O Mágico (Sylvain Chomet, 2010)

Samuel Douglas Farias Costa *

Cartaz do Filme " O Mágico"

Sete anos após seu primeiro filme em longa-metragem, As Bicicletas de Belleville (2003), o diretor francês Sylvain Chomet nos traz um novo trabalho em animação que contém tudo e mais um pouco do que é preciso para ser uma ótima obra de cinema. Em O Mágico (L’illusionniste, 2011) Chomet não apenas faz um grande filme como também uma bela homenagem a um período artístico que ficou esquecido e deu lugar à uma nova geração nos fins dos anos 50 e anos 60.  O personagem do mágico faz parte dessa gama de artistas que, entre outros, foram esquecidos e perderam o seu espaço para novos movimentos, como os musicais que estouravam com sucesso e suas fãs enlouquecidas. Além do belíssimo tema que busca a valorização do passado e da arte, o filme ainda possui como pontos positivos o roteiro de Jacques Tati, uma linguagem que quase não usa da fala e uma posição crítica referente à realidade do mundo capitalista. Ao mergulharmos na história e nos deixarmos levar por ela, oscilamos junto aos personagens entre o encanto pela magia e a tristeza da realidade.

A história do filme começa em 1959 com um mágico francês chamado Tatischeff, este é uma homenagem à Jacques Tati cujo verdadeiro sobrenome era Tatischeff. O mágico viaja para a Inglaterra em busca de público e quem aprecie o seu trabalho e a sua magia, no entanto os tempos mudaram e novos movimentos artísticos chegam tomando conta do gosto popular. Logo o mágico e outros artistas circenses ou de cabarés, como o palhaço, os trapezistas e o ventríloquo, ficam no esquecimento. O personagem vai encontrar público em uma comunidade escocesa do interior onde ele conhece Alice, uma garota simples que ficará encantada com seus truques. O encantamento é tanto que quando o mágico volta para a cidade grande Alice o segue e eles acabam vivendo juntos em uma relação de amizade solidária que ultrapassa os limites culturais existentes entre eles, como por exemplo, o idioma e o fato dela ser do interior enquanto ele está acostumado com os teatros e espetáculos da cidade grande.

Cena do Filme " O Mágico"

A homenagem que o filme faz a arte se concentra em dois focos, primeiro nesses artistas marginalizados que são apresentados com uma dose de encanto e fantasia que estão cada vez mais esquecidas. O filme é bastante melancólico, e é triste nos depararmos com a desvalorização desses artistas que já não conseguem mais chamar a atenção das novas gerações. O personagem do palhaço é o maior exemplo disso, mesmo caracterizado como tal é o que mais representa o ar depressivo da situação e a falta de esperança, é um símbolo da dualidade entre o encantador e a melancolia. Essa falta de esperança é quebrada pelo encanto e altruísmo da personagem Alice. O segundo foco no qual essa homenagem se concentra é na figura de Jacques Tati e o seu trabalho cinematográfico. Além do roteiro ser de Tati, as alusões a ele estão por todo o filme, como no personagem do mágico ou então na cena em que este entra em uma sala de cinema e se depara com a projeção de um filme do célebre diretor francês.

Cena do Filme " O Mágico"

Os outros temas do qual o filme trata também são fantásticos, começando pela beleza do altruísmo que surge da relação entre o mágico e Alice e que depois se estende a outros personagens. Em uma cena terrível vemos o palhaço prestes a cometer suicídio, mas é interrompido por Alice que veio lhe entregar uma sopa. O filme é cheio de detalhes e sutilezas que o torna mais atraente, é, sobretudo, esse cuidado com os pequenos elementos que fazem deste trabalho uma animação encantadora. A linguagem é construída em cima desses elementos, gestos, sons, símbolos e que se fazem entender sem, ou quase todo sem, o auxílio da fala. O outro ponto importantíssimo do filme é a respeito da crítica ao capitalismo. Sem fazer exageros ou seguir uma militância seja por que direção for, O Mágico nos aponta os defeitos do mundo capitalista. Em um certo momento do filme vemos quando a arte deixa de ter o seu valor artístico para se tornar apenas mais uma mercadoria. Em uma das cenas o mágico trabalha em uma loja e fica em uma vitrine onde usa seus truques para apresentar os produtos. Mais adiante ele deixa sua profissão de mágico para trabalhar em uma garagem de carros. Os mágicos foram esquecidos e é preciso encontrar outros meios para continuar a viver. No entanto, quanto a esse tema a maior critica está representada na personagem de Alice. Esta chega à cidade grande seduzida por esse mundo que é novo para ela, mas na medida em que ela ganha sapatos, roupas e outros presentes ela passa a se deixar encantar por esse outro lado nem tão mágico assim da realidade. Ela não abandona seu profundo altruísmo e sinceridade que marcam a sua personalidade e relação com o mágico, mas vemos nela a representação da alienação.

Cena do Filme " O Mágico'

Os efeitos de animação são fantásticos, o traço do desenho é belíssimo e com um ar de memória e passado. Para completar o clima nostálgico o filme começa em preto-e-branco e mostra os letreiros de vários espetáculos e a trilha sonora é de total acordo com o tema e a época em que se passa. O único ponto que incomoda é não se aprofundar no tema dessa mudança cultural que ocorreu. A contemplação e valorização do passado é muito importante sim, mas entender o outro lado da moeda também. O novo é representado no filme, sobretudo, com a chegada do rock and roll, mas infelizmente foi colocado de uma forma muito superficial e estereotipada. Mas o filme cumpre o que se propõe a fazer, esse detalhe não atrapalha no geral o quão bom é este belíssimo trabalho de Chomet.

Encanto e melancolia, magia e realidade, antigo e novo, arte e mercadoria, é nesse caminho ambíguo que se estrutura O Mágico. Desesperança quanto ao mundo? Não. A esperança, por menor que seja, permanece. A magia pode estar quase esquecida por completo, mas ela existe.

*Samuel Douglas Farias Costa é graduando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).

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Este post tem 2 comentários

  1. Author Image
    Leila Antoniassi

    Não costumo me interessar por animações, pois a maioria no qual tenho conhecimento são de temas infantis e muitas vezes alienado.
    Ao ler este artigo, senti uma vontade enorme de assisti-lo, a descrição do estilo do filme e a crítica que ele faz me chamou a atenção.
    O fato de quase não haver falas, nos remete a refletir mais sobre o significado de cada signo do filme.
    O graduando no qual o formulou está de parabéns.

    Atenciosamente,
    Leila Antoniassi.

  2. Author Image
    adriana abreu

    Excelente sua descrição do filme. Assistimos “O Mágico” recentemente. Ele é todo permeado de solidão. A esse tipo de artista não é permitida a condição de criar território. Ele parece sempre está deixando para trás alguma coisa, sua própria vida é um rastro, um vestígio, um passe de mágica. Realmente, um filme lindo.

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