O Discurso do Rei (Tom Hopper, 2010)

Gabriel Dominato *

Cartaz do Filme "O Discurso do Rei"
Cartaz do Filme “O Discurso do Rei”

O Discurso do Rei, vencedor de quatro dos mais cobiçados prêmios da Acadêmia, Melhor Roteiro Original, Melhor Ator, Melhor Diretor e Melhor Filme faz com que um certo tom imponente recaia sobre ele – mas Titanic também fora bem premiado, logo, aí devemos ter precaução. Tom Hooper ainda trilha os caminhos de seu oficío com poucos filmes de expressão em seu currículo, porém, após todas as vitórias no Oscar, a atenção sobre ele será redobrada. É temeroso, apenas o que pode ocorrer, os filmes a porvir de Hooper podem ser super-valorizados, fato que parece sempre ocorrer nesta celebração em especial. O fato é que o seu último filme, embora muito bem construído tecnicamente e com uma direção de atores fantástica não traz uma proposta nada inovadora e sua desenvoltura é mediana. Devo discordar de José Wilker, que mais uma vez apresentava a cerimônia, ao afirmar que o filme possuí uma abordagem moderna, visto que em nada inova, ângulos e técnicas estritamente convencionais supervalorizados pelos membros da Acadêmia e vários críticos.

Não podemos, porém, tirar os méritos que o filme possuiu, a direção de arte de Netty Chapman é maravilhosa, junto da fotografia de Danny Cohen, pois conseguem criar uma Inglaterra, as vésperas da Segunda Guerra Mundial, belíssima e crível. Todos os figurinos e cenários cuidadosamente selecionados com muito esmero criam uma atmosfera capaz de reproduzir os anos 1930, década a qual é ambientado o filme. Mas é na direção de atores e nas atuações fantásticas de Collin Firth e Geoffrey Rush que se encontra o grande triunfo do filme.

Cena do Filme "O Discurso do Rei"
Cena do Filme “O Discurso do Rei”

Baseada numa história verídica, David – que viria a se tornar o rei George VI – (Collin Firth), é membro da família real inglesa e após a renúncia de seu irmão, sucessor ao trono da Inglaterra toma o lugar deste, tornando-se rei, porém, para tanto, David precisa discursar em público, falar perante seu povo, entretanto ele é gago e incapaz de tal tarefa. Sua esposa Elizabeth (Helena Bonham Carter) procura de todos os meios, todos os médicos disponíveis para ajudar seu marido, mas nenhum é capaz de ajudar seu problema na fala, então como último recurso ela procura um médico, Lionel (Geoffrey Rush) de técnicas inortodoxas, mas David fica relutante ao tratamento. Uma vez lá David vai aos poucos se afeiçoando ao médico, o único homem comum que conhece.

A química entre Firth e Rush é algo incrível, flui de maneira espontânea e natural, à medida que a amizade dos dois homens vai se desenvolvendo, e assim vamos sendo agraciados pelo talento destes dois gigantes. Não é pela história em si que se constrói a obra, se fosse a mesma com outros atores teria sido provavelmente um completo desastre, mas pela interação dos personagens. Lionel é uma espécie de terapeuta apaixonado por Shakespeare, de quem tenta representar personagens em várias companhias de teatro, sem sucesso, porém engraçado e descontraído, e David é o rei da Inglaterra pouco habituado ao contato social e um tanto mal humorado, sem intenção alguma de ser coroado; essa relação entre dois homens tão distintos cria o grande trunfo da película.

Cena do Filme "O Discurso do Rei"
Cena do Filme “O Discurso do Rei”

Tom Hooper conseguiu absorver aspectos marcantes da atuação de Collin Firth, brilhante ator que nem sempre é bem aproveitado, elencado em filmes como Bridget Jones, quando seu potencial artístico é de um patamar muito mais elevado. Conforme o tratamento de Lionel prossegue, David começa a se soltar e mostrar um lado mais humano, revelar os seus traumas e medos, e por vários meses o tratamento prossegue até o dia em que ele precisa dar o mais importante discurso de sua vida à sua nação: informar que a Inglaterra estava em guerra com a Alemanha, exercer seu maior papel, com seu amigo Lionel sempre ao seu lado. Tal discurso somente foi possível devido à dedicação que o médico teve para tratar David quando percebe seu potêncial.

Uma característica interessante é a humanidade que Collin Firth e Tom Hooper conseguem imprimir ao personagem, longe da figura fria e recatada que se mostra de inicío, assume características que se assemelham as dos seres dotados de emoção, como nos momentos íntimos em que chora com medo de que não será capaz de reinar. O diretor em entrevistas [1] disse que era necessário a humanização destes personagens para que fossem vistos além da história, seu objetivo não era este, ao invés de contar a história através daqueles personagens ele tenta contar a história dos personagens durante a história, desmistificando-os e lhe dando carne, osso e emoções.

O filme chega quase a ser luxurioso quando falamos sobre suas minúcias técnicas, os contrastes e tons escuros na sala de terapia dão um tom incrivelmente intimista, todos os figurinos e móveis nos cenários parecem ter sido escolhidos a dedo, todos dos idos de 1930, dos protagonistas aos figurantes no fundo da tela, todos assemelham-se a habitantes da Inglaterra da época.

Cena do Filme "O Discurso do Rei"
Cena do Filme “O Discurso do Rei”

Talvez o filme tenha perdido muito de sua consistência no roteiro, adaptado da obra homônima escrita por Mark Logue e Conradi Peter, já que ele traz o clássico esquema da superação, de vitória no final, após uma série de dificuldades, e, claro, que deve-se conceder certa clemência tendo-se em vista que baseia-se numa história verídica. Ainda assim creio que a vida é fonte de inspiração suficiente para que se conte a mesma história de diversas formas, é aí que mora o triunfo dos grandes artistas, recontar de forma inovadora. O que Tom Hooper não consegue de forma alguma realizar, se sua direção de atores é primorosa, em contraponto peca em sua desenvoltura com uma dramaturgia piegas e há muito datada no cinema, a qual poderíamos chamar de formulada para o sucesso, pois é um enredo cheio de armadilhas para capturar o espectador mais distraído e lhe cativar com uma história cheia de moral e superação, o típico filme feito com uma dose excessiva de otimismo que é capaz de massacrar qualquer proximidade que este possa chegar da arte, pretensões que o filme parece ter, não demonstra querer ser mero entretenimento, mas algo capaz de emocionar seus espectadores, o que de fato consegue, mas não como uma obra de arte o faria, e sim como uma história com lição de moral com intenção de obter o efeito “feel good” [2].

O Discurso do Rei é um filme certeiro para ficar no coração dos espectadores, ainda que de forma superficial, assim como o duvidoso Quem Quer Ser Um Milionário e tantos outros que já passaram pela seleção da Acadêmia. Se você quiser se encantar com o espírito otimista e belas atuações numa obra descompromissada consigo mesma, este é o filme certo.

[1] http://www.cinemablend.com/new/Interview-The-King-s-Speech-Director-Tom-Hooper-Makes-History-Modern-21883.html

[2] http://www.ioncinema.com/news/id/6118/interview-tom-hooper-the-kings-speech

*Gabriel Dominato é graduando em direito no Centro Universitário de Maringá e é redator do blog Avant, Cinema!

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Este post tem 2 comentários

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    Priscila Lima

    Gostaria de deixar um comentário modesto que certo dia ouvi da boca do próprio em uma certa aula com ele mesmo em Londres: Colin Firth era absolutamente frustrado até seus 30 e poucos anos por nunca ter feito uma comédia até então. Pensava que, `aquela altura, já podia dizer que nunca seria ”elencado” em filmes como Bridget Jones, que por acaso seria um tipo de filme que tinha muitíssima vontade de fazer – por que não? Ele próprio não considera que Bridget Jones ou outros filmes do gênero sejam menores que seu grande potencial artístico – e por mais que seja um ator que tenha os pés no chão, ele tem consciência do tamanho de seu talento – portanto, quem somos nós para dizê-lo? Acho que as interpretações têm de se adequar `as propostas dos filmes, e foi o que aconteceu em Bridget Jones, em A Single Man e em O Discurso do Rei.

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    Olá Priscila, entendo sua posição e a do sr. Firth também, imagino que concentrar-se em um só gênero durante toda sua vida deve ser exaustivo, mas não consigo imaginar atores como Liv Ullman protagonizando um filme superficial, assim como não vejo como um diretor como Ingmar Bergman pudessem produzir uma comédia (claro que com sua morte isso não seria possível, mas hipotéticamente falando), talvez pudesse existir uma ligeira vontade, mas o compromisso artistico é maior, por isso que atrizes como Juliette Binoche não fazem esses tipos de papéis, e qualquer um compromissado com a sétima arte não deveria fazer, por isso creio ser um desperdício um belo ator como ele, ainda que de livre vontade, atuar em filmes comerciais sem teor artistíco, vejo como um disperdicío de energia criativa. Mas respeito sua opinião, apenas gostaria de ressaltar o porque sinto uma pena tais tipos de atuação destes grandes atores.

    Obrigado ademais pelos comentários, não sabia desta curiosidade.

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