
Por Arthur Matsubara e Gustavo Ramos Ribeiro
Redação RUA
RUA: Por que você começou a gravar a sua calourada? Você já tinha algum plano de construir esse documentário ou era apenas para registro pessoal?
Essi: Tem algumas coisas no filme que não foram exatamente a minha experiência, porque demorou 15 anos para ser finalizado, então teve várias versões. Uma versão de quatro horas, até a versão final de 1h39, com muitas outras. Não tinha nem narração, eu não me colocava no filme, porque eu não entrei junto com eles, eu entrei em 2006 e não em 2010. Quando eu estava começando a fazer o projeto, eu estava no final do meu quarto ano e eu estava assistindo muitos filmes sobre a passagem do tempo, muitos documentários. Como eu sempre fui muito fechado, eu não tinha aproveitado muito (a faculdade). Eu cheguei na minha calourada sem saber o que era “a calourada”. Eu acho que vim um dia para fazer a matrícula e depois só apareci nas aulas. Todo mundo já estava enturmado e eu nem sabia direito, eu tinha 17. Então, no decorrer da graduação, eu percebi “Cara olha esse universo que tá aqui ao meu redor e eu não tô conhecendo quase nada, agora que estou começando a conhecer’’.
Uma vez que eu estava me formando, eu tinha alguns projetos de ficção e falei “Acho que vou fazer um documentário aqui, justo sobre a experiência universitária”, e no início era para ser um ano. Pretendia vir apenas algumas vezes porque sou do Mato Grosso do Sul. Então, na verdade, durante todo esse tempo que vocês vêem na tela, eu não morava em São Carlos. Eu morava no Mato Grosso e vinha umas três vezes por ano, de acordo com a necessidade do filme, a não ser situações excepcionais como a greve.
Então, foi um pouco dessa vontade do lado pessoal, de uma forma de conhecer melhor a universidade, e de fato, a minha experiência fazendo filme foi a vivência que eu não tive, porque quando você está com a câmera, você pode perguntar qualquer coisa para qualquer pessoa que você quiser. E, sem a câmera aqui, eu fico meio bobo e não consigo chegar na galera assim. Então você pode ver que foi um mecanismo de autoconhecimento.
Nessa calourada, a gente conversou com mais ou menos quarenta e cinco pessoas. Tivemos uma seleção e decidimos quinze para acompanhar uma segunda vez. Na época eu estava pirando em documentários que acompanham a vida inteira das pessoas, então decidi acompanhá-los durante o tempo da graduação, e assim o filme foi se solidificando. No filme tem sete, mas na verdade acompanhamos dez durante quatro anos na íntegra, mas acabamos tendo que cortar três e condensar alguns.
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RUA: Já existia uma equipe posterior a você entrar no projeto?
Essi: Não tinha nada. Eu cheguei a conversar com uma galera, mas basicamente quem me ajudava era o povo da imagem e som dos anos que eu estava fazendo o filme. Começamos a gravar em 2010. No começo era a turma de 2008 que me ajudava muito, aí depois a própria galera de 2010, e mais para o final ficou um pouco difícil porque acabei perdendo o contato com as demais turmas. Igual um paralelo com a graduação, você chega no final e já não conhece muito a galera do início. As pessoas que eu era mais próximo estavam fazendo TCC, trabalhando, e eu tive que pegar uma galera da 012, 013, 014. Em alguns momentos que tive que gravar sozinho, tem cena que só estava eu e a pessoa entrevistada. Mas a equipe era a galera da IeS mesmo.
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RUA: Durante o decorrer do documentário, existe uma mudança tanto técnica quanto estética das entrevistas que você revisita no final do filme, e como nós somos alunos do terceiro ano, conseguimos ver essa evolução nitidamente nos nossos próprios projetos. Como você enxerga essa mudança técnica agora, quinze anos depois das gravações?
Essi: Quinze anos depois é absolutamente natural. Tem algumas coisas que quando estamos fazendo, ficamos com vergonha de mostrar, aquilo que parece ruim ou com defeito técnico no filme. […] Mas você vai percebendo, de que adianta eu filmar você só falando? Eu não tenho recurso nenhum cara, nem o mínimo, assim, de filmar você fazendo alguma coisa. Então eu fui naturalizando. E no final eu já ligava para as pessoas tipo, sei lá, o Igor da música. “E aí como é que tá?”, “O que que você tá fazendo?”, “O que que aconteceu desde a última vez que a gente falou?”. E baseado nisso, eu ia decidindo o roteiro de cada um. “Ali tá mais promissor”, “Vamos gravar tal dia”, “Você tá mudando? Vamos gravar a mudança”. […] Essas gravações da calourada, na hora de editar, às vezes nem tinha nem muito para onde ir porque realmente era só a entrevista. Eu acho que uma coisa é você antes da Universidade, outra coisa é você durante e outra é você depois, porque querendo ou não quanto mais filme a gente assiste, mais você muda. Se eu fosse gravar esse filme hoje, provavelmente faria diferente.
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RUA: Você comentou que tinha várias versões do filme. Pode falar um pouco mais sobre?
Essi: Se você bota as pessoas para assistir uma coisa de 4 horas, ninguém aguenta né? Na minha cabeça tem muita coisa que é interessante e na sua cabeça não. Eu acho que é esse processo de entender isso. Quando você tem um trabalho na sua vida que é quatro anos pegando o busão de 15 em 15 horas para cá, você vê que isso ninguém tá afim de ver. Não existem inovações técnicas nesse filme, então não tinha nada de diferencial e tava cansativo. Então fui cortando e ele foi evoluindo.
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RUA: Queria perguntar também, como foi muito tempo gravando, a forma que a sociedade acaba vendo o cinema como produto mudou. Você acha que alguma tendência recente acabou influenciando alguma coisa na versão final?
Essi: Acho que todo mundo cresce com aquilo que você quer fazer, aquilo que você admira. Acho que uma coisa que surgiu e que muito envolve o documentário pessoal é, ao invés daquela voz de “Deus”, um narrador personagem. O filme meio que pega essa onda aí. Acho que sem a narração, esse filme cai muito de qualidade. Então eu acho que teve um pouco disso, essa influência do cinema documentário pessoal como uma tendência bastante comum dessa década.
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RUA: A perspectiva política é muito importante, não só para construção de alguns personagens, mas também por todo o contexto da realização do projeto. Como se sente depois de ter exibido esse filme dentro da Universidade que você gravou?
Essi: Acho que tem uma dimensão pessoal. A universidade, como espaço, é onde você tem o maior contato com as pessoas. Cada um tem sua história. Às vezes a pessoa já tem um engajamento político antes, mas a Universidade é um dos espaços mais favoráveis para você começar a entender um pouquinho. E claro, tem a dimensão das crises educacionais né, sobretudo nesses anos aí. De alguma forma, a gente quis botar isso (a luta) no filme. Eu acho que é super importante contribuir para um debate de Educação Superior no Brasil, dá pano pra manga pra um assunto bem interessante.
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RUA: Como foi revisitar essas imagens para você? Vindo aqui na Federal?
Essi: Assim que terminar aqui, eu quero andar pelo local, eu quero passar umas duas ou três horas caminhando para ver como é que tá, porque a Federal nunca morre. A primeira Federal sempre esteve comigo. Por mais que no filme lá eu “abandonei o cinema” , não é exatamente isso. Eu sempre estive trabalhando, só que chegou o momento em que eu não sabia muito para onde ir, então tive que ter paciência até a gente conseguir esses recursos para fechar o documentário com as pessoas certas. Mas mesmo com tudo isso, eu nunca nunca me senti desconectado daqui.
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RUA: Se por acaso a RUA conseguisse programar uma exibição, você disponibilizaria seu filme?
Essi: Com certeza. Ele vai estrear agora dia 15. A gente não sabe exatamente em quais cinemas, e não devem ser muitos. Mas com certeza. A gente não sabe como é o Cine São Carlos para isso, e no shopping também duvido que tenha palco para filme pequeno. Mas é uma coisa que eu acho que vai atrair bastante a galera da faculdade, do curso e até mesmo gente da música, porque é um filme importante de ver por aqui, pois é a própria Universidade. Ver como foi uma juventude que passou aqui há um tempo atrás, calçando o mesmo sapato que você, é uma coisa que eu acho legal.