Nosferatu (F. W. Murnau, 1922)

Nosferatu: Uma sinfonia de horror

Por Raoni Reis*

O filme Nosferatu: Uma Sinfonia de Horror se baseia no romance “Drácula”, de Bram Stocker, embora seja uma versão não creditada ao seu autor em que os personagens aparecem com nomes distintos da obra original e o local onde se passa a história muda de Londres para Bremen na Alemanha.

O filme conta a trajetória de Huttler, um corretor de imóveis que é designado para fazer uma viagem de negócios até a Transilvânia onde o Conde Orlok (Nosferatu) está a sua espera para comprar um imóvel na Alemanha. Ao se deparar com um camafeu com a foto de Ellen, esposa de Huttler, Nosferatu decide ir em busca de Ellen espalhando o terror e o desespero pela Alemanha.

Filmado em 1922, logo após o termino da Primeira Guerra Mundial, Nosferatu: Uma Sinfonia de Horror é um marco de um período de intensa atividade cultural na Alemanha que se caracteriza pela presença constante de inúmeros elementos que viriam a dar forma à chamada vanguarda expressionista.

Com uma temática voltada para o imaginário sombrio e fantasioso das histórias vampirescas, Nosferatu é um filme em que o clima onírico do pesadelo predomina, as luzes e as sombras são utilizadas desde o seu início a fim de criar um maior efeito dramático, assim como a atmosfera gótica que permeia o filme serve para explicitar ao público a natureza estranha que será retratada ao longo da história.

Considerada por muitos como uma representação do momento que vivia a Alemanha naquele período, dominada pelo medo e os horrores trazidos pela guerra, a figura do Conde Orlok pode ser comparada com a do fantasma de um passado atrasado feudal vindo ameaçar as conquistas que a revolução industrial proporcionou aos burgueses da época. Hutter representa a figura típica do burguês alemão disposto a ganhar dinheiro e notoriedade nem que isso lhe custe os perigos da morte e o derramamento de seu sangue, alusão mais uma vez à realidade da guerra.

Já a figura de Ellen exemplifica as influências romanticas e expressionistas presentes no filme na medida em que concentra em si a representação da heroína de comportamento simples e puro, mas também que convive com premonições e sonambulismos, prenunciando desde o início do filme as desgraças que estarão por vir com a aproximação de Nosferatu.

No que diz respeito à caracterização dos personagens, temos em Nosferatu e em Knock (o agente imobiliário dominado por Nosferatu) as principais representações típicas do cinema expressionista. Com suas mãos alongadas, orelhas pontiagudas, dentes avantajados, maquiagem pesada, e roupas sombrias, são presentes em Nosferatu diversos artifícios criados para causar um estranhamento diante da distorção de sua imagem, refletindo a deformação de seu próprio espírito, que da mesma forma se mostra disforme, sem linearidade, em que a depressão, a angústia, o medo, a morte e a loucura são exteriorizados na figura do monstro.

Apesar de possuir na caracterização de seus personagens elementos tipicamentes expressionistas, é no âmbito cenográfico que o filme apresenta sua maior inovação. Diferentemente do que costumava ser feito na vanguarda, Nosferatu conta com diversas tomadas feitas em externas, se utilizando então de elementos naturais para imprimir um tom tenebroso na obra, como a constante presença de penhascos, névoas, sombras, árvores retorcidas e fantasmagóricas, animais assustados, tudo isso somada a uma fotografia que se utiliza de imagens sobrepostas e imagens em negativos, fazendo com que o filme se aproxime também do impressionismo. Nas cenas internas do castelo de Orlock, nota-se a presença de uma arquitetura marcada pela angularidade, irregularidade, e formas curvilíneas, aproximando-se desta maneira às características mais comuns do cinema expressionista.

O gênero de horror, que se apropia da tensão, do inesperado e do sombrio, ganha força em sua narrativa ao destacar na decupagem o uso daquilo que não está dentro de quadro, limitando a amplitude de visão ao público para que toda a tensão esteja focada naquilo que permanece no espaço off, resaltando desta forma o poder de espectativa causada pela imprevisibilidade e ameaça do que é desconhecido.

Segundo J. Gordon Melton, no capítulo dedicado ao Nosferatu do livro A Enciclopédia dos Vampiros: “Nosferatu é uma palavra moderna derivada da palavra em eslavo antigo Nosufur-atu, extraída do grego Nosophoros, Portador de Pragas.” Temos no momento em que é retratada a infestação da cidade alemã pela praga trazida por Nosferatu, uma das maiores polêmicas do filme, já que alguns autores apontam a representação do personagem e a desgraça trazida por ele como um prenúncio do nazismo na medida em que o diretor enfatiza os perigos trazidos pela figura do estrangeiro, simbolizando uma preocupação com a integridade alemã que viria a se transformar mais tarde no nacionalismo exacerbado que serivirá de base para a ideologia nazista. Já na visão de outros autores, a tomada pela praga simbolizaria uma luta entre classes, protagonizada por Orlok representando o castigo vindo do reino sobrenatural, reino este desvalorizado pela classe dominante burguesa, movida apenas por seus anseios materiais e terrenos.

Por fim, temos no desfecho da trama mais uma cena que enfatiza a multiplicidade de referências literárias e cinematográficas presentes no filme. A trama que se mantém até então fortemente influenciada pelo romantismo sob a figura de Ellen, e pelo expressionismo sob a figura de Nosferatu, sofre uma mudança de valores no momento em que Ellen, em sua função de heroína, desprovida da ambição do seu marido, é sensível o suficiente para compreender as motivações de Nosferatu, se entregando a ele como um sacrifício por um bem maior, pelo bem de todos. Apesar da atitude heróica da personagem, não observamos o desfecho clássico das tramas românticas em que o mocinho é quem salva a heroína, a salvação acaba ficando por conta dela própria, que apesar de se entregar, sabe que esta é sua única chance de salvação, o que acontece quando os primeiros raios de sol da manhã atingem Nosferatu, transformando-o em pó.


Filme completo

*Raoni Reis Novo é graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

REFERÊNCIAS

EISNER, Lotte H. A Tela Demoníaca: as influências de Max Reinhardt e do

Expressionismo. Ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1985.

MASCARELLO, Fernando. História do Cinema Mundial. Ed. Papirus, São paulo, 2006.

CORRÊA, E.R. O Início Da Mitologia Vampírica No Cinema. Disponível em < http://www.bocadoinferno.com/romepeige/artigos/nosfera.html> Acesso em:20/06/08

RAFAEL. Nosferatu E O Expresionismo Alemão. Disponível em < http://www.tecnologia-e-cinema.com/criticas/nosferatu-e-o-expressionismo-alemao/> Aceso em 20/06/08

BERSALINI, Glauco. Nosferatu: Uma Personagem Romântica com Elementos Expressionistas. Disponível em <http://www.faj.br/textos/oselementosexpressionistas.pdf?startMessage=1&passed_id=239&mailbox=INBOX.Portal&ent_id=3&passed_ent_id=0> Acesso em: 20/06/08

NOSFERATU: Uma Sinfonia Do Horror. Dir. F.W.Murnau. Prod.Enrico Dieckmanne e Albin Grau. Dir. Arte. Albin Grau, P&B, 88min, 1922

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Este post tem 2 comentários

  1. Author Image
    Matheus Kortz

    me considero um leigo em cinema, embora admirador de muitos clássicos, o trabalho que li me despertou totalmente a vontade de ver esse filme!

  2. Author Image
    Carine

    A primeira imagem do texto se refere ao filme “Nosferatu the Vampire” de 1979 de W. Herzog e não ao filme de Murnau de 1922, estou certa?

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