Lost Girls

Alan Moore é conhecido pelo seu formalismo e exploração do quadrinho como forma de expressão. Em Lost Girls, Alan Moore continua a explorar a mídia, dessa vez determinado a tornar a pornografia como uma forma digna de arte. Não como algo erótico, mas sim realmente pornográfico, no sentido literal. Tratando a pornografia como arte, o autor consegue criar um embate ideológico entre sexo e guerra, e também questiona a ficção enquanto campo de possibilidades e liberdade de expressão.

Lost Girls, publicado aqui no Brasil pela editora Devir em três álbuns de luxo, apresenta a história de Dorothy, Wendy e Alice, três mulheres formadas que, quando jovens, protagonizaram respectivamente O Mágico de Oz, Peter Pan e As Aventuras de Alice no País das Maravilhas. Essas três personagens se encontram em um hotel austríaco às vésperas da Primeira Guerra Mundial e passam a trocar confidências sobre suas adolescências, reinterpretando as consagradas histórias infantis como metáforas para o despertar sexual das garotas.

As personagens engajam-se em sexo desenfreado e sem conseqüências, em todas as configurações possíveis entre homens e mulheres, e resvala pela polêmica, mostrando bestialismo, pedofilia e incesto, seja nas lembranças das personagens, seja no próprio hotel onde estão hospedadas. O isolamento e a ignorância consciente da ebulição bélica na Europa geram paralelos com obras literárias como Os Contos da Cantuária, de Geoffrey Chaucer, O Decamerão, de Giovanni Boccaccio e Fim dos Mundos, de Neil Gaiman, nos quais um grupo de pessoas reunem-se em um lugar isolado e engajam-se em uma contação de histórias diversas, alheios aos acontecimentos externos da sociedade a que pertencem. Além dessas referências literárias, há explícitas citações à pintores e escritores vitorianos, como Egon Schiele, Oscar Wilde e uma bem humorada e inesperada citação à J.K. Rowlings e sua criação máxima, Harry Potter.

Os traços e cores dos desenhos de Melinda Gebbie, quando não emulam grandes pintores, evocam as pinturas naïf em sua puerilidade e simplicidade, combinando muito bem com o caráter lúdico dos contos de fada, que são meticulosamente desconstruídos e reinterpretados por Moore.

Em sua verve formalista, temos Moore explorando a mídia sempre de maneira criativa, seja um capítulo todo mostrado pela perspectiva do espelho de Alice, seja no jogo de sombras no qual um casal recatado revela nas sombras projetadas na parede o desejo sexual existente dentro de cada um deles.

Ele também encerra cada livro da coleção com alusões mais diretas aos acontecimentos que levaram ao início da Primeira Guerra, e estabelece uma estrutura aos capítulos que levam o leitor a extenuação, através do exagero da pornografia e da irritante ignorância das personagens à guerra.

Após a leitura do primeiro e segundo livro de Lost Girls, o leitor é levado ao seu limite nos termos de pornografia, e no ápice do sexo controverso, no início do terceiro livro, Alan Moore envolve incesto, pedofilia e então lança a questão central e que estava sendo debatida nas entrelinhas: quais são os limites da ficção e da arte? Qual a diferença entre gratuidade e o choque consciente? Há limites para a imaginação do artista, e qual é a tênue linha entre homenagem e plágio?

Alan Moore arrebata as emoções do leitor, usando a pornografia não apenas para fazer arte, mas também para fazer seu questionamento último da arte e deixa clara sua posição: na ficção, tudo pode, e encerra sua obra com a exposição da oposição entre sexo e guerra.

Após uma maratona sexual, a guerra toma lugar na obra e, em meio ao campo de batalha, há um pênis decepado e um soldado estripado, com o corte assemelhando-se a uma vagina. O embate entre as pulsões de vida e morte que Moore expõe fica claro. A exaltação do sexo e das forças criativas celebram a vida, e a destruição e a ignorância puras vêm com a guerra. Escolhendo lados desse embate, Moore iguala a pornografia à todas as outras pulsões criativas.

Lost Girls não é simplesmente uma obra em quadrinhos pornográfica, é um manifesto da ideologia de Alan Moore que guia o leitor por caminhos pouco usuais e lhe dá um tratamento de choque a fim de expor suas idéias, questionar o leitor e enriquecê-lo com referências e bons debates de novas idéias. Após a leitura dessa obra, só se pode afirmar que Alan Moore atingiu seu propósito inicial, e foi além.

Roger Mestriner é graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

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Este post tem um comentário

  1. Author Image
    vinicius

    erotismo meu preferido

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