O Processo Civilizador em Riacho das Almas

Igor Monteiro é graduado em Ciências Sociais e mestrando em Sociologia na Universidade Federal do Ceará (UFC). É pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV- UFC) e do Laboratório de Antropologia e Mídias Audiovisuais (LAMIA – UECE).

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Bessian Vorps: “Ah… É a famosa antecâmara dos assassinos”.
Serviçal: “Dos gjaks, senhor”.
Bessian Vorps: “Sim, dos gjaks… Sei, sei. Já ouvi falar a respeito”.

O Cinema Elisiano

O diálogo que aqui toma contornos de epígrafe foi extraído do romance albanês Abril Despedaçado. A obra, escrita pelo literato Ismail Kadaré[1], ambienta-se no gélido Rrafsh[2] do país leste-europeu, lugar onde o braço do Estado não chega, sendo permitido e legitimado o uso da violência física para a resolução da maioria dos conflitos locais.

Apropriando-me de uma expressão de Clifford Geertz (1978), o “caroço” do romance se encontra na expressão do drama de Gjorg, jovem montanhês Berisha – família que há mais de oito gerações participa de um ciclo de vingança estabelecido com os Kryeqyq. A narrativa se desenrola a partir do momento em que Gjorg é impelido a “cobrar o sangue” de um membro de sua família, morto na referida vendeta.

Em um processo de livre-adaptação, o cineasta brasileiro Walter Salles[3] esforça-se por trazer o mesmo drama para as telas do cinema, agora em um enredo que desce as geladas montanhas européias e encrava-se no desértico sertão baiano. O filme, que se passa em meados de 1910, conserva a vingança e a disputa pela honra como motores da narrativa, contudo se adequando às peculiaridades do novo cenário.

Acreditando que cinematografia não é, somente, encantamento, entendendo-a – portanto – como um produto cultural que traz em seu bojo sínteses, visões de mundo, hábitos e costumes, locus onde se pode estudar o homem e a imagem do homem ou o homem “com” e “no” filme, como nos diz Claudine de France (2000), a presente comunicação tem como objetivo refletir acerca da idéia elisiana de “processo civilizador” tomando a película Abril Despedaçado enquanto campo empírico.

Para Elias (1994), o “processo civilizador constitui uma mudança na conduta e sentimentos humanos rumo a uma direção muito específica”, no surgimento desta nova ordem[4], advinda dos entrelaçamentos de impulsos emocionais e racionais das pessoas, podemos observar, por exemplo, o recalque gradual de alguns instintos, a evolução dos patamares de embaraço e repugnância, além do monopólio da violência por parte de um Estado centralizado. Pensar onde a localidade de “Riacho das Almas”[5] se insere na “curva de civilidade” elisiana, quais características do processo civilizador estão presentes na lógica das vendetas, e o porque de um sistema de resolução de conflitos como este parecer tão absurdo na contemporaneidade, são nortes para o desenvolvimento desta comunicação.

Reportando-me novamente à epígrafe escolhida, talvez seja possível ver pistas para o que se deseja apresentar no trabalho. Cidadão de Tirana, capital da Albânia, para o escritor Bessin Vorps parece inconcebível que um homem que tira a vida de outro não possa ser classificado como um assassino, para o serviçal – nativo das montanhas – o transgressor seria aquele que agisse ao contrário, ou seja, não tirasse a vida do ente de uma família rival, indo de encontro aos ditames do que está estabelecido pela tradição*. Vorps é representante de um lugar onde o Estado parece ser onipresente, o serviçal, por seu turno, é oriundo de um espaço, talvez, onde o “processo civilizador” ainda esteja em vias de fazer-se.

O Processo Civilizador e a Vendeta: construindo cenários

OS CONTORNOS DO PROCESSO: IDÉIA DE CIVILIZAÇÃO E INTERAÇÃO INDIVÍDUO-SOCIEDADE

No decorrer dos dois volumes que constituem sua obra O Processo Civilizador, Norbert Elias, através de exemplos empíricos[6], tenta esboçar uma Teoria da Civilização[7]. Assim, chamando-o ao diálogo, poderíamos definir – de maneira bastante simples, é válido destacar – tal processo como o conjunto de mudanças surgidas no transcorrer da história que se abatem sobre os padrões de comportamento e sobre a constituição psíquica dos povos do ocidente. Na tentativa de compreender o processo é incontornável um “debruçar-se” sobre a idéia de Civilização, além da mobilização de esforços no afã de entender como o social e o individual interagem no pensamento do sociólogo alemão.

O conceito de civilização, num sentido lato, segundo Elias (1994), refere-se a uma grande variedade de fatos, poderíamos relacioná-lo – por exemplo – com o nível de tecnologia ou desenvolvimento dos conhecimentos científicos, assim como com as idéias religiosas ou costumes presentes nas sociedades “desenvolvidas” do Ocidente. Habitações e maneiras como homens e mulheres convivem e se inserem na ordem social também podem ser elencadas no extenso rol de significados atrelados à idéia. Portanto, talvez seja possível dizer que o conceito se apresenta, em sua função geral, como a expressão da consciência que o ocidente tem de si mesmo, uma expressão – sob o jugo de uma análise mais radical, empreendida pelo próprio Elias (1994) – que revela inclusive a consciência nacional, uma vez que a idéia não significa a mesma coisa para as diferentes nações ocidentais[8]:

Ele {o conceito de civilização} resume tudo em que a sociedade ocidental dos últimos dois ou três séculos se julga superior a sociedades mais antigas ou a sociedades contemporâneas “mais primitivas”. Com essa palavra, a sociedade ocidental procura prescrever o que lhe constitui o caráter especial e aquilo de que se orgulha: o nível de sua tecnologia, a natureza de suas maneiras, o desenvolvimento de sua cultura cientifica ou visão de mundo, e muito mais.

A interação entre o social e o individual, por seu turno, ocupa grande espaço na obra elisiana. Admitindo-a como uma de suas preocupações principais, o autor exorta-nos a ultrapassar a condição de reféns de modelos de pensamento que não dão conta da plenitude de tal relação, referendando – assim – antinomias ou dicotomias que só existem em planos discursivos. Para Elias, é comum a existência de condicionamentos que impossibilitam a visão de uma relação coalescente entre indivíduos e sociedade. O pensador chega mesmo a dizer que para se compreender esta interação, onde uma dimensão não existe sem a outra (social e individual), é preciso romper com modelos cristalizados que primam por análises maniqueístas que se estabelecem ora privilegiando, ora preterindo, o indivíduo ou a sociedade. Ainda sobre isso o autor aponta:

O que nos falta […] são modelos conceituais e uma visão global mediante os quais possamos tornar compreensível, no pensamento, aquilo que vivenciamos diariamente na realidade, mediante os quais possamos compreender de que modo um grande número de indivíduos compõe entre si algo maior e diferente de uma coleção de indivíduos isolados: como é que eles formam uma “sociedade” e como sucede a essa sociedade o poder modificar-se de maneiras especificas, ter uma historia que segue um curso não pretendido ou planejado por qualquer dos indivíduos que a compõe. (ELIAS, 1994)

Desenhado este contorno, talvez seja possível entender, dentro de uma perspectiva “evolucionária” da história, o processo civilizador como a “via” pela qual o ocidente transforma-se, caminha em direção à Civilização. Este caminho ou percurso, como citado, que não é deliberado, nem unicamente racional, que encerra em seu bojo o consciente e o inconsciente, e que passa ao largo de ser algo planejado pelos homens, reserva em seu “caroço” – para utilizarmos novamente a expressão de Geertz – uma íntima relação entre a sociedade e o individuo, entre a estrutura social e a estrutura psicológica.

O processo civilizador toma corpo a partir de modificações na estrutura social, via de regra um estrato da sociedade reclama o poder ou é reconhecido como locus de instituição de padrões, estes aparecem datados e contextualizados historicamente: à época do Medievo, por exemplo, os padrões de comportamento figuravam mais afinados ao feudalismo ou à corte que à burguesia. Contudo, a emergência de novas classes, o surgimento de novos atores, a perda de prestigio de classes já estabelecidas, assim como mudanças de regimes políticos e econômicos, conferem dinamicidade à estrutura social permitindo que esta se construa intermitentemente.

As classes, espécies de núcleos duros, que detém reconhecimento como locus de instituição de padrões, também funcionam como centros de irradiação, promovendo e fixando exigências, interditos ou proibições, além de elevação ou recalque de sentimentos. A maneira como tais padrões se irradiam é diretamente proporcional ao grau de relação entre os diferentes estratos sociais. Uma vez instituído um padrão, sua manutenção e preservação são feitas pelo controle daqueles que o instituíram. Com o passar do tempo este controle externo, ou de terceiros, passa a ser internalizado, dando vazão à constituição de um novo habitus, de uma segunda natureza. Assim, o controle transmuta-se em autocontrole, os dispositivos agora são internalizados, a estrutura social modela a estrutura psicológica. A relação, então, se apresenta como habitante da ordem da complexidade: indivíduo e sociedade, assim como estrutura social e psicológica são “tecidos juntos”[9].

A DINÂMICA DA VENDETA OU A LÓGICA DA VINGANÇA: A HONRA COMO FORÇA-MOTRIZ

O conceito de honra – assim como suas problemáticas – talvez possa ser considerado um tema clássico em face de sua recorrência na teoria social. Lançando um olhar retrospectivo sobre este, facilmente, perceberemos que seus estudos giram em torno, como diz Rodhen (2006), de um conjunto de referências comuns, centradas em pesquisas desenvolvidas no mediterrâneo. Contudo, deve se dizer que tal gravitação em torno destas pesquisas não pode nos levar a pensar que a noção de honra é a mesma em todos os lugares. A autora nos convida, ultrapassando a prática da cristalização, a prestar atenção na variedade de formas pelas quais o conceito se apresenta, não sendo possível entendê-lo fora de seus contextos específicos. Rodhen (2006) ainda afirma que os modelos de famílias adotados em cada contexto têm íntima relação com os valores agregados à honra e com as formas como esta é percebida.

Quando, por meio da adaptação, Abril Despedaçado passa a habitar o sertão baiano – e não mais as gélidas montanhas européias – a noção de honra presente na obra original também se adapta ao novo contexto. Não obstante, como explica Peristyani (1971), fazer parte do sistema de regras e condutas ou de regulamentos sociais comuns a todas as sociedades, o conceito de honra não pode ser concebido como algo único e estável, da ordem do absoluto[10]. E no caso específico da obra cinematográfica, ele passa a operar sob o jugo da lógica de Riacho das Almas, das famílias que ocupam o lugar.

Tanto os Breves como os Ferreiras, apesar do filme se passar no ano de 1910, guardam características das famílias coloniais de outrora. Estes resquícios de colonialismo vão produzir um código de orientação moral, um padrão de honra, um conjunto de valores hierarquizados – diferentes dos de outros espaços – [11] que regulam os comportamentos dos indivíduos, definindo a dinâmica social do lugar. Nesta época, devido a fatores de diversas naturezas – dentre eles, a desorganização da administração pública e o isolamento das povoações – as famílias eram multifuncionais, reivindicando para a ordem privada a gestão das várias dimensões da vida social, inclusive da econômica. Assim, eram comuns as disputas por terras no afã de expandir seus domínios e suas riquezas[12], motivo da briga entre as duas famílias citadas.

A vendeta, como foi dito, é iniciada pela disputa por terras, entretanto o que está em jogo no filme, na dinâmica social do lugar, é mais do que a posse de um território para se construir, plantar cana ou criar gado. O movimento de manutenção e reivindicação da posse das terras, que é mediado pela vingança, é também um movimento de preservação de honra. Mais do que a condição material, o que não pode ser perdido ou maculado é a honra. Esta categoria permeia toda a construção fílmica podendo ter seu valor avaliado se levarmos em consideração a fala do patriarca da família Breves: “Nós já perdemos tudo. E se Tonho não voltar, vamos perder também a honra”.

A preservação da honra se dá com o respeito aos ditames do código vigente na região. Um código, já citado, que não é positivado, expresso num suporte material, como o Kanun, mas detentor de enorme poder, e o que ele encerra é passado por meio da oralidade, com enorme eficácia. As gerações anteriores têm a incumbência de transmitir os ditames para as gerações mais jovens, podendo, talvez, nos levar a pensar que a “honra e seus ‘similares’ teriam como uma de suas funções colocar em operação a ligação entre passado e presente” (RODHEN, 2006) uma vez que no filme existe a constante evocação dos antepassados, acionados como referência em termos de exigência de um comportamento determinado no presente[13]. Ainda sobre a oralidade, segundo Miagusko & Ferreira (1999), “o comportamento está fundado em regras, algumas delas escritas, tais como as leis {caso do Kanun}, as normas das instituições, os manuais de bom comportamento e outras não tão evidentes, mesmo assim seguidas”.

O código de honra, dialogando com Heller (1970), pode ser interpretado como “autoridade externa”, um conjunto de regras interiorizadas e reconhecidas pelos membros da comunidade que quando quebradas acarretam conseqüências aos transgressores. Ainda segundo a autora, a vergonha tem íntima relação com a desonra, ocorrendo sempre que uma norma ou ritual da autoridade externa é transgredido. Não cobrar o sangue de um ente morto é perder a honra, perder a face, em Riacho das almas. A lógica dos assassinatos, legitimados e justificados pelo código, transformou-se em um costume social, ritualizado, que deve ser preservado, pois “o olho dos outros é a medida”[14]. Assim, a vergonha, ou o medo da desonra, regula a ação de uma pessoa e seu comportamento geral, levando o indivíduo a agir em conformidade com a norma e o ritual de sua comunidade.

É importante ressaltar que a desonra não recai, somente, sobre o transgressor; pode atingir terceiros, pois aquele que foi socializado, passou por um processo civilizador, como diz Elias (1998), e depara-se com um questionamento do que foi internalizado é vítima de constrangimento, que segundo Heller (1970) pode ser gradativo. No caso de Riacho das Almas, a fuga de Tonho, o fato dele não cobrar o sangue do irmão mais novo, vitimado em seu lugar, constrange toda a família, a ponto de seu pai querer persuadi-lo apontando uma arma para sua cabeça.

Por fim, vale salientar que, na película, estamos tratando de crimes no campo da honra, e não de crimes de pistolagem, comuns até hoje no sertão. Fazer tal distinção me parece de fundamental importância para que possamos entender como a realidade local gira em torno da honra, e não da economia. Segundo Barreira (1998), os crimes de pistolagem surgem como uma opção de trabalho, possibilidade para ascender a uma melhor posição econômica, portanto têm como elemento fundante a “ganância pelo dinheiro”. É um crime concretizado mediante paga, em que na maioria das vezes o matador desconhece a vítima, sendo incumbido por um mandante. O crime no campo da honra, segundo a definição de um pistoleiro entrevistado por Barreira, é um crime diferente, em que a execução ocorre para “lavar o peito”. Nota-se a fundamentação subjetiva do crime de honra, consumado quando a pessoa tem sua honra maculada, seja por traição, por difamação, seja pela sensação de um direito lesado e a necessidade de reparação, como parece ocorrer em Abril Despedaçado.

RIACHO DAS ALMAS, ONDE O BRAÇO DO ESTADO NÃO CHEGA: UM LUGAR DE “DOBRA”.

Na esteira de transformações estudadas por Elias, o advento do Estado Moderno parece ser o evento que permitirá sua “curva de civilidade” chegar ao ápice. Esta nova formação, que tem como “batedor” a ideologia individualista da época, reclama para si o monopólio da força. Uma vez fixado, o Estado é o único detentor do exercício da força física, toda e qualquer manifestação deste tipo de violência que fuja ao tom estabelecido é considerado ilegítimo. Agregado a fixação do Estado, podemos notar a maturação dos sistemas jurídicos, o que viabiliza o domínio de tal exercício pelo Estado.

Em 1910, ano em que se ambienta Abril Despedaçado, o Brasil já contava com um Estado concreto, já era uma república, além de deter um sistema jurídico fixado. Contudo, Riacho das Almas apresenta-se, em termos de dinâmica social, como um lugar onde o braço do Estado não chega, resultando – como dito – na resolução de conflitos e gerência das dimensões do cotidiano por parte da instituição “família”.

Entretanto, o fato de não haver um Estado ativo, interventor, não exclui Riacho das Almas da “curva de civilidade” elisiana. O sistema de resolução de conflitos, a vendeta, que parece primitiva aos nossos olhos, é prova empírica desta não exclusão. A morte, que permeia todo o filme, se rende às peculiaridades do contexto não podendo ser considerada uma prática banal. Ao contrário, no decorrer da narrativa, a morte apresenta-se sempre ritualizada. Sua relação com a honra e com o tempo contempla uma série de ritos, frutos da tradição, que impedem que haja o “assassinato pelo assassinato”.

Lançando mão de uma ausculta cuidadosa, o que aparentemente configura-se como absurdo, se dissipa: é possível perceber no sistema de vingança o recalque dos instintos e a elevação de certos patamares de vergonha ou honra. Ao admitir que a vendeta supõe a morte ritualizada, ações exercidas sob o fogo das paixões, dos instintos, são proibidas. O cenário de Riacho das Almas difere-se do cotidiano hodierno, mas, igualmente, constitui-se como algo distinto daquele presente na Idade Média. O código de honra é substituto do código penal, e não obstante não ter uma forma material é tão eficaz como quanto o último. O monopólio da violência é familiar, o entrelaçamento entre estas pinta o quadro local, um bom exemplo é a concessão de tréguas.

Transmitido por meio da oralidade, o padrão de comportamento parece passar pelas mesmas etapas que o processo civilizador supõe: o controle externo e a internalização dos costumes culminando num autocontrole. A relação entre as gerações, a função da geração anterior, parece ser a mesma prevista pela dinâmica do processo civilizador. Fatela (1989) nos diz que a vendeta é um regime de rivalidade e não um regime de guerra[15], as famílias envolvidas nos ciclos de vingança não entreolham como inimigos e sim como rivais.

Um sistema de liquidação de conflitos como este, que passa ao largo de mediações estatais, configura-se como algo inconcebível hodiernamente. Em uma época-ápice de civilidade, como a vivida agora, o patamar de embaraço e repugnância é bem mais elevado que antes, impedindo-nos – assim – de conceber a dinâmica de Riacho das Almas como algo “normal” e não como práticas “desviantes” ou “primitivas”. Abril Despedaçado, por fim, nos oportuniza perceber que o processo civilizador não é onipotente, nem da ordem do imediatismo, é algo construído, que não pode ser classificado como súbito. Sendo Riacho das Almas um espaço de “dobra”, apropriando-me do conceito deleuziano, um lugar que está dentro e ao mesmo tempo fora da curva, ou inserido em outro ponto da mesma (que não é o do início e, tampouco, o do ápice), é fácil entender o que quer dizer Elias quando afirma que numa mesma sociedade diferentes substratos podem estar em estágios distintos do processo.

Bibliografia

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[1] Ismail Kadaré é um dos escritores mais prestigiados da Albânia, talvez seu prestígio advenha do fato de que, mesmo radicado na França, o autor nunca tenha deixado de escrever sobre sua terra natal. O Kanun, por exemplo, livro que rege as tradições norte-albanesas, é tema recorrente em seus livros, como As Frias Flores de Abril.

[2] Segundo a nota dos tradutores de “Abril Despedaçado”, versão literária, a palavra albanesa rrfash quer dizer “liso”, “plano”. Porém o topônimo aqui mencionado designa um planalto extremamente acidentado cujo nome só se explica em contraste com as montanhas ainda mais escarpadas que o rodeiam.

[3] Walter Salles é um dos cineastas brasileiros em maior evidência na atualidade, dentro e fora do país. Tem por especialidade e preferência produzir documentários, o que fez Abril Despedaçado, uma obra ficcional, o exigir a ponto de pensar em desistir do projeto. Sua filmografia é constituída de títulos como “Terra estrangeira” e “O primeiro dia”, além do célebre “Central do Brasil”, protagonizado por Fernanda Torres e Vinícius de Oliveira.

[4] É preocupação de Elias afirmar que o advento desta nova ordem não quer dizer que ela tenha sido “planejada” por pessoas isoladas no passado. O sociólogo alemão refuta a idéia de que graduais medidas conscientes, “racionais” e deliberadas tenham sido responsáveis por tal mudança.

[5] Riacho das Almas é a localidade onde a história de Abril Despedaçado se passa. E lá o palco das “cobranças de sangue”, cenário onde a roda da vingança é posta em movimento.

[6] Mudanças de comportamento à mesa, de atitude nas relações entre os sexos e de transformações na agressividade, por exemplos, ocupam posição de centralidade na obra em questão. Observando as mudanças nestas práticas, Norbert Elias esquiva-se da constituição de um pensamento puramente “teórico e especulativo”.

[7] A palavra “esboço” é utilizada pelo próprio autor. Seu emprego, talvez, permita-nos perceber que Elias assume os limites de seu fazer sociológico, reconhecendo lacunas e vacâncias, erguendo-se contra a impressão de que seu pensamento daria conta de toda a complexidade do fenômeno.

[8] Para elucidar tal afirmativa, o pensador toma como exemplo a antítese “Kultur” e “Zivilisation”.

[9] Etimologicamente, a palavra complexidade diz respeito “aquilo que foi ou é tecido junto”.

[10] Para se ter idéia da “flexibilidade” do conceito, basta um rápido “passar de olhos” pelas obras de Bourdieu, Campbell ou Jamous. A honra se apresenta, nestes estudos, de diversas formas, e nos mais variados contextos: ora como valor de velhos detentores de terras, ora como valor, exclusivo, de jovens, ora como mediador da troca de mulheres. A associação do conceito com o sagrado, o proibido e o sexual, também, é comum.

[11] Serão produzidos, inclusive, valores distintos daqueles encontrados no cenário original da obra. Riacho das Almas “marca” a produção de sua honra, é uma honra de lógica própria, diferente da norte-albanesa.

[12] A terra também tem valor simbólico, podendo ser considerada como balisador de identidade, se em algumas culturas se procurar a anexação de terras para se obter glória e prestígio, em outras a manutenção das terras é o que faz o indivíduo pertencer ao lugar.

[13] A ligação do passado com o presente pode ser observada em várias imagens, a cena em que a câmera fita as fotos dos antepassados Breves, mortos na vendeta, até chegar à de Inácio Breves, última vítima, pode ser considerada um bom exemplo.

[14] Este adágio popular pode, talvez, nos remeter à definição de Pitt-Rivers, em que a honra é o valor que uma pessoa tem aos seus olhos, mas, igualmente, aos olhos da sociedade. Assim sentimento e reputação seriam faces de uma mesma moeda.

[15] A guerra é um dos exemplos citados por Elias para ilustrar os níveis de agressividade e de pouca domesticação dos instintos no Medievo.

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Este post tem 3 comentários

  1. Author Image
    Gil Jacó

    Belo e consistente texto. Parabéns.
    Gil

  2. Author Image
    Leyla Morais

    Parabéns professor Igor!! excelente explanação e embasamento teórico Metodológico sobre o assunto.

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