Os Idiotas (Lars von Trier, 1998)

Sabrina Haick*

Na fuga do convívio com uma sociedade falsa e inserida num sistema contraditório, qual é o melhor caminho? O filme “Idioterne” (Os Idiotas), do polêmico (nazista?) Lars von Trier, mostra um que é, no mínimo, peculiar.

De uma perspectiva curiosa, o diretor dinamarquês incita a reflexão sobre nosso comportamento, mostrando como a organização de um ambiente pode ser abalada quando um indivíduo não procede da mesma forma previsível que a maioria. Como quando baba, se suja, faz bagunça e emite sons sem sentido nas mais variadas situações, seja no jardim de casa ou num restaurante.A película de 1998 coloca diversos momentos em que um grupo de jovens intelectuais se comporta dessa forma. Como idiotas.

Cena de um dos muitos momentos de paranoia do grupo, que brinca nu

Trata-se do primeiro filme de Lars von Trier que segue o Manifesto Dogma 95, conjunto de 10 regras formuladas por ele e pelo cineasta Thomas Vinterberg, publicado dia 13 de março de 1995. Algumas dessas regras são as proibições do uso de filtros e truques fotográficos, da produção de som de forma separada da imagem, além da obrigatoriedade da câmera na mão. A imagem tremida mostra como o grupo zomba da burguesia, enxergando a realidade com seus “olhos idiotas”. No entanto, tal pensamento cai em contradição, colocando em cheque o quanto cada um acredita na filosofia da paranóia e o que ela significa de fato: um instrumento de resistência à sociedade hipócrita ou apenas uma espécie de fuga?

O grupo dos idiotas entra em paranoia na piscina

De início, os princípios da filosofia da paranóia parecem fazer sentido quando tabus e etiquetas são quebrados, provando sua inutilidade. Porém, ao sair de restaurantes sem pagar e gastar dinheiro com o que é desnecessário, o grupo se une à incoerência. Quem começa esse questionamento é a personagem Karen (Bodil Jorgensen), a última a se tornar integrante do grupo. A mulher de meia idade percebe o preconceito exercido contra os deficientes mentais e o contras senso das atitudes, que por vezes são de teor burguês. Contudo, Karen, deprimida e vazia, deixa livre a idiota que existe em seu interior, utilizando-a como uma válvula de escape para os seus problemas.

A personagem principal Karen, interpretada por Bodil Jorgensen

O roteiro é bruto e suave ao mesmo tempo. Pontua as reflexões e contradições de um modo quase imperceptível, dentro de pequenos segundos de diálogo e de imagens. Todavia, também joga violentamente com as verdades sobre a sociedade, que saem da boca do suposto criador do grupo, Stoffer (Jens Albinus).

Esteticamente radical, Lars von Trier não se preocupa com a fotografia, muito menos com a trilha sonora. É um filme de tristeza, de decepção e de covardia. Aspectos estes disfarçados pelo véu da idiotice. Afinal, todos temos um idiota dentro de nós.

Sabrina Haick* graduanda Jornalismo na PUC São Paulo.

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Este post tem 2 comentários

  1. Author Image
    Camila M

    Muito bem colocada a questão a respeito da temática geral dos Idiotas. Bem obsevada a questão que reluta entre daqueles que tomaram a paranóia como um ato subversivo à sociedade parasitada & sua moral: a questão de entrar em paranóia para o escape da propria vida ou um ato subversivo propriamente dito. Creio que sejam os dois, sem esse escape da mínima loucura quotidiana não há subversão! A propósito, Lars von Trier ‘nazista’? Em que consiste essa idéia, a autora não expos sua visão contudo.

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