Howl (Rob Epstein e Jeffrey Friedman, 2010)

A contracultura vem sendo exposta no cinema desde o meados da década de 50, começo da década de 60 e se estende até hoje com filmes como o clássico Juventude Transviada (Rebel without a cause, 1955) ou então o road movie Sem Destino (Easy Rider,1969), passando pelo hippie  Hair (Hair, 1979), o Punk Sid e Nancy (Sid and Nancy,1986), ao Junkie Trainspotting (Trainspotting, 1996), até finalmente chegar ao Hipster Os Sonhadores (The Dreamers, 2003). Todas as tribos ou subculturas, ou mesmo gêneros, ao qual esses filmes são classificados tem em comum uma suposta ideologia que teria sido oriunda nos Estados Unidos com um grupo de escritores, poetas, músicos ou simplesmente vagabundos chamados de Geração Beat.

Cena do filme "Howl"

Entre os precursores dessa suposta geração, ou movimento, estão os escritores Willian S. Burrughs e Jack Keruac, o Infant Terrible Neal Cassady e o poeta Allen Ginsberg. Nos últimos anos está havendo uma verdadeira retomada dessa geração no cinema, não por filmes sobre o movimento em si, porém sobre essas personalidades e as obras que elas criaram. Neal já possui dois filmes sobre sua pessoa em especifico, Jack Keruac vai ter sua maior obra, o livro On The Road, transformado em filme por ninguém menos que o brasileiro Walter Salles, e, sendo exibido no Brasil pela primeira vez, na 34ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo*, o Filme Howl inspirado no poema de Allen Ginsberg (considerado um dos retratos da sua geração) e em um episódio importante tanto para a obra quanto para a literatura americana em si.

O filme na verdade é um híbrido. Nasceu da idéia de um documentário entre os dois diretores para falar sobre o episódio em que o livro “Uivo e outros poemas” de Allen Ginsberg foi posto em tribunal, juntamente com sua editora a City Lights Books, do também poeta Lawrence Ferlinghett, por ser considerado indecente e desmoralizante**. Logo o filme possui muito da linguagem de documentários, principalmente na utilização dos letreiros com datas, fotos, as músicas e também por parte da história estar sendo narrada por meio de uma entrevista, mesmo que fictícia. Híbrido então, pois, além de possuir essa linguagem documental, ele não deixa de ser uma história de ficção. São recriados momentos como uma suposta entrevista que Allen, interpretado pelo ator James Franco (mais conhecido como Harry Osbourne do BlockBuster Homem Aranha), estaria dando para falar sobre o caso todo, sobre o poema, como nele estavam expressos as pessoas que conheceu, as coisas que viveu, o que ele acreditava etc. Paralelamente também temos suas memórias tanto dos relatos que faz, entre eles, os momentos quando conheceu Carl Simons, Jack keruac ou Neal Cassady (pessoas que são referidas no poema), como a dele fazendo a declamação do “ Uivo” para um grupo de possíveis amigos e intelectuais no famoso evento Gallery Six Reading***. Por ultimo também vemos a recriação do tribunal onde o livro foi julgado, com depoimento de especialistas de literatura inglesa, professores entre outros tentando dizer se o livro, e o poema em si, eram indecentes mesmo e se tinham algum valor à literatura de língua inglesa para continuar a ser publicado.

Cena do filme "Howl"

Porém, digo que ele é híbrido, primeiro porque além de ser um drama de ficção com linguagem documental, ele não deixa de ser poético ao ter grande parte de seu enredo entrelaçado ao poema que é dito na integra no decorrer do filme. Segundo porque, além das imagens de Franco, como Ginsberg, recitando o poema, grande parte do que é expresso por ele é ilustrado através de animação, e é ai que temos a grande surpresa e o trunfo do filme.

Trunfo, pois, em um primeiro momento, poderia se pensar que o mais importante no filme poderia ser a vida de Allen, que através de suas memórias mostraria como foi sua vida como poeta Beat. Ou então o mais interessante seria a idéia original dos diretores ao mostrar como foi solucionado esse caso Jurídico que acabou mudando o que era ou não publicado nos Estados Unidos. Mas no fim das contas o que o filme trás de mais interessante é a leitura do poema na integra e sua ilustração através de animação do artista gráfico Erick Drooker, que por motivos muito especiais, soube trazer para um plano cognitivo superior ao das palavras o caos subjetivo e de difícil interpretação que é o poema Uivo.

Cena do filme "Howl"

Drooker foi escalado por Epstein e Friedman para fazer as animações, no começo do processo quando o filme ainda iria virar um documentário. Sua obra Illuminated Poems****, onde ele, em parceria com o próprio Allen Ginsberg, ilustrou diversos de seus poemas inclusive o Uivo na integra, serviu como base para a criação dos desenhos que iriam entrar no filme. Logo esse contato prévio com a obra, e com o autor deu a Drooker o poder de transformar o que seriam apenas ilustrações para um documentário, em animações com um requinte cinematográfico tamanho que modificou o projeto totalmente. As animações em uma mistura de cinema, poesia e música refletem melhor a essência do que nos é dito pelo poema e também o que nos é mostrado no resto do filme, de uma maneira tão poderosa como no filme The Wall, de Alan Parker que romantiza a história que é expressa no álbum do grupo Pink Floyd.

Cena do filme "Howl"

Outros aspectos que também chamam atenção no filme são a utilização do preto e branco para as cenas de memória, em contra partida com a explosão de cor das animações ou da fotografia pálida e envelhecida da entrevista de Ginsberg. A trilha sonora regada ao Jazz e ao Beat que foram marca da década de 50. Assim como a preocupação da arte em recriar os figurinos, cabelos, óculos, objetos de cena da maneira mais natural possível e que remetessem ao período que está se passando a história, diferentemente da utilizada em outro filme passado na mostra, o reverenciado Garoto de Liverpool (Nowhere Boy, 2010), que chega a beirar o caricatural.

É uma pena pensar que talvez este filme, por ter uma primeira impressão simplória causada principalmente por sua sinopse, esteja fadado a ser direcionado apenas para as pessoas que conhecem o trabalho de Allen, que por uma curiosidade de fã vão assistir ao filme. O hibridismo coroado pela animação, o relato emocionado de uma figura de uma geração marcante da cultura norte americana e a reconstrução de um episodio importante para literatura de língua inglesa tornam este filme muito mais interessante do que ele possa parecer. Esperamos que o rostinho bonito de James Franco dê conta do recado. Infelizmente não há data de estréia para o filme aqui no Brasil.

* A mostra já acabou, mas você pode ficar sabendo mais sobre este filme e os outros que passaram lá no site oficial.

** Para saber mais sobre o caso, clique aqui.

*** Para Saber um pouco mais o que foi a Gallery Six Reading, pela visão de alguém nada acadêmico.

**** Para saber mais sobre esta e outras Obras de Erick Drooker, clique aqui e aqui.

Gabriel Ribeiro é graduando em Imagem e Som pela UFSCar.

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Este post tem um comentário

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    Leonardo Fernandes

    Excelente artigo – o filme sobre Ginsberg, infelizmente, passou um tanto quando desapercebido na mostra e, como foi acentuado no texto, só ganhou destaque para os fãs do poeta beat. Não sabia desse detalhe da recriação do poema “O uivo” em animações gráficas, deve estar bem interessante! Pena que perdi a exposição dele na mostra – agora vou ter que esperar para matar a curiosidade! Mais uma vez, parabéns pelo artigo!

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