sem respostas na tela.

Stan Brakhage em seu texto “Metáforas da Visão” considera o cinema como um mecanismo de criar ilusões, defendendo então o uso criativo das construções imagéticas com intuito de criar visões que se distanciem do real, criando ilusões inusitadas, metafóricas e até poéticas de pontos de vista não alcançáveis naturalmente pelo ser humano.  Embora F For Fake não possua uma construção imagética muito complexa e inovadora, a aproximação com as idéias de Brakhage se dá no âmbito da construção narrativa do filme, fragmentada e repleta de interrupções abruptas afim de distanciar o espectador da trama, levando-o a se questionar  sobre o valor de alienação, analisada de múltiplas formas pelas obras falsificadas em questão. Welles encara o cinema como um instrumento de ilusão, de recriação e transformação da realidade, realizada, sobretudo, através da montagem.

Dentre as inúmeras quebras narrativas, a discussão em torno das falsificações é abruptamente suspensa com a reintrodução da figura de Oja, e sua intrigante história de envolvimento com Picasso, que deslumbrado por ela, compõe 22 quadros. Oja vai embora com todos eles, e tempos mais tarde Picasso descobre que ela os havia colocado em exposição. Irritado, Picasso vai atrás de suas obras, mas acaba por não reconhecer nenhuma delas, quando fica sabendo então, que se tratava de falsificações feitas pelo avô de Oja. Exigindo as obras originais, descobre que estas já haviam sido queimadas

No momento de maior tensão, Welles quebra mais uma vez a narrativa nos revelando que toda a história de Oja e Picasso não passa de mentiras, mas que, no entanto, as sensações por ela despertadas poderiam ser as mesmas de uma história real, assim como as emoções experimentadas ao se deparar com uma obra de arte são as mesmas quando nos deparamos com uma falsificação de Elmyr.

Utilizando-se desta história fictícia, Welles encerra seu documentário ignorando um dos valores mais buscados pelo gênero documental: o seu caráter verídico. O que o filme deixa para o espectador é somente a dúvida sobre o que lhe fora apresentado, o que resta é o questionamento de tudo aquilo que delimita (ou que poderia delimitar) o que é o real e o que é falso, sem propor respostas, mas apontando inúmeras e insolúveis dúvidas que perpassam a mera questão temática do enredo, invadindo questões que dizem respeito desde o próprio fazer cinematográfico até o fato de ser colocado como espectador.

Raoni Reis Novo é graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

REFERÊNCIAS:

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Magia e Técnica, Arte e Política. Ensaios sobre literatura e história da cultura.Obras escolhidas. Vol 1. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1994.

BRAKHAGE, S. 1983. Metáforas da visão. In: I. XAVIER, A experiência do cinema. Rio de Janeiro, Edições Graal, Embrafilmes, p. 341-352

VIANA, Nildo. O cinema segundo Walter Benjamin. Disponível em:

<http://www.espacoacademico.com.br/066/66viana.htm>Acesso em 13 de maio 2008

Biografia Orson Welles. Disponível em:

<http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u510.htm>Acesso em 13 de maio 2008

F for Fake. Direção: Orson Welles.1973.86min.color

Author Image

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

More Posts

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

Este post tem 4 comentários

  1. Author Image
    Silvano Cesar

    Estou cursando o 1º ano do curso de História na Universidade Federal de Mato Grosso e,estava a procura de mais informações sobre o filme ”f for fake”,foi quando encontrei este site e o maravilhoso comentário sobre o filme feito pelo Raoni Reis Novo.Tirei as preciosas informações e as usei (citando as fontes claro)e acabei tirando uma ótima nota. O meu mto obrigado!!!

  2. Author Image
    Tatiane

    Excelente comentário, na medida certa entre descrição e análise. Parabéns!

Deixe uma resposta