Jean Raphael Zimmermann Houllou*
Dilma Beatriz Rocha Juliano**
Resumo
Propomos realizar nesse trabalho uma associação entre o seriado Heroes criado por Tim Kring e alguns elementos da obra de Friedrich Nietzsche. Para tanto, iremos comparar a possibilidade de alteração do espaço e do tempo apresentada na narrativa seriada com a concepção nietzschiana de eterno retorno e de vontade de potência. Em seguida, buscaremos refletir a cerca da revisão da história da filosofia proposta por Nietzsche e de como ela se relaciona com o poder de controle mental do personagem Matt Parkman (Greg Grunberg).
Introdução
O seriado Heroes, em suas quatro temporadas, aborda a história de personagens que, em razão de mutações genéticas, se descobrem portadores de poderes que os tornam especiais, são os heróis. Cada herói possui um poder como capacidade de voar, ler pensamentos, viajar no espaço e no tempo, auto-regenerar, entre outros. A primeira cena do primeiro episódio, intitulado de Genesis, apresenta apenas um texto com as seguintes palavras:
In recent days, a seemingly random group of individuals has emerged with what can only be described as “special” abilities. Although unaware of it now, these individuals will not only save the world, but change it forever. This transformation from ordinary to extraordinary will not occur overnight. Every story has a beginning. Volume one of their epic tale begins here.[1]
Guatarri e Rolnik (2000: 22) afirmam que a cultura de massa cria indivíduos homogêneos, normatizados dentro de sistemas de submissão, o que chamam de processos de subjetivação generalizantes. Porém, os teóricos acreditam que é possível produzir modos de subjetivação singulares que fogem, por instantes, da encodificação pré-estabelecida. Nesse sentido, as habilidades especiais apresentadas pela série, a transformação do ordinário para o extraordinário capaz de mudar o mundo para sempre podem ser compreendidas como metáforas para representar possibilidades de diferenciações, singularidades individuais.
Tal interpretação é corroborada pela maneira como o seriado apresenta alguns personagens que descobrem terem habilidades especiais. Vários deles os entendem como uma possibilidade de se destacar da multidão, sair do anonimato, ser alguém especial.
Ainda no episódio Genesis (temporada 1, episódio 1), fica clara a questão da possibilidade de destaque quando analisamos o personagem Hiro Nakamura (Masi Oka). Na primeira cena do personagem, ele é apresentado em seu ambiente de trabalho. Ocupa um cubículo disposto de maneira sequencial entre vários outros cubículos idênticos numa grande sala. Em uma cena seguinte, em que Hiro deve fazer ginástica laboral, ele é o único que não faz movimentos iguais aos demais funcionários enfileirados. Em uma conversa com outro funcionário, o colega de trabalho afirma que existem 12,5 milhões de pessoas na cidade e que nenhuma delas tem a habilidade para alterar o fluxo do tempo e do espaço. Na sequência, ele questiona por que Hiro quer ser diferente. Por sua vez, Hiro pergunta por que seu colega quer ser igual. E completa dizendo que não quer ser homogêneo como todos, uns “iogurtes”, mas que quer ser especial. Por fim, fazendo referência ao seriado Jornada na Estrelas (Gene Roddenberry, 1996), fala que quer ir “onde nenhum homem jamais esteve.” Segundo Vugman e Silva (2012: 345) O herói moderno busca, além de ajudar a coletividade, uma realização pessoal. No caso de Hiro, a realização pessoal é poder se afirmar como alguém singular. Além disso, tal busca se coloca como um exemplo para os que passam por processos de subjetivação generalizantes. Ou seja, a busca pessoal de Hiro se une a ajuda para com a coletividade.
Se muitos heróis observam com positividade os seus poderes, por outro lado, existem personagens que lêem essa questão de maneira diferente. Na série é representada uma corporação, organizada como uma empresa capitalista com funcionários, hierarquia e departamentos, que conhece a existência das mutações genéticas e trabalha para manter os heróis controlados e no anonimato, pois entende que os poderes são ameaças para o mundo e para os próprios heróis. Tal organização pode ser entendida como uma força homogeneizante.
Não há uma determinação clara da narrativa sobre para que lado o espectador deva torcer. Existem portadores de habilidades que são representados como verdadeiras ameaças e que precisam ser controlados o que legitima o trabalho da corporação. No entanto, ocorrem outras situações nas quais os personagens parecem ser injustiçados pelo trabalho de controle da empresa.
São vários os conflitos e abordagens que se sucedem nos episódios tratando desse problema. Na terceira temporada, a corporação é extinta e o controle passa a ser realizado pelo Estado a partir de um programa secreto oriundo da presidência dos Estados Unidos. Já na quarta temporada, os portadores de poderes especiais entram em conflito por divergir da melhor maneira de se apresentar ao resto do mundo.
No século XIX, o filósofo Friedrich Nietzsche defendia que o homem se libertasse de amarras morais e epistemológicas afirmando que o mesmo deveria agarrar-se a uma força criadora de novos valores a chamada vontade de potência. Para ele, essa atitude faria surgir um novo homem, um super-homem:
Nesse sentido, a vontade de potência do super-homem nietzschiano o situa muito além do bem e do mal e o faz desprender-se de todos os produtos de uma cultura decadente. A moral do além-do-homem, que vive esse constante perigo e fazendo de sua vida uma permanente luta, é a moral oposta à do escravo e à do rebanho. Oposta, portanto, à moral da compaixão, da piedade, da doçura feminina e cristã. Assim, para Nietzsche, bondade, objetividade, humildade, piedade, amor ao próximo, constituem valores inferiores, impondo-se sua substituição pela virtú dos renascentistas italianos, pelo orgulho, pelo risco, pela personalidade criadora, pelo amor ao distante. O forte é aquele em que a transmutação dos valores faz triunfar o afirmativo na vontade de potência. (FEREZ apud: NIETZSCHE, 2008: 13)
Dessa forma, podemos entender que os personagens com habilidades especiais apresentadas pelo seriado Heroes ao defenderem suas características singulares vão ao encontro do novo homem guiado pela vontade de potência defendida por Nietzsche. Nesse sentido, pretendemos investigar até que ponto o seriado e o pensamento de Nietzsche guardam relações. Para tanto, nos utilizaremos de dois pontos da obra de Nietzsche, a concepção de eterno retorno frente à vontade de potência e a sua crítica a epistemologia ocidental considerada como cristalizadora de hábitos.
O seriado Heroes foi produzido em parceria pelas empresas Tailwind Productions, NBC Universal Television e Universal Media Studios. Os produtores executivos foram Allan Arkush, Dennis Hammer, Greg Beeman e Tim Kring. Foram exibidas quatro temporadas de 2006 a 2009. No Brasil, os canais Universal Channel e a Rede Record exibiram o seriado.
O Eterno Retorno e a Vontade de Potência.
Iremos nesse trecho apresentar como o seriado constrói preposições sobre a noção de tempo e espaço dentro de sua narrativa. No episódio intitulado de Eris Quod Sum (temporada 3, episódio 7), o personagem Arthur Petrelli (Robert Forster), segurou uma edição do livro de Friedrich Nietzsche, Assim falou Zaratustra, ao dizer as seguintes palavras para seu fillho Peter Petrelli: “We can make sure the future you saw never happens”[2]
Segundo Tyler Shores (2009), essa referência à obra de Nietzsche é uma maneira dos produtores do seriado apontarem para o fato de que a sua narrativa diverge de uma tese do filósofo, a ideia de eterno retorno. Na visão de Shores, tal concepção nietzschiana afirma que o mundo passa eternamente por um ciclo em que os mesmos eventos sempre se repetem. Dessa forma, Arthur Petrelli, ao afirmar que um futuro observado pode ser modificado, estaria contrariando a tese do eterno retorno.
Podemos questionar se a interpretação do eterno retorno apontado por Tyler Shores é realmente fiel às ideias de Nietzsche. Segundo Olgária Chaim Ferez, a concepção de eterno retorno deve ser lida em conjunto com a ideia de vontade de potência segundo a qual o homem deseja ser ativo, aplicar sua força para criar (NIETZSCHE, 2008: 12). Dessa forma, o eterno retorno não indicaria uma volta idêntica do mesmo, mas sim uma volta seletiva dentro da qual a vontade de potência aberta para o futuro tem espaço de atuação. Segundo Ferez, esse é o dilema do personagem principal da obra Assim falou Zaratustra. Nas palavras da autora:
Em dois momentos de Assim falou Zaratustra (Zaratustra doente e Zaratustra convalescente), o eterno retomo causa ao personagem-título, primeiramente, uma repulsa e um medo intoleráveis que desaparecem por ocasião de sua cura, pois o que o tornava doente era a idéia de que o eterno retorno estava ligado, apesar de tudo, a um ciclo, e que ele faria tudo voltar, mesmo o homem, o “homem pequeno”. […] Dessa forma, se Zaratustra se cura é porque compreende que o eterno retorno abrange o desigual e a seleção. (NIETZSCHE, 2008: 12)
Considerando a interpretação de Ferez sobre a ideia de eterno retorno, podemos chegar a uma conclusão contrária de Shores e entender que ao invés dos criadores do seriado apontarem para uma divergência nessa fala, eles demonstram um concordância com Nietzsche. Se a vontade de potência pode atuar junto ao eterno retorno construindo uma volta seletiva, então as palavras de Arthur Petrelli vão ao encontro desse movimento e apresentam o personagem como dotado de vontade de potência, já que o mesmo quer alterar pontos no retorno futuro. Essa interpretação se torna ainda mais corroborada quando observarmos as palavras de Nietzsche na obra Assim falou Zaratustra:
Já se tornou a vontade para si própria o redentor e o mensageiro da alegria? Desaprendeu o espírito da vingança e todo ranger de dentes? E quem lhe ensinou a reconciliação com o tempo, e algo mais alto que toda reconciliação? Algo mais alto que a reconciliação tem de querer a vontade, que é vontade de potência – mas como lhe acontece isso? Quem lhe ensinou ainda o querer-para-trás? (NIETZSCHE, 2008: 226)
Nesse trecho, Nietzsche apresenta a vontade de potência reconciliada com o tempo e ainda querendo algo mais, desejando ir para trás. Esse é também o desejo de Arthur Petrelli, se reconciliar com o tempo impedindo que um futuro já observado ocorra alterando os eventos anteriores.
Existem outros exemplos do seriado que demonstram uma sintonia com a concepção de eterno retorno e vontade de potência. Por vezes, a vontade de potência seleciona eventos no ciclo temporal. A primeira temporada é baseada no objetivo de impedir uma futura explosão na cidade de Nova Iorque presenciada por Hiro, personagem que tem o poder de viajar no tempo. Os heróis no último episódio, How to Stop an Exploding Man, conseguem anteparar a catástrofe. Segundo Nietzsche, o mundo se traduz como uma correlação de forças finitas que geram possibilidades finitas para o tempo. Portanto, o filósofo não afirma que exista apenas uma possibilidade para o futuro, mas que as possibilidades são dadas em número finito e que, portanto, dentro do eterno retorno, todas as possibilidades que já ocorreram irão acontecer novamente:
Este mundo: uma monstruosidade de força, sem início, sem fim, uma firme, brônzea grandeza de força, que não se torna maior, nem menor, que não se consome, mas apenas se transmuda, inalteravelmente grande em seu todo, uma economia sem despesas e perdas, mas também sem acréscimo, ou rendimentos, cercada de “nada” como de seu limite, nada de evanescente, de desperdiçado, nada de infinitamente extenso, mas como força determinada posta em um determinado espaço, e não em um espaço que em alguma parte estivesse “vazio”, mas antescomo força por toda parte, como jogo de forças e ondas de força ao mesmo tempo um e múltiplo, aqui acumulando-se e ao mesmo tempo ali minguando um mar de forças tempestuando e ondulando em si próprias, eternamente mudando, eternamente recorrentes […] (NIETZSCHE, 2008: 226)
Existem alguns eventos do seriado que são impossíveis de serem alterados. No episódio Cautionary Tales (temporada 2, episódio 9), Hiro tenta inúmeras vezes voltar no tempo e impedir que seu pai seja assassinado. Embora mude alguns eventos do futuro, falha em todas às vezes no objetivo de salvar seu pai. Podemos entender que não existia a possibilidade de seu pai permanecer vivo na correlação de forças finitas do mundo. Por fim, o próprio pai de Hiro lhe ensina que por vezes não é possível alterar o destino. Hiro acaba por aceitar a morte do pai numa atitude que, como afirma Shores (2009), se remete à ideia de amor fati apresentada por Nietzsche:
Minha fórmula para a grandeza no homem é amor fati: não querer nada de outro modo, nem para diante, nem para trás, nem em toda eternidade. Não meramente suportar o necessário, e menos ainda dissimulá-lo – todo idealismo é mendacidade diante do necessário -, mas amá-lo… (NIETZSCHE, 2008: 442)
A antinomia entre a vontade de potência e o eterno retorno aparece ainda mais clara nas perguntas do personagem Mohinder Suresh (Sendhil Ramamurthy) realizadas na introdução do episódio Don´t Look Back (temporada 1, episódio 2): “We all imagine ourselves the agents of our destiny, capable of determining our own fate. But have we truly any choice in when we rise or when we fall? Or does a force larger than ourselves bid us our direction?”[3]
Quando os personagens têm o desejo de alterar fatos futuros os mesmo apresentam vontade de potência que segundo Nietzsche é uma força criativa libertadora dos indivíduos.
Controle da Mente e a Crítica à Epistemologia Ocidental.
Segundo Richard Rorty (1997: 50), Nietzsche construiu o argumento de que a tradição epistemológica ocidental cristalizadora de hábitos não mais funciona no tempo presente. A partir dessa constatação, pretendemos estudar como Nietzsche critica tal tradição revisitando a história da filosofia e associar tal questão com a apresentação do controle da mente inserida no seriado Heroes.
Em sua obra, Crepúsculo dos Ídolos, Friedrich Nietzsche levanta a hipótese de que os filósofos gregos seriam fruto da decadência de sua civilização antiga. Para ele, esses sábios tinham uma atitude negativa em relação à vida. O autor afirma que os julgamentos apresentados por aqueles filósofos não podem ser considerados verdadeiros. Vejamos suas palavras: “Julgamentos, apreciações da vida, pró ou contra, nunca podem, em última instância, jamais ser verdadeiros: o único valor que apresentam é o de serem sintomas – em si, esses sintomas não passam de tolices.” (NIETZSCHE, 2008: 337).
Tales de Mileto é um dos filósofos criticados por Nietzsche. O filósofo grego afirmava que água era a origem de todas as coisas. Foi o fundador da Escola de Mileto que, como ele, procurava reduzir a multiplicidade do mundo a uma única causa (SOUZA, 1996: 15). Sobre Mileto, Nietzsche afirmava que inaugurou um pensamento metafísico de generalização que seria repetido por vários filósofos e que se resume a concepção de que tudo é um:
Tales havia feito sobre a presença e as transformações da água ou, mais exatamente, do úmido, seriam o que menos permitiria ou mesmo aconselharia tão monstruosa generalização; o que o impeliu a esta foi um postulado metafísico, uma crença que tem sua origem em uma intuição mística e que encontramos em todos os filósofos, ao lado dos esforços sempre renovados para exprimi-la melhor — a proposição: “Tudo é um”. (SOUZA, 1996: 10)
Nietzsche também critica a ideia de que os sentidos não nos permitem encontrar uma essência imutável do ser para além da mudança aparente do mundo, nas suas palavras:
Esses senhores idólatras das ideias quando adoram, matam, empalham – colocam tudo em perigo de morte quando adoram. A morte, a evolução, a idade, bem como o nascimento e o crescimento, são para eles objeções – até mesmo refutações. O que é não se torna; o que se torna não é… Agora todos acreditam, até mesmo com desespero, no ser. Mas como não podem se apoderar dele, procuram razões para saber porque isso lhes é vetado. ´É forçoso que haja aí uma aparência, uma ilusão que faz com que não possamos perceber o ser: onde está o impostor?` (NIETZSCHE, 2009: 35)
Ao contrário de Nietzsche, Platão foi um filósofo que não apenas concordou com a concepção segundo a qual os sentidos distanciam os seres humanos da realidade, como também levou a tal ideia ao ponto de afirmar que existem dois mundos, um das aparências, o sensível, e outro das ideias, o inteligível. Em seu “Teorema da Caverna”, Platão afirma que: “na extremidade do mundo inteligível encontra-se a ideia de Bem, que apenas pode ser contemplado, mas que não se pode ver sem concluir que constitui a causa de tudo o quanto a de reto…” (PLATÃO, 1984: 51).
Sobre tal dualidade, Nietzsche afirma que não faz nenhum sentido falar em um mundo distinto do sensível, vejamos suas palavras: “As razões pelas quais se chamou este mundo de aparências provam, pelo contrário, sua realidade – outra realidade é absolutamente indemonstrável.” (NIETZSCHE, 2009: 39).
Descartes, por sua vez, tentou explicar como o ser humano pode fugir das aparências do mundo sensível e acessar o mundo inteligível. Para isso, afirmou que existe dentro de nós uma alma racional que se guiada por um método correto seria capaz de, a partir de ideias claras e distintas, conhecer a verdade. Vejamos as palavras de Descartes:
Mas o que me contentava mais nesse método era o fato de que, por ele, estava seguro de usar em tudo minha razão, se não perfeitamente, ao menos o melhor que eu pudesse, além disso, sentia, ao praticá-lo, que meu espírito se acostumava pouco a pouco a conceber mais nítida e distintamente seus objetos, e que, não tendo submetido a qualquer matéria particular, prometia a mim mesmo aplicá-lo tão utilmente ás dificuldades das outras ciências como fizera com as da Álgebra. (DESCARTES, 1973: 40)
Da mesma forma que Nietzsche crítica o mundo das ideias platônico, ele também rejeita a concepção cartesiana de que a verdade, para além das aparências, poderia ser acessada por um método racional gerador de conhecimento para a alma. Podemos resumir que Nietzsche rejeita o princípio compartilhado pelos filósofos anteriores de que o mundo sensível é um mundo enganoso, distante da verdade: “O ‘mundo-verdade’, nós abolimos: que mundo nos ficou? O mundo das aparências talvez?… Mas não! com o mundo-verdade abolimos também o mundo das aparências!” (NIETZSCHE, 2009: 42).
A concepção de um conhecimento racional, estabelecido através de um método propício à razão humana, diferente das aparências enganosas dos sentidos, também encontra uma crítica no seriado Heroes. Um de seus personagens, Matt Parkman, é portador de um poder que relativiza a noção de mente, razão, e, portanto, do conhecimento cartesiano.
No seriado, Matt Parkman é um policial que inicialmente se descobre com o poder de ler a mente alheia. A primeira apresentação de seu poder ocorre no episódio Don,t Look Back (temporada 1, episódio 2) quando vários policiais estão procurando uma menina na cena de um crime de homicídio. Parkman consegue escutar os pensamentos da criança e descobrir a sua localização. Já no episódio Nothing to Hide (temporada 1, episódio 7) Parkman fala para sua esposa que eles precisam conversar e ao ouvir seu pensamento antes da resposta descobre que ela o traiu. Na sequência da série, o poder de Parkman sobre a mente aumenta. Em Out of Time (temporada 2, episódio 7) Parkman descobre que pode influenciar o pensamento e o sonho alheio ao libertar Molly Walker (Adair Tishler) de um pesadelo. Nesse momento, a série apresenta uma concepção de mente diferente daquela associada à verdade. Para Matt Parkman ela se torna suscetível ao controle externo. Tal concepção se assemelha a crítica de Nietzsche a cerca de como epistemologia ocidental baseada na razão interior se presta para o controle e a cristalização de hábitos. Na sequencia da serie, o controle de Parkman sobre a mente alheia aumenta inda mais e ele é capaz de fazer Sylar (Zachary Quinto) acreditar que é outra pessoa em An Invisible Thread (temporada 3, episódio 25) ou de prendê-lo num sonho segundo o qual ele está sozinho no mundo (temporada 4, episódio 17). Ou seja, cada vez mais a mente é mostrada como algo suscetível e possivelmente contrária a noção de verdade.
Conclusão
Podemos interpretar que o seriado, ao apresentar o controle da mente dentro de sua narrativa, acaba por contestar a ideia de conhecimento cartesiano. Se, para Descartes, existe dentro de nós um ente que pela razão permite o acesso a verdade, ao inteligível; para Parkmam a mente, ao contrário, permite o controle e o engodo. A possibilidade das pessoas se tornarem prisioneiras de sua própria mente encontra relação com crítica de Nietzsche sobre a tradição epistemológica ocidental como cristalizadora de hábitos. Em ambas as concepções, a mente é algo que serve mais para o controle do que para a libertação dos indivíduos. Por fim, com relação ao eterno retorno e a vontade de potência, é possível afirmar que um dos motivos para que os personagens da série sejam chamados de heróis é que os mesmos têm vontade de potência ainda que estejam limitados pelo eterno retorno. Podemos observar dessa forma, como as ideias de Nietzsche caminham em conjunto com o seriado. A possibilidade da utilização de vontade de potência frente ao eterno retorno e a maneira como a tradição epistemológica ocidental é criticada caminham na direção de apontar os personagens portadores de habilidades especiais como exemplos dos novos homens defendidos por Nietzsche, os quais ao contrário de adotar as normatizações homogeneizantes, apresentam subjetividades singulares e desafiadoras.
Bibliografia
DESCARTES, René. Discurso do Método. In: Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1973.
GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. 6ª ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2000.
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NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculo dos Ídolos. São Paulo: Editora Escala, 2009.
___________________. Obras Incompletas. São Paulo: Escala, 2008.
OHNSON, Karen. Stereotyping Heroes. 2008. 15 fls. Monografia – University of Utah, Utah.
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PORTER, Lynnette. Saving the World: A Guide to Heroes. Toronto: ECW PRESS, 2007.
RORTY, Richard. Objetivismo, relativismo e verdade. Rio de Janeiro: Relume-Dumar, 1997.
SHORES, Tyler. Time And The Meaning Of Life In Heroes And Nietzsche. IN: Heroes Philosophy: Buy the book, save the World. New Jersey: John Wiley & Sons, 2009.
SILVA, Fabian Antunes; Vugman, Fernando. A Relação do Herói no Cinema e nos Jogos Eletrônicos. Crítica Cultural, Palhoça, SC, v. 7, n.2, p. 344-355, jul./dez. 2012.
SOUZA, José Cavalcante de. Os Pré-Socráticos. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996.
[1] Tradução nossa: Nos últimos dias, um grupo de indivíduos aparentemente selecionados de forma aleatória emergiu com o que só pode ser descrito como habilidades “especiais”. Embora inconscientes até agora, estes indivíduos não apenas irão salvar o mundo, mas mudá-lo para sempre. Esta transformação de ordinário para extraordinário não irá ocorrer do dia para a noite. Toda história tem um começo. O volume um desse conto épico começa aqui.
[2]Tradução nossa: Nós podemos ter certeza de que o futuro que observamos nunca irá acontecer.
[3] Tradução nossa: Nós todos nos imaginamos como os agentes de nosso destino, capazes de determiná-lo. Mas, nós realmente temos alguma escolha quando levantamos ou caímos? Ou uma força maior que nós mesmos determina nossas direções?
* Mestre em Patrimônio Cultural e Sociedade/UNIVILLE. Estudante de doutorado do Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem/UNISUL, na linha de pesquisa Linguagem e Cultura. Professor no Instituto Federal de Santa Catarina.
** Mestre em Literatura Brasileira e Doutora em Teoria Literária/UFSC. Professora do Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem/UNISUL, na linha de pesquisa Linguagem e Cultura, e na Graduação em Cinema e Audiovisual/UNISUL.