Lyric video: uma nova estética de divulgação da música pop

 Por Michele Kapp Trevisan[1] e Rafael de Jesus[2]  

Vivemos em uma sociedade onde construímos representações para tudo. Construímos imagens para pensamentos, sensações e até mesmo para a música. E foi com essa necessidade de representar o imaginário, unida às possibilidades audiovisuais, que hoje se torna impossível não ligarmos a música com algum componente imagético, sobretudo, a partir da popularização do formato videoclipe.

Segundo Trevisan,

O videoclipe desenvolveu-se como um formato audiovisual impulsionado pelo avanço tecnológico das mídias e das consequências observadas nas linguagens e conteúdos produzidos. Ao unir a experimentação visual ao reino da música pop, a videomusica proporciona uma diferente concepção estética de consumo das produções musicais. Mostra-se como um amalgama de possibilidades audiovisuais, que mescla elementos das linguagens do cinema, TV e propaganda, além da música, é claro, aliados as possibilidades técnicas do vídeo e computação gráfica em plena expansão no momento (TREVISAN, 2011 p.9-10).
 

Há diversas definições para o formato. O videoclipe pode ser uma peça promocional para uma música, para um cantor ou para uma banda, pode assumir um caráter artístico, se aproximando da videoarte, e ainda, pode se tornar um bem de consumo para entretenimento, já que pode ser adquirido em suportes como DVD e Blu-ray. Com a consagração do videoclipe nos canais de TV especializados e se tornando um dos principais meios de promoção da música e do artista, o formato agora migra para a maior rede de computadores, a internet, e assim, possibilita o desenvolvimento de novas estéticas, como por exemplo, os chamados lyric videos.

Basicamente, o Lyric video é um vídeo musical onde é exibida a letra da canção em sincronia com a música. A apresentação da letra da música nas imagens é a principal diferença da estética se comparado ao videoclipe tradicional. Além disso, é notável que a verba de produção não é tão elevada quanto muitos clipes oficiais, que mostram a banda ou o cantor em performances ou cenários elaborados. Na realidade, muitas vezes nem a imagem do interprete é mostrada, o que leva a crer que o lyric vídeo ainda é considerado uma produção menos importante do que o videoclipe oficial da canção. Porém, com o aumento das bandas e cantores que aderiram a esta estética, o lyric video vem se tornando popular e despertando cada vez mais a atenção dos consumidores de música.

Contendo muitos efeitos de computação gráfica e com divulgação preferencialmente na internet, sendo a grande maioria no site Youtube, o lyric video se apresenta como uma opção estética aderida pelas gravadoras e pelos próprios artistas para a divulgação de uma nova música, uma vez que se tornou comum a procura das letras pelos fãs para poder ser acompanhada corretamente enquanto a música é reproduzida. O formato também pode ser utilizado para aquecer as expectativas relacionadas ao videoclipe da música antes de ser lançado e assim ser usado quase como um teaser. O conceito de teaser pode ser explicado através da descrição dada por Sampaio (2003, p. 373): “Mensagem curta que antecede o lançamento de uma campanha publicitária, gerando expectativa para ela. Pode ou não ser identificada (ou seja, ter o nome da empresa ou marca)”. A base desse produto publicitário está fundada na curiosidade que é despertada nas pessoas, explorando e incentivando a dúvida e a expectativa por uma resolução da mensagem. Porém, diferente do teaser, o lyric video não necessita de outra peça e possui a sua própria compreensão.

Alguns dos lyric videos ainda usam técnicas do design, e trouxeram a arte de motion graphics de volta aos olhos do público, a qual é, segundo Velho (2008):

 

[…] uma área de criação que permite combinar e manipular livremente no espaço-tempo camadas de imagens de todo o tipo temporalizadas ou não (vídeo, fotografias, grafismos e animações) juntamente com música, ruídos e efeitos sonoros. (VELHO, 2008, p. 19)

 

O aumento do uso desse formato no mercado musical é muito perceptível nos últimos três anos, além das diferentes formas que a estética está sendo apresentada. O audiovisual lyric vídeo é um assunto recente, pouco discutido e explorado academicamente, mas que nos últimos anos se tornou mundialmente popular e uma das principais formas de divulgação de artistas da musica pop mundial. É possível notar que os lyric videos guardam semelhanças com os videoclipes, pois são formatos audiovisuais que tem o intuito de divulgar as musicas de trabalho dos artistas.

Segundo Brandini, o videoclipe:

 

é, antes de tudo, uma ferramenta publicitária, onde se divulga um produto – a banda, o cantor (a), a música, através de uma estética de imagens. Dessa forma, como um instrumento publicitário, o videoclipe cria novas realidades de consumo das músicas. As mensagens transmitidas ultrapassam as letras das canções, divulgando tendências, comportamentos e produtos, que “expropriados de seu valor de uso original, adquirem pseudo-valores para serem consumidos como objetos (…). Os elementos visuais são articulados numa (não) narrativa que expressa em imagens difusas, contraditórias e fugazes, significados presentes na música” (BRANDINI, 2006, p.4).

 

Antes de se tornar uma peça oficial na divulgação das músicas dos cantores e bandas, os fãs eram os criadores desse formato de uma forma amadora e os compartilhavam em sites especializados de vídeos como o Youtube. Gravadoras e artistas apostaram na ideia dos fãs e começaram a criar a estética de forma profissional e oficial. O número de produções aumentou e a estética ganhou cuidado especial causando expectativas entre os consumidores de música semelhantes as que são causadas pela espera do videoclipe oficial da canção.

Essa atenção pode ser observada na produção do lyric video da música “Here’s To Never Growing Up” (2013) da cantora canadense Avril Lavigne. O lyric video é composto por fotos e pequenas filmagens feitas por seus fãs que foram incentivados pela cantora para envia-los através de sua página no site Facebook semanas antes do lançamento, o que trouxe grande divulgação e espera pelo formato. Outro exemplo é o lyric video da canção “Heart Attack” (2013) da cantora americana Demi Lovato. A produção também é dedicada aos fãs já que durante a exibição da letra são apresentadas hashtags[3] criadas por eles e relacionadas à cantora no site de rede social Twitter.

Alguns cantores e bandas acabam apresentando novas formas de inserir a letra da canção em sincronia com a música e assim criam novas tendências e experimentações dentro da estética a qual se torna muitas vezes mais um videoclipe para a música de trabalho do artista. Exemplos disso são lyric videos que contém cenas especialmente gravadas para a estética como é possível observar no lyric video da canção “I Won’t Give Up” do cantor norte-americano Jason Mraz, que mostra os versos da canção impressos em cartas, papeis, capas de cadernos e livros, e bilhetes espalhados pela sala de uma casa é possível observar na figura 1, frame do vídeo.

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Fig.1: Frame do video “Jason Mraz – I Won’t Give Up (Lyric video)”.

 

Produção como esta também é encontrada no lyric video do cantor norte americano Justin Timberlake para a música “Suit & Tie” (2013). Cenas do cantor se dirigindo e se preparando para a sessão de fotos do encarte do seu novo álbum são mostradas enquanto a letra da canção é apresentada sobre as cenas e em lugares específicos como o aparelho de som do carro o qual o cantor dirige.  Na figura 2, frame do vídeo, é possível visualizar a forma de apresentação dos versos da canção.

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Fig.2: Frame do video “Justin Timberlake – Suit & Tie (Lyric video) ft. JAY-Z”.

  

O lyric video ainda tem sua maior veiculação na internet, porém o sucesso e a notoriedade da estética estão fazendo com que canais de televisão especializados em música e videoclipes transmitam também os lyric videos além dos videoclipes tradicionais das canções. O formato atualmente é lançado por diversas bandas e cantores de muitos países como, por exemplo, o lyric video da música “Gringo” da banda brasileira de pop Banda Uó que pode ser visualizado na figura 3, o que pode ser constatado que a técnica ultrapassa o cenário musical norte americano e assim dissemina a estética no cenário musical mundial. Percebe-se que esta estética está em grande ascensão.

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Fig.3: Frame do video “Banda Uó – Gringo (Lyric video)”.

YOUTUBE: O CANAL DO LYRIC VIDEO

Fundado em fevereiro de 2005 pelo design Chad Hurley e dois profissionais de ciência da computação, Steve Chen e Jawed Karim, o site Youtube trouxe aos internautas um grande diferencial, a possibilidade de visualização online sem que o usuário tenha a necessidade de fazer o download do arquivo para posteriormente poder assisti-lo em seu computador. Com o sucesso e a consagração do site de compartilhamentos de vídeos online, o Youtube se tornou um verdadeiro site de rede social no qual, milhões de usuários dividem suas próprias criações. De acordo com Recuero (2009)

Sites de redes sociais são os espaços utilizados para a expressão das redes sociais na Internet. […] foram definidos por Boyd & Ellison (2007) como aqueles sistemas que permitem i) a construção de uma persona através de um perfil ou página pessoal; ii) a interação através de comentários; e iii) a exposição pública da rede social de cada ator (RECUERO, 2009, p.102).

 

Assim, os sites de redes sociais permitem individualização, mostram as redes sociais de cada ator de forma pública e possibilitam interações entre os usuários. Recuero (2009) ainda apresenta uma divisão de dois tipos de sites de redes sociais, os apropriados e aqueles estruturados. A autora descreve sites de redes sociais propriamente ditos como “aqueles que compreendem a categoria dos sistemas focados em expor e publicar as redes sociais dos atores. […], ou seja, cuja finalidade está relacionada à publicização dessas redes” (RECUERO, 2009, p.104). Como exemplos de sites estruturados podemos citar o site Facebook e Orkut que visam a interação de seus usuários e expor as suas redes sociais. Recuero (2009) segue e descreve os sites de redes sociais apropriados como “aqueles sistemas que não eram, originalmente, voltados para mostrar redes sociais, mas que são apropriados pelos atores com este fim” (RECUERO, 2009, p.104).

Portanto, o Youtube pode ser denominado um site de rede social apropriado já que sua finalidade é o compartilhamento de vídeos online e não a exposição das redes sociais de seus usuários, porém, há interação através dos comentários nos vídeos e as redes sociais são criadas a partir das inscrições feitas nos canais de cada usuário.

Além do envio de materiais audiovisuais dos próprios usuários e assim o compartilhamento destes no site, o Youtube possibilita o transporte dos vídeos para outros sites e plataformas como blogs e redes sociais, o que torna muito maior o alcance de visibilidades destes arquivos. Neste contexto é possível perceber que as produções criadas pelos usuários, diversas vezes, essas com interessante valor criativo, acabam gerando novos produtos midiáticos. Segundo Jenkins (2009), ao disponibilizar livremente no ambiente virtual um canal de distribuição de conteúdo de mídia amador e semiprofissional, o YouTube estimula novas atividades de expressão – seja através de eventos de grande relevância na mídia, seja em suas operações cotidianas.

Com a disseminação da tecnologia e a popularização dos suportes para criação e produção audiovisual, o público que tenha o acesso a essas pode ser um gerador de conteúdo. Bernar (2011) comenta sobre essa facilidade de acesso:

A facilidade de acesso à tecnologia, o número de lan houses espalhadas pelo país, as diversas possibilidades de velocidades e planos de Internet pagos por meio de operadoras de celular com a tecnologia 3G ou de Internet em banda larga, proporcionaram aos indivíduos o desejo da autoexposição, em consequência também de um indivíduo inserido na pós-modernidade que sofreu uma transferência para a web (BERNAR, 2011, p.16).

 

O acesso às tecnologias que proporcionam a satisfação do desejo dos indivíduos por a auto exposição se tornou ainda mais fácil com a popularização de plataformas que oferecem essa prática. O site YouTube é um ótimo exemplo já que o mesmo permite que qualquer indivíduo possa criar um perfil onde nele é possível compartilhar seus vídeos sejam eles suas criações ou não, em outras palavras, pode ser considerado um facilitador de mídia. Com relação a interação dos usuários no Youtube, Jenkins (2009, p.349), comenta:

A participação [de usuários] ocorre em três níveis diferentes, nesse caso – produção, seleção e distribuição. (…) Nenhuma dessas atividades é nova, mesmo que no contexto da mídia digital, mas o YouTube foi o primeiro a unir essas três funções numa única plataforma e a direcionar tanta atenção ao papel das pessoas comuns nesta paisagem transformada das mídias (JENKINS, 2009, p.349).

 

Esta simples ação midiática, ao ser distribuído na rede mundial de computadores, acaba resultando em um impacto para a sociedade, pois, estando em livre circulação no ambiente virtual, atinge um número muito grande de pessoas, sem restrições e segmentos. Segundo Maffesoli (2004), essa maior possibilidade de disseminação e compartilhamento desses conteúdos, por meio de redes com maior capacidade de tráfego de dados audiovisuais possibilitou que esses conteúdos não tivessem apenas uma dimensão social subjetiva, pessoal, no sentido de singularidade, mas também, propiciou uma audiência coletiva, numa dimensão social, também subjetiva, mas com maior potencial de socialidade.

Assim, consequentemente, um vídeo criado por qualquer usuário pode ser visualizado por diversas pessoas, fazendo com que o conteúdo do mesmo seja compartilhado nas mais diferentes plataformas. Maffesoli (2004) ainda destaca que “as pessoas produzem e veiculam seus conteúdos audiovisuais, assim como, manipulam os conteúdos da mídia clássica, interagindo umas com as outras e criando novas socialidades” (MAFFESOLI, 2004). Essa ação populariza a função do usuário ser autor, possibilitando maior vivência autoral criativa e coletiva a pessoas que não estão diretamente associadas a grandes mídias ou a grandes entidades do poder social e comunicacional.

Vivemos em uma sociedade onde atualmente há ampla criação de audiovisual de forma amadora como é possível perceber no trecho de Santaella:

Nunca, em nenhum outro momento histórico da humanidade, houve tanta possibilidade de produção e socialização de narrativas audiovisuais como nos últimos anos. Sobretudo, de forma mais independente dos oligopólios midiáticos, e dos especialistas técno-instrumentais em produção e veiculação audiovisual. (SANTAELLA, 2003, p.95).

 

São diversos motivos que levam uma pessoa a criar o seu vídeo e compartilhar no site Youtube. Expressar sua opinião, questionar fatos presentes na mídia ou simplesmente compartilhar assuntos de seu interesse são as principais motivações. Segundo o Jenkins, “colecionadores estão compartilhando material antigo; fãs estão remixando conteúdo contemporâneo; e todo mundo tem a capacidade de congelar um momento do ‘fluxo’ das mídias de massa para tentar concentrar a atenção no que acabou de acontecer” (JENKINS, 2009, p.349).

Esses motivos influenciaram fãs de grandes bandas e cantores do mundo todo a iniciar a criação de vídeos amadores que continham imagens de seus ídolos e a letra da canção sincronizada com a música. A partir desse momento, surgiram os primeiros vídeos de letras, os chamados lyric videos. Porém, é preciso entender o que é videoclipe para compreendermos essa nova estética de vídeo criada primeiramente pelos fãs.

 

VIDEOCLIPE: O FORMATO DO LYRIC VIDEO

Para observar os elementos que configuram a estética dos lyric videos, precisamos conhecer o formato que lhe deu origem, o videoclipe. Vídeo musical, videoclipe, clipe promocional, clipe. São diversas as nomeações, não se sabe ao certo qual a melhor denominação, já que alguns autores julgam diferentes significados para cada uma. Porém, no decorrer deste trabalho, serão utilizadas como sinônimos exceto quando for necessário para entendermos o conceito apresentado por um autor que julga tal denominação indispensável.

Segundo Brandini (2006):

 Os videoclipes tornaram-se um novo referencial para a apreciação estética da música associada a uma forma de oferecer um produto ao consumo. Inegavelmente, pela indústria fonográfica, vídeos musicais são formas de exposição de um produto que está à venda, um apelo ao consumo. Sua estética une técnicas apuradas do cinema e da publicidade, a liberdade de criação de film makers e um universo simbólico que visa a expressão do sentido da canção e da personalidade do artista (BRANDINI, 2006, p.4).

 

Com a música pop, o videoclipe se transformou na principal forma de promoção para artistas e bandas, canções de trabalho, singles e álbuns da indústria musical. A partir disso, podemos compreender de uma forma simples que o videoclipe é uma peça promocional. Também pode ser um bem de consumo, já que pode ser adquirido em suportes como DVD e Blu-ray, ou simplesmente servir de conteúdo e entretenimento para a grade das emissoras de televisão ou nos sites de compartilhamentos de vídeo na internet como o Youtube. Brandini (2006, pág.5) ainda aponta que “as inovações geradas pelo desenvolvimento de novas mídias e tecnologias de comunicação revolucionaram a estrutura de consumo e de mercado do rock ao permitirem a representação de todo o seu universo simbólico num corpo audiovisual, o videoclipe”. São diversas definições que o formato recebe, segundo Machado (2009) o videoclipe “é um formato enxuto e concentrado, de curta duração, de custos relativamente modestos se comparados com os filmes ou de um programa de televisão, e com um amplo potencial de distribuição” (MACHADO, 2009, p.175).

Ao longo dos anos, a criação de videoclipes gerou mudanças dentro da estética. O formato do videoclipe é muito modificado como Trevisan (2011) aponta:

 Nota-se uma espécie de estilo variante, que o clipe assume em cada situação. A própria natureza do videoclipe é mutante, tanto na forma como se apresenta, quanto em sua definição, no sentido de que seu contexto em que o videoclipe está inserido demanda criatividade e transformação constante. Além disso, a vinculação com a sociedade de consumo, presente desde os primórdios da videomusica, provoca olhares preconceituosos sobre a autenticidade deste formato (TREVISAN, 2011, p.13).

 

Com o uso criativo do formato, o videoclipe consagrou uma estética própria e deixou de ser apenas uma forma de registro para a música. Machado (2009) defende que “já se foi o tempo em que esse pequeno formato audiovisual era constituído apenas de peças promocionais, produzidas por estrategistas de marketing para vender discos” (MACHADO, 2009, p.173). Tendências estilísticas são criadas e contribuem para uma redefinição do conceito videoclipe, não há mais a regra da imagem produzida das grandes bandas e astros da musica, cada vez mais é com videoclipes sem a imagem dos interpretes. Machado (2009) destaca que “a última safra de videoclipes está aí para demonstrar que o gênero mais genuinamente televisual cresceu em ambições, explodiu os seus próprios limites e está se impondo rapidamente como uma das formas de expressão artística de maior vitalidade em nosso tempo” (MACHADO, 2009, p.173).

Segundo Machado (2009):

Outra tendência importante do atual videoclipe é o abandono ou a rejeição total das regras do “bem fazer” herdadas da publicidade e do cinema comercial. O que vale agora é a energia que se imprime ao fluxo audiovisual, a fúria desconstrutiva e libidinosa que sacode e dissolve as formas bem definidas impostas pelo aparato técnico (MACHADO, 2009, p. 177).

 

O videoclipe deixa de ser apenas uma peça publicitária e cria sua própria estética. Grandes produções, colagens de cenas, não linearidade, podem ser algumas características encontradas na estética. A disseminação nos meios de comunicação é alcançada e o formato acaba adquirindo novas tendências junto às inovações geradas pelas mídias e tecnologias que atualmente se torna mais virtual. Partindo dessa mudança de meios que a estética de um novo formato do gênero, o lyric video, é criado.

 

LYRIC VIDEOS: A NOVA ESTÉTICA DA DIVULGAÇÃO

Não se sabe ao certo quando foi realizado o primeiro lyric video, mas acredita-se que ele seja fruto do LRC, acrônimo de lyrics que é um formato de arquivo de computador em que textos são exibidos em sincronia com um arquivo de áudio digital, como MP3[4], Vorbis[5] ou MIDI[6] segundo o blog Remixando[7]. Foi um dos primeiros programas, se não o primeiro, que tentou simular o desempenho do Karaokê[8]. Geralmente, é exibida uma linha inteira de letras, porém, é possível mostrar uma palavra de cada vez através da criação de um período de tempo para cada palavra, em vez de cada linha, assim, fazendo com que a palavra que é ouvida na musica seja altamente sincronizada com a palavra que aparece na tela. Ou seja, ele nada mais é do que uma maneira divertida de apresentar a letra da canção na tela, muitas vezes acompanhada de imagens dos próprios artistas e animações. E foi a partir desse conceito que a criação dessa nova estética começou.

Os fãs, pessoas dedicadas a expressar sua admiração por uma pessoa famosa, grupo, ideia, esporte ou mesmo um objeto inanimado, começaram a criar vídeos amadores com imagens de seus ídolos e a letra da canção sincronizada com a música de uma forma simples e sem efeitos visuais muito elaborados com o objetivo tanto de disponibilizar a música para ser ouvida gratuitamente quanto para a divulgação e a aprendizagem da letra da canção. Essas criações não oficiais segundo o vídeo “A brief history of Lyric videos” (2013) disponível no perfil do usuário Tom Scott no site Youtube, acabavam contendo muitas vezes os versos das canções apresentadas incorretamente além de, em alguns casos para burlar o sistema automático de direitos autorais do YouTube, a música era acelerada levemente, deturpando o áudio original para que assim suas homenagens pudessem sobreviver. Logo, é possível dizer que, as criações dos primeiros lyric videos aconteceram de forma amadora como é possível observar no frame da figura 4, criado pelo usuário TimmyJoeyBob no site Youtube em 2009 para a canção “This love” da banda norte americana Maroon 5, onde os versos são apresentados em um plano de fundo preto. Essas criações também podem ser observadas na figura 5, frame do vídeo “Disturbia w/lyrics” da cantora americana Rihanna, criado e disponibilizado pelo usuário passion4dancing1993 também no site Youtube em maio de 2008. No vídeo, os versos da canção são apresentados em um plano de fundo com fotos da cantora.

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Fig.4: Frame do video “Maroon 5 – This Love with Lyrics”.
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Fig. 5: Frame do vídeo “Rihanna Disturbia w/lyrics”.

Essas criações eram posteriormente postadas no maior site de compartilhamento de vídeos da internet, o Youtube, tornando a prática uma verdadeira mania mundial entre os fãs de diversos artistas. Esses vídeos musicais não eram apenas consumidos pelos fãs, já que o site Youtube se tornou uma grande ferramenta para os internautas que procuram ouvir músicas gratuitamente, o que tornou mais popular a visualização dos lyric videos criados por fãs como podemos entender na matéria do site Amp Music Marketing em janeiro de 2012, onde é descrito que com a popularização desses vídeos, as grandes gravadoras acabaram tendo o conhecimento e constatando que quando pesquisados os títulos das músicas de seus artistas, no site Youtube, estes eram procurados com a palavra lyrics, letra em inglês, que assim pesquisados, redirecionavam aos vídeos criados pelos fãs e que muitas vezes eram mais visualizados que os próprios videoclipes oficiais desses títulos. Essa ação era estimulada pelo gosto dos fãs em aprender a letra da canção.

Segundo o site Metal Sucks (acessado em 24 de abril de 2013) as letras das músicas costumavam ser o domínio exclusivo do encarte de um álbum, isto se a banda ou sua gravadora inclui-las no material o que atualmente vem se tornando raro entre os lançamentos já que esse espaço do álbum está sendo preenchido por fotos do artista e apenas informações técnicas de cada música. O fã que procura aprender as letras das canções provavelmente vai busca-las na internet, onde são encontradas em diversos sites especializados.

O site Metal Sucks ainda aponta que essa visualização da letra da música em sites especializados não possui componentes que proporcionam atenção ou entretenimento e que as pessoas atualmente consomem música muito atentamente via Youtube mesmo quando não há nenhum elemento de vídeo e que assim faz sentido que o lyric video viria à popularização. Buscando o objetivo de divulgar ainda mais o artista e a música na maior rede de computadores e agradar os principais consumidores de música, os fãs, as gravadoras aderiram à nova estética e começaram a criar lyric videos oficiais de músicas de trabalho, os chamados singles, de seus artistas mais populares.

Essa tendência tem início no ano 2010 segundo o vídeo “A brief history of Lyric videos” (2013) no vídeo animado de Jonathan Coulton para a música “Shop Vac”, que pode ser observado na figura 6, frame do vídeo, divulgado em novembro de 2012 no site Youtube, ainda não denominado como lyric video e sim animação tipográfica cinética da música.

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Fig.6: frame do vídeo “Shop Vac (kinetic typography animation).

Em seguida, a cantora e compositora norte americana Katy Perry começou a lançar simples lyric videos onde era possível encontrar somente legendas sincronizadas com a música em uma foto de fundo como pode ser observado na figura 7, frame do lyric video da música “California Gurls” (2010).

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Fig. 7: Frame do vídeo “Katy Perry – California Gurls ft. Snoop (Lyric video)”.

Em agosto de 2010, o cantor norte americano Cee-Lo Green fez o primeiro mainstream,[9] dinâmico e massivamente popular lyric video moderno para a música “Fuck You”, um dos seus maiores hits que pode ser observado através da figura 8, frame do vídeo.

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Fig.8: Frame do video “Cee Lo Green – FUCK YOU”.

 A música foi lançada pelo cantor primeiramente apenas no formato lyric video no site Youtube no dia 19 de agosto de 2010 e em apenas quatro dias já possuía mais de um milhão de visualizações segundo o site Mashable.com. A música só seria disponibilizada para compra e download no dia 14 de setembro de 2010 no site Itunes Store o que fez com que o lyric video da canção se tornasse um sucesso ainda maior já que antes da venda, só podia ser ouvida no formato. O vídeo é considerado como um famoso viral[10] musical na internet.

Assim, a criação de lyrics videos oficiais começou a se difundir entre diversos artistas da música pop. A cada música de trabalho das bandas e cantores, os chamados singles, um novo lyric video é lançado, antes do lançamento do videoclipe oficial da canção, muitas vezes com um mês de antecedência, e geralmente junto ao lançamento da música e sua venda digital na internet. Com o aumento da produção do formato, a criatividade de como a letra da música é apresentada na tela também aumentou. Grandes efeitos e animações ilustrativas viraram tendência dentro da estética. O formato ainda trouxe a arte de motion graphics que segundo o site Videoguro, é uma área de criação que permite combinar e manipular livremente camadas de imagens bidimensionais de todo o tipo, temporalizadas ou não (vídeo, fotografias, grafismos, tipografia escrita e animações), juntamente com musica, ruídos e efeitos sonoros, de volta aos olhos do público. Essas tendências podem ser observadas na figura 9, frame do lyric video da música “Little Bad Girl” (2011) do DJ David Guetta e na figura 10, frame do lyric video da música “Payphone” (2012) da banda norte americana Maroon 5.

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Fig.9: Frame do video “Little Bad Girl (Lyrics Video).
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Fig.10: Frame do video “Maroon 5 – Payphone (Lyric video) ft. Wiz Khalifa.

 

Novas tendências no formato são criadas, técnicas que já eram usadas em videoclipes são usadas também na nova estética. O lyric video da música “We Are Never Ever Getting Back Toguether” (2012) da cantora norte americana Taylor Swift, é um exemplo dessas evoluções. O vídeo é produzido a partir da técnica de Stop Motion[11], já usada e conhecida em produções audiovisuais como videoclipes, porém se diferencia das convencionais animações gráficas do lyric video como é possível observar na figura 11, frame do vídeo.

 

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Fig.11: Frame do video “We Are Never Ever Getting Back Toguether (Lyric video)”.

            Outro exemplo é o lyric video da banda norte americana Fun. para a canção “One Foot” (2013). No vídeo, a letra da música é apresentada escrita no tênis da personagem, em caixas e no chão do estúdio como pode ser observado na figura 12, frame do vídeo. O lyric video é criado com cenas gravadas especialmente para a estética e já não conta com a animação gráfica.

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Fig.12: Frame do video “Fun.: One Foot (Lyric video)”.

  

O lyric video ainda tem sua maior veiculação na internet, porém o sucesso e a notoriedade da estética estão fazendo com que canais de televisão especializados em música e videoclipes transmitam também, além dos videoclipes tradicionais das canções. Dessa forma, o objetivo do presente artigo foi criar um levantamento teórico acerca desta diferente estética do formato videocliptico, para contar com embasamento relevante para posteriores reflexões e analises sobre o tema.

 

 

 

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

AMP MUSIC MARKETING <Disponível em: http://www.ampmusicmarketing.com/blog/the-age-of-the-lyrics-video-why-and-how-to-do-them/> Acessado em: 15 de abril de 2013.

BRANDINI, Valéria. Panorama histórico: MTV Brasil. In: PEDROSO, Maria Goretti; MARTINS, Rosana (Org.). Admirável Mundo MTV Brasil. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 02-23.

CIRIANO, Douglas. O que é Stop Motion? <Disponível em: http://www.tecmundo.com.br/player-de-video/2247-o-que-e-stop-motion-.htm> Acessado em: 22 de maio de 2013.

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. Tradução Susana Alexandria. – 2. ed. – São Paulo: Aleph, 2009.

LEOTE, Rosangella. Videoclipe: mudança do contexto e da linguagem. Rua, 15 set 2008. Disponível em: http://www.ufscar.br/rua/site/?p=678. Acesso em: 07 jan 2009

MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. 5.ed. São Paulo: editora Senac, 2009

MAFFESOLI, Michel. Notas sobre a pós-modernidade: o lugar faz o elo. Tradução de Vera Ribeiro. 1.ed. cidade: Ed. 2004, ano

METAL SUCKS <Disponível em: http://www.metalsucks.net/2012/05/04/on-the-rise-of-the-lyric-video/> Acessado em: 08 de maio de 2013.

RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. 2ª edição. Porto Alegre, Editora Sulina, 2011.

SAMPAIO, Rafael. Propaganda de A a Z. 3a Ed. Revista e atualizada, Rio de Janeiro: Elsevier, 2003.

SANTAELLA, Lúcia. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. 3. ed. São Paulo: ed. Paulus, 2003.

SOARES, Thiago. Videoclipe: O Elogio da Desarmonia. Pernambuco: Livro rápido. 2004

TOM SCOTT <Disponível em: http://www.tomscott.com/lyric/> Acessado em: 17 de maio de 2013

TREVISAN, MICHELE KAPP A era MTV: análise da estética de videoclipe (1984- 2009) / Michele Kapp Trevisan. – 2011. 265f. : il.

VELHO, J. Motion Graphics: linguagem e tecnologia – Anotações para uma metodologia. UERJ – ESDI. Rio de Janeiro, p.193. 20008.

YAHOO! BRASIL OMG! BLOG REMIXANDO <Disponível em: http://br.omg.yahoo.com/blogs/remix/conhe%C3%A7a-o-lyric-video-formato-ao-qual-maroon-020453835.html> Acessado em: 10 de abril de 2013.

 


[1] Doutora em Comunicação, professora do curso de Publicidade e Propaganda do Centro Universitário Franciscano

[2] Aluno do curso de Publicidade e Propaganda do Centro Universitário Franciscano

 

[3] Hashtags são palavras-chave antecedidas pelo símbolo “#”, que designam o assunto o qual está se discutindo em tempo real no site de rede social Twitter.

[4] MP3 é uma abreviação de MPEG 1 Layer-3 ou (Mini Player)(camada 3). Trata-se de um padrão de arquivos digitais de áudio estabelecido pelo Moving Picture Experts Group (MPEG), grupo de trabalho de especialistas de Tecnologia da Informação.

[5] Vorbis é uma tecnologia que por meio de um algoritmo grava música e voz consumindo pouco espaço virtual no meio de registro, como por exemplo, um disco rígido.

[6]  Interface Digital para Instrumentos Musicais.

[7] Blog do site Yahoo.com alimentado pela blogueira e jornalista Aline Vieira.

[8] Karaoke(ê) ou caraoque(ê) é um substantivo japonês formado pelas palavras kara (“vazia”) e ōkesutora  “orquestra”). Trata-se de um hobby de origem japonesa no qual as pessoas cantam versões instrumentais de músicas.

[9] Mainstream (“corrente principal”) é um termo inglês que designa o pensamento ou gosto corrente da maioria da população. É muito utilizado atualmente referindo-se às artes em geral.

[10] Viral: um fenômeno que possui um alto poder de replicação como vídeos virais são vídeos que adquirem um alto poder de circulação na internet, alcançando grande popularidade, configurando-se como um fenômeno típico da Web 2.0.

[11] Stop Motion: É uma técnica que utiliza a disposição sequencial de fotografias diferentes de um mesmo objeto inanimado para simular o seu movimento.

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