
Por J. Victor Messias
Redação RUA
Extermínio: a evolução (2025), dirigido por Danny Boyle, é um filme complexo de se falar sobre. Muitos pontos eficazes, muitos deméritos, muitos acertos, muitos detalhes, muito “muito”. Ao sair da sessão, precisei de uma longa caminhada, um remédio para dor e uma boa noite de sono, e ainda assim não foi o suficiente. Então vou tentar me ater ao que considero principal.
Portanto, antes de falar diretamente sobre ele, farei algumas considerações. A primeira é que este é o terceiro filme de uma trilogia que começa em 2002, com o aclamado Extermínio, dirigido também por Danny Boyle, e sabemos a fama das sequências, principalmente das sequências de filme de horror: às vezes elas não são tão boas quanto o original. Bom, este terceiro filme é um filme de horror pós-apocalíptico e realmente me deixou apreensivo (motivo do remédio para dor), mas não creio que seja o caso de uma sequência ruim, até porque, apesar do universo ser o mesmo do original (não se trata de uma antologia temática de zumbis, no sentido de que o vírus é o mesmo), nos deparamos com muitas novidades: uma sociedade que se estabeleceu em uma ilha, novos personagens, e uma nova reflexão. É outro filme, e que bom que o é.
Também precisamos levar em conta que nós, hoje, somos sobreviventes de uma pandemia que teve um número alarmante de vítimas, entre tantas outras que vivem com sequelas, seja por conta do vírus, seja por conta do adoecimento psíquico desencadeado pelo isolamento e pelos absurdos testemunhados em tempo real. Foi muito mais que uma crise sanitária, foi (e ainda é) uma crise social sem precedentes de um evento apocalíptico que agora nos assombra, ele sempre poderá voltar.
A terceira e última coisa é que isso tudo se comunica no filme, por mais que seu contexto seja o da Grã-Bretanha. Acompanhamos no filme alguns indivíduos que hoje se organizam em uma ilha, os suprimentos médicos são escassos, mas eles contam com roupas, plantações e outras atividades que permitem uma habitação relativamente confortável. Mas se trata de outro mundo. Agora, animais que antes viviam em grupos de pequenos números, prosperam em bandos colossais, a vegetação cresceu, e a comunidade também não é uma comunidade como a de pequenas vilas rurais, não exatamente. Eles são sobreviventes do apocalipse de 28 anos atrás, os adultos eram as crianças deste mundo, os idosos eram os adultos, e as crianças são crianças que nunca conheceram outra vida, ao mesmo, cortes de documentários, filmes e registros de todas as ordens nos lembram durante o filme: algumas coisas se fazem presente.
Algumas dessas coisas que se fazem presentes são técnicas de combate, distribuição de tarefas, festas, expressões de afeto, instituições de ensino, vestimentas, e até aí está tudo bem. Mas é logo após a abertura frenética e angustiante do filme que a sequência de apresentação da sociedade me levou a enxergar algo a mais no que estava sendo mostrado: apenas os homens estavam exercendo trabalhos braçais, apenas homens apareciam. Fiz uma nota mental sobre isso.
O que veio depois me fez relaxar um pouco mais, havia mulheres exercendo as mais diversas funções, e aí fiquei com uma pulga atrás da orelha e tentei focar nas personagens apresentadas. Somos apresentados, primeiramente, a Spike (Alfie Williams) e Jamie (Aaron Taylor-Johnson), filho e pai que aparentam ter uma relação de cuidado mútuo nessa realidade de escassez, e também somos apresentados a Isla (Jodie Comer), a mãe de Spike que está acamada por uma doença que faz com que ela alterne entre estados de consciência e delírio, o que me fez também tomar uma nota mental.
Extermínio: a evolução tem como plot a primeira ida de Spike ao continente, um ritual de passagem que faz com que todos da ilha se mobilizem para, após ele chegar, se ele chegar, fazer uma comemoração em seu nome. E aqui já se começa a sair do rascunho esses pontos que eu vinha prestando atenção: Jamie está fazendo com que Spike tenha sua iniciação aos 12 anos, sendo que a maioria das crianças a têm por volta dos 16 anos. Mais uma nota. E, ao sair, descobrimos que, junto aos zumbis “maratonistas”, agora compõem o quadro zumbis “rastejadores”, infectados obesos que se arrastam no chão comendo o que estiver vivo no caminho (em geral, minhocas), e os “alfas”, zumbis homens de alta estatura, níveis elevados de inteligência e de “atributos viris”. Interessa muito dessas variações que agora há uma hierarquização, os zumbis rastejantes atuam como “rastreadores informais”, eles avançam em pequenos grupos, mas, caso aviste humanos, se não forem mortos o quanto antes, eles emitem um sinal que atrai os “maratonistas”. Por fim, esses últimos respondem ao “alfa”, que atua como chefe desses seres que, na mitologia dos filmes, ainda são humanos, porém estão infectados com um supervírus da raiva que os tornam extremamente violentos.
Então, o filme se apresenta como a jornada de amadurecimento de Spike, mas também é atravessado por esses “outros” se tornando, também, uma sociedade pós-apocalíptica. Ora, ora, exploradores desbravando um continente hostil e encontrando grupos “selvagens” que “precisam” ser abatidos… algo me soava familiar. Mas o conflito principal é: Spike, esse menino amável e inteligente, vai perceber que seu pai não é lá um bom exemplo, mente, trai, agride, e, se vendo responsável pela sua mãe, empreende com ela uma aventura até um misterioso Dr. Kelson (Ralph Fiennes), o único médico da região que há muito abandonou a ilha e, aparentemente, consegue lidar bem com os zumbis.
Vemos, neste filme, um mundo novo surgir da Grã-Bretanha, um mundo que tem rimas até demais com o nosso. Ele é um grande fragmento do que foi esse território antes de depois da epidemia que o assolou, assim como o nosso é após a pandemia; e o filme é fragmentado em uma abundância audiovisual frenética e, às vezes até, bela (outras meio brega), em uma estética tão dissonante quanto a nossa realidade (quando os zumbis são acertados fatalmente, a câmera congela por segundos e muda de ângulo, o que dá a sensação de estarmos em um jogo; isso quando não vemos se intercalar nas cenas uma espécie de “visão” que mostra o que os zumbis fizeram em dadas situações, e que depois se mostra ser a mente de uma das personagens visualizando o que acha que aconteceu), e seus temas se misturam, se separem e se embrenham em algo que é digno de uma análise de fôlego. Jimmy (Rocco Haynes e Jack O’Connell), apresentado na sequência inicial e então na sequência final está permeando os cantos desse novo mundo, quem é ele? Estaria Spike seguro com o grupo desse personagem? Afinal, nesse novo mundo, nada é o que parece ser, mas Spike é inteligente.
No fim, este filme vai desenhar seus caminhos. O resto do mundo se mantém similar ao nosso (só não sabemos se com ou sem a pandemia de Covid-19, o que é mudança o suficiente), isso é apresentado nos primeiros segundos do filme e também na aparição de um personagem estranhamente carismático: Erik Sundqvist (Edvin Ryding), uma das melhores coisas do filme. Há outros grupos além do da ilha, há mais sobre esses zumbis do que se imagina, há outras formas de se viver nesse mundo e de ser, como é no caso de Spike, um homem.
Há mais dois filmes encaminhados após este, trata-se de uma nova trilogia, então espero que as pontas soltas sejam amarradas, e espero, de todo coração, que seja satisfatório (e um pouco menos frenético, mas só um pouco).
EXTERMÍNIO: A Evolução. Direção de Danny Boyle. Roteiro: Alex Garland. Reino Unido: Columbia Pictures; Dna Films; British Film Institute; Decibel Films, 2025. (126 min.)