O Curso de Cinema da UFSC

O Curso de Cinema da UFSC terminou sua implantação em dezembro de 2008, formando sua primeira turma. O momento atual representa uma fase de consolidação, mas também de avaliação dos resultados dessa formação oferecida, e possível revisão de alguns pontos do projeto. Trata-se de um curso que apresenta uma base teórica e literária de abrangência pouco comum em nosso país, em função das peculiaridades que atravessou seu processo de criação, ocorrido dentro da época mais obscura que a universidade pública viveu no Brasil, quando o próprio destino do ensino público no contexto das práticas neo-liberais de Estado colocava dúvidas sobre o futuro do modelo a ser assumido pela universidade. Foi no final dos anos 1990 que se desenhou a primeira versão desse curso, em momento totalmente adverso para a criação de novas graduações na UFSC, assim como nas Federais em geral. Na sua origem esteve um curso de extensão extremamente bem sucedido na área de cinema e vídeo, reunindo professores de diversos departamentos e que durara de agosto de 1997 a dezembro de 1999, sendo capaz de influenciar de forma muito positiva o campo profissional local. Percebendo a viabilidade desse tipo de iniciativa, um conjunto de professores decidiu-se a propor uma nova habilitação para o Curso de Letras, focada sobre o texto criativo e a redação de roteiros cinematográficos. Mas naquele contexto o projeto foi rejeitado pelo departamento de Letras, que vinha de implantar novo currículo e considerava temerária a criação de nova habilitação. Em 2001 esse projeto foi retirado da gaveta, graças ao interesse da direção do Centro de Comunicação e Expressão em chamar para si a responsabilidade de encaminhar a proposta de criação de um curso novo. Em consulta, o Reitor mostrou-se disposto a apoiar tal iniciativa, e sugeriu que o novo curso deveria ser de fato na área de Cinema, incluindo a produção. Porém, após o projeto refeito, e a estimativa orçamentária de sua implantação ter sido apresentada, houve um recuo institucional, por considerar-se essa implantação extremamente onerosa. Dessa forma, durante a tramitação que o processo seguiu, com inúmeras oposições a ele de departamentos de toda a universidade, que acreditavam que suas verbas seriam diminuídas para o repasse ao curso novo, esse projeto foi refeito novamente de modo a concentrar sua ênfase nos estudos teóricos de cinema, num recuo estratégico da direção do Centro e da comissão de criação do curso, considerando que no futuro as disciplinas práticas e seus respectivos laboratórios pudessem vir a serem implantados. Apenas em novembro de 2003 esse projeto foi finalmente aprovado no Conselho Universitário, em caráter de recurso do Centro contra decisão da Câmara de Ensino, que votara contra sua criação. Assim o Curso de Cinema entrou no vestibular realizado no final de 2004, para ingresso da primeira turma em março de 2005.

Essa primeira turma ainda executou exercícios fotográficos com uma câmera 16 mm, mas na segunda metade da década foi rapidamente ficando evidente que a transição para o digital e para a alta definição era inevitável. O progressivo barateamento desses equipamentos acabou fazendo com que, na sua realidade cotidiana, o curso fizesse uma enormidade de exercícios práticos de realização no interior de cada disciplina, de uma forma que seu projeto, tal como aprovado, não permitia supor. De certo modo, a concentração inicial na teoria e na criação de roteiros, ênfase expressa nos temas dos concursos que selecionaram os primeiros professores, acabou paradoxalmente se revelando um trunfo como diferencial para o curso numa época em que as possibilidades de produção vêm quase se banalizando em função das mudanças tecnológicas. De todo modo, a revisão que atualmente está sendo operada pela Comissão de Avaliação e Acompanhamento do Curso fornecerá subsídios preciosos para sabermos com mais pertinência onde se encontram as fragilidades atuais. Um tema que já é quase consenso entre o corpo docente é a necessidade da contratação de professores efetivos em áreas técnico-artísticas, tais como a Direção de Arte, o Som e a Fotografia, pouco ou mal atendidas por professores substitutos ou por voluntários de boa vontade, principalmente nas duas primeiras áreas. Temos tido pelo menos a sorte de contarmos com substitutos bastante experientes na área da fotografia, inclusive com vasta produção em película 35 mm em seus currículos.

O Curso vem funcionando vinculado à Coordenadoria Especial de Artes, sendo esta o embrião de um futuro Departamento universitário, à qual o Curso de Artes Cênicas agora em implantação também se vincula. Nessa Coordenadoria há na presente data sete professores de cinema em efetivo exercício (além de dois outros em afastamento, um para doutorado, outro a serviço do MinC), com especialidades nas seguintes áreas: dramaturgia audiovisual, roteiro, produção cinematográfica, cinema documentário, cinema brasileiro, teoria do cinema e crítica, estética do cinema, análise dos meios audiovisuais, cinema e educação. Temos no momento professores substitutos atuando nas áreas de fotografia e de linguagem cinematográfica, vinculados à mesma Coordenadoria. Dois outros departamentos têm participação importante no Curso. A área de Letras fornece disciplinas ligadas aos conteúdos de cinema e literatura, gêneros cinematográficos, expressão escrita, teoria da literatura; o Departamento de História leciona história da arte, e história do cinema. Há também um professor de Psicologia que colabora com o Curso na área de cinema e teorias do sujeito. Os aspectos pedagógicos do Curso são conduzidos por um Colegiado, presidido pelo coordenador, e que é composto por dez professores de diferentes departamentos e dois representantes discentes.

Quanto às instalações, as aulas são ministradas em salas-ambiente dotadas de recursos para a projeção de vídeo, sendo as aulas de montagem em sala de informática, com data-show e um conjunto de computadores para as atividades práticas de edição. Os projetos de produção vinculados às diferentes disciplinas e aos trabalhos de conclusão de curso são assistidos pelo Laboratório de Estudos de Cinema, que fornece em três turnos, com o apoio de bolsistas, equipamentos para captura digital de imagem e som e para edição. As aulas práticas de fotografia still são dadas no laboratório do Curso de Jornalismo, este bastante bem equipado, onde numa parte introdutória da disciplina se realizam exercícios com película, com revelação e copiagem. Também o estúdio de som do Jornalismo foi utilizado para a finalização da trilha sonora dos vídeos de conclusão de curso, na gravação de trilha musical e dublagem. No geral, pode-se avaliar a condição da oferta de equipamentos próprios do Curso como relativamente precária, tanto na sua pequena quantidade quanto no fato desses equipamentos já terem em sua maioria mais de três anos de uso, o que implica em desgaste e desatualização. Em função da integração dos cursos de Cinema e de Artes Cênicas ao Projeto REUNI, no momento estão se iniciando os estudos para a construção de um prédio próprio para esta recente área de Artes na UFSC, com a instalação de laboratórios apropriados, uma vez que os recursos de financiamento agora estão assegurados. Esta mudança constituirá um passo decisivo na consolidação dos estudos de cinema, provavelmente levando a produção dos alunos a novos patamares.

Com vistas a minorar o problema vivenciado pelas nossas primeiras turmas no campo da prática cinematográfica, dadas as peculiaridades dessa fase de implantação do Curso, a coordenadoria propôs um projeto de realização em 35 mm, que após inúmeras tratativas junto à Reitoria foi finalmente aprovado em maio de 2008. Para se chegar à conclusão desse projeto um longo caminho foi percorrido, ilustrativo do espírito com que o Curso foi implementado, numa tentativa de autêntica construção – sem efeitos retóricos – de um espaço de criação artística onde professores e alunos possam juntos viabilizar a implantação de uma área nova numa universidade sem qualquer tradição no ensino das artes. Assim, após aprovação pelo Colegiado dessa forma de condução, uma chamada de proposta de temas para a realização foi feita no início do segundo semestre de 2007, e cerca de vinte sugestões foram inscritas pelos alunos para a seleção. Uma comissão de professores e alunos elegeu a selecionada, com base tanto no seu potencial para desenvolvimento, como roteiro, quanto no que se refere às possibilidades de gerar diferentes situações práticas de filmagem e captação de som. Um tema que comportava diversas filmagens diurnas e noturnas em locações na rua, em um clube, dentro de um táxi e em um apartamento foi assim a contemplada. O roteiro foi escrito por uma dupla de alunos, sob supervisão de uma dupla de professores, num trabalho de construção progressiva ao longo de vários meses. Finalmente uma versão satisfatória do roteiro ficou pronta em fevereiro de 2008. Então a administração universitária teve de ser convencida a adotar uma prática inédita para a viabilização do projeto: o lançamento de um edital de licitação único, específico para a produção de um filme em bitola 35 mm, para o qual seriam fornecidos o roteiro e os atores e seria indicada a equipe técnica. Foi a forma de evitar uma cascata de licitações numa instituição que não dispunha de absolutamente nada no campo da produção cinematográfica. Assim, uma empresa paulistana ganhou o direito de produzir o filme, rodado em dezembro de 2008, ao longo de uma rara dezena de dias em que pouco choveu durante a catástrofe climática que se abateu sobre o litoral de Santa Catarina. Na impossibilidade de se encontrar uma locação satisfatória para as cenas do apartamento, após um mês e meio de buscas, demos uma guinada radical nos planos, decidindo pela construção de cenários para rodarmos em estúdio. Para a conclusão do projeto, a montagem do filme será retomada neste mês de junho, após a superação de problemas com o seguro da câmera (que pifou no último dia de filmagem) e de questões administrativas com a produtora paulistana. No balanço global do que foi atingido com a experiência, já temos a constatação de que ela acelerou a inserção no mercado de alguns dos participantes das filmagens, que ganharam no processo uma maturidade inestimável.

Curiosamente, foi apenas um grupo de cerca de trinta alunos, dentre os 120 do Curso, que de fato se envolveu a fundo nesse processo de realização, extremamente desgastante como costumam ser todas as produções de certo porte, mais ainda aquelas rodadas diretamente em película 35 mm (esta foi uma opção tanto em termos de estratégia de ensino quanto de racionalidade financeira). O fato da maioria dos alunos não se entusiasmar com referência ao cansativo trabalho de montar uma produção em moldes profissionais, e fazê-la funcionar contra todos os imprevistos, intempéries e mudanças de rumo próprios a qualquer realização de certo porte dá matéria para se pensar. Isso concorre, em minha avaliação como condutor desse processo pedagógico, para desmistificar parcialmente a noção corrente de que alunos de cinema tendem em geral a privilegiar a prática sobre a teoria. Talvez onde isso ocorre a teoria não seja dada de forma competente; ou talvez a prática aí privilegiada seja mais própria a um amadorismo que tudo se permite, numa forma de auto-contemplação narcisista – leia-se: produções de cunho doméstico feitas para o desfrute do círculo de amigos que usam o mesmo código. Creio ainda que a falta de envolvimento profundo de três quartos dos alunos com a realização do filme não significa que estes sejam desinteressados do campo de atividades que envolvem o cinema como profissão e fato cultural. Na realidade, esse mercado de trabalho é vasto e variado – vai da distribuição à crítica e ao ensino, passando pela atuação em órgãos públicos e fundações privadas de fomento à cultura. O que significa que uma formação com forte ênfase teórica tem também seu lugar estratégico nesse quadro.

Quanto à influência do Curso na comunidade local, começamos apenas a mensurar seus efeitos, já que os primeiros formandos mal acabaram de se graduar. Porém, uma evidência já pode ser percebida de que os alunos efetivamente motivados para o ingresso no mercado profissional iniciam sua inserção de fato antes mesmo de concluir o curso. Em Santa Catarina as produções audiovisuais de maior porte ocorrem em função dos editais de fomento organizados por prefeituras e pelo governo do Estado, o que acrescenta forte componente de sazonalidade aos picos de produção; efeito similar ocorre em função da época eleitoral, com respeito à realização das campanhas políticas na TV. Também existe alguma produção local nas redes televisivas para além do jornalismo, mas ainda relativamente pequena. A despeito da quantitativamente modesta produção audiovisual no estado, fato é que ela vem crescendo de maneira significativa nos últimos anos, estimulada em grande parte pela presença no mercado dos profissionais que as universidades locais já formaram nas áreas de jornalismo e de cinema.

Prof. Mauro Pommer é Coordenador do Curso.

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Este post tem 2 comentários

  1. Author Image
    Aluno

    “Curiosamente, foi apenas um grupo de cerca de trinta alunos, dentre os 120 do Curso, que de fato se envolveu a fundo nesse processo de realização.”

    Creio que estes números não correspondem a real situação já que o curso possui um grande número de alunos fantasmas (somente constam na matricula). A grande parte das desistências que ocorreram durante o projeto do filme se deram por causa de problemas que os alunos enfrentaram durante a realização do curta. Problemas como: não serem dispensados das aulas, final de semestre, questões anti éticas; como um professor que já havia sido aprovado em concurso para ser professor subtituto do curso, cobrar pelo seu trabalho (seis mil reais), quando os professores do curso deveriam por motivos legais e éticos trabalhar gratuitamente. Além de outros problemas não correspondentes ao processo de realização em si, já que nenhum aluno desitiu durante as filmagens. E na verdade o número de alunos que se envolveram com o curta foi muito maior que trinta.

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