A Repetição da Desimportância em Taxi Driver (1976), de Martin Scorsese

Travis Bickle é um veterano da guerra do Vietnã de vinte e seis anos. Ele mora na Nova York da década de 70 e sofre de insônia. Para ocupar suas horas noturnas ele trabalha de taxista e por conta disso passa a conhecer a noite da grande metrópole. Mas o que realmente chama atenção na obra é a mente de seu protagonista e como a própria montagem e o ritmo do filme refletem seu dia-a-dia e a forma como ele pensa.

O longa, através de uma trama episódica e cíclica, tenta mostrar e interligar o desinteresse de Travis por tudo que rodeia sua vida com sua rotina de taxista, que também reflete essa repetição. Cada corrida, cada passageiro e cada história é um pequeno núcleo distinto dos outros, todos conectados apenas por dois elementos: o motorista protagonista e a cidade de Nova York. O primeiro, de início, apenas presencia os acontecimentos e os absorve, mas no decorrer da trama, cada vez mais, ele tenta de alguma forma fazer algo grande, na busca por um sentido para si mesmo; já o segundo permeia toda a trama e engloba as personagens, moldando suas ações.

Cada cena parece uma história de taxista. Pequenos causos não conectados, mas sofrendo influência e influenciando outros causos por terem o mesmo protagonista: o encontro com o homem cuja esposa o trai, fazendo Travis saber sobre o Magnum .44 que depois compraria; os 20 dólares que Matthew dá para Travis, permeando outros causos; o Palantine descoberto por Travis só por conta de um episódio com Betsy e a permear uma leva de outras histórias; o próprio grande ato do taxista de matar o grupo de cafetões no final não passa de mais uma história, é só mais um episódio ocorrido com o protagonista e ele “nem se lembra direito”. De certa forma isso mostra que muito do que Travis pensa ou conhece não vem dele, mas sim dos outros.

Na medida em que o ritmo do filme se baseia em seu caráter episódico e na repetição, não se cria a impressão de uma grande história, mas sim de pequenos contos da vida de Travis, tirando assim a importância de alguns acontecimentos. A montagem reforça essa desimportância não se delongando muito entre uma e outra cena, como se todas as histórias, assim como os dias do protagonista, por mais que distintos, se derretessem nos próximos: “os dias passam, todo iguais, um igual ao outro, como uma cadeia interminável (…)”. Essa fala também chama atenção para a repetição, tanto dos dias e da rotina de taxista, seguindo o mesmo procedimento com cada passageiro, quanto para o fato de ele dizer duas vezes a mesma coisa; isso é comum em Travis, falar a mesma coisa mais de uma vez, às vezes em cenas distintas (como seu discurso sobre a sujeira da cidade), mas às vezes na mesma frase. A repetição já citada não se limita só ao protagonista e suas ações e falas, mas também está presente na mise-en-scène: as ruas noturnas sempre parecidas, iluminadas pelos mesmos neons e faróis; já de dia os locais estão sempre marcados pelos pôsteres do candidato Palentine.

A própria atuação de De Niro, contida na maior parte do tempo, traz uma forte melancolia, quase indiferente, acentuando sempre os mesmos vícios da personagem e seu distanciamento da realidade. O desinteresse de Travis permeia o longa: ele não gosta de música e mesmo tendo discursos e convicções diz não saber nada de política, não liga para a TV, não vê graça no consumismo (embora tenha certo dinheiro, é perceptível que sua casa é exageradamente simples e vazia), todo seu conhecimento sobre armas lhe foi dito por um vendedor ilegal; verdadeiramente, Travis não se interessa nem pelas pessoas.

Algumas coisas parecem importar verdadeiramente ao protagonista, como a sujeira moral das ruas. Ele declara em vários momentos seu sentimento de desprezo por aqueles que seguem um estilo de vida noturno e, na sua visão, degenerado, e acaba misturando esse discurso com sua misoginia e homofobia: “À noite os animais saem da toca. Prostitutas fedorentas, vigaristas, bichas, viciados, traficantes. Imorais, corruptos”. É curioso pensar que, mesmo tendo nojo desses grupos, o personagem não limita suas corridas, leva passageiros de todas as partes para qualquer lugar da cidade, inclusive para bairros marginalizados, cheios justamente dessas pessoas; faz isso, pois não tem realmente vontade que essas pessoas desapareçam, na verdade ele precisa delas para que possa, através de sua comparação bizarra e parcial, se sentir melhor consigo mesmo. É sustentando-se na existência da suposta sujeira que Travis consegue se imaginar como diferente, como o caubói puro e justiceiro. De certa forma é como se a única coisa importante para Travis fosse sua própria visão de si mesmo. Parece tão deslocado da realidade que não percebe seus próprios desvios morais: Travis faz parte da “fauna” noturna de Nova York, é viciado em remédios, álcool, comida processada e bebidas com muito açúcar, possui armas ilegais, mente para oficiais de polícia e para sua família e frequenta cinemas pornô. O ápice dessa “não percepção” perante sua própria imoralidade acontece quando ele tenta levar Betsy para um desses cinemas, achando que é uma coisa comum entre casais, e não entende a raiva dela ao descobrir o tipo de filme que está sendo exibido.

Essa acumulação de “não importâncias” gera um desejo incontrolável em Travis de achar um significado para sua vida e então morrer completando esse objetivo, fazendo algo que pareça importante, mesmo que não seja para ele, novamente tentando reafirmar sua visão de si mesmo. Isso ocorre no filme, ou quase ocorre, em dois momentos: na tentativa de assassinato contra o candidato à presidência, Palentine; e no assassinato dos cafetões. No primeiro é evidente que Travis não pretendia fazer aquilo por ser contra o candidato, muito pelo contrário, o protagonista diz diversas vezes que o apoia, e mesmo que sua fala seja mentirosa, na realidade o taxista nem sabe quais são as propostas do político. Quando o atentado falha e seu desejo por morrer completando um ato memorável não é saciado ele recorre ao ataque contra os cafetões de Iris. É importante perceber que ele não faz isso por uma vontade de salvar a menina, uma vez que não pretendia sobreviver após o ataque ao candidato, mas sim pela frustração e como última alternativa de morrer fazendo algo que lhe desse significado.

Justamente após o último tiroteio vem uma das cenas mais importantes. O epílogo mostra que Travis sobreviveu. Mas tudo aquilo não importou realmente, nada mudou, ele está novamente nas ruas, repetindo as mesmas ações. Como se um grande ciclo tivesse acabado e agora começasse outro parecido com o primeiro. Tudo aquilo não passou de mais um episódio, mais uma história de taxista prestes a se repetir.