CRÍTICA | Abraço de Mãe (2024), Cristian Ponce

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Por J. Victor Messias

Redação RUA

Abraço de Mãe (2024), dirigido por Cristian Ponce, é um filme modesto. Recorre a digressões para que a narrativa se torne dinâmica, oferece o senso de urgência ao compactar os acontecimentos em um intervalo de horas e escolhe se focar na protagonista, a Cabo (Ana) Santos, vivida com maestria por Marjorie Estiano – o que a esse ponto é o mesmo que dizer que Beyoncé produz ótimos álbuns. Modesto.

É modesto porque não tenta reinventar a roda, é modesto porque não esconde que se trata de um filme de horror, e é modesto ao apresentar uma narrativa que, para quem consome histórias de horror cósmico não apresenta algo muito diferente do que já é estereotípico disso: lugares decadentes, protagonistas quebrados, água, cultos e tudo o que vem do pacote – até mesmo o monstro.

Também é modesto porque é um filme que cumpre com o que precisa: trilha sonora okay, fotografia no ponto, sonoplastia das boas e efeitos especiais que deixariam muitos filmes internacionais com o triplo do orçamento com um tantinho de inveja. Também mantém a coerência, é um filme que apresenta a sua identidade e se mantém nela até o final. E sua modéstia também se dá ao não poder desenvolver tanto assim seus personagens além da Cabo Santos, falando em nossa final girl

Imagine que um certo dia você recebe a notícia de que sua mãe morreu. Para muitas pessoas seria o mesmo que perder o chão, para outras, infelizmente, seria como se um peso saísse dos ombros.

Okay, agora imagine que, quando você era criança, sua mãe a drogou, a levou para um parque de diversões perto de casa e que você adormeceu na volta, após entrar em uma atração que, para você, foi assustadora. Então você acorda com a casa tomada em fumaça, um calor infernal e sua mãe não acorda.

Você tenta sair, mas as drogas mexem com a sua cabeça e você se queima feio; pessoas estão tentando arrombar a porta, e então sua mãe, seu foco de afeto, a agarra e sufoca enquanto as chamas avançam. Imagine que vocês sobreviveram, mas você, desde então, não tem contato com ela e então ela morre justo no dia que você tem que atender um incêndio e então tudo volta à tona – como um “bom” trauma.

Para a Cabo Santos não é fácil conciliar tantas coisas junto. Então ela passa por um afastamento médico de dois meses, é encerrada no “atestado de invalidez” militar, que é trabalhar no administrativo, e seu superior duvida que ela esteja em boas condições para voltar a trabalhar, afinal, ela teve uma crise de pânico durante um incêndio, e ela é frágil, afinal, é mulher.

Essas coisas todas ficam dançando na superfície do texto enquanto a narrativa se desenrola, uma narrativa em que a Cabo Santos precisa lutar cada vez mais com as coisas sendo tiradas de si, enquanto tenta salvar um asilo inteiro de sofrer com a ruína do prédio antigo em que está.

A Cabo Santos se cobra de ser a sua própria figura materna enquanto é assombrada por visões de sua mãe que não a deixam em paz. E tudo piora quando ela descobre que, no meio dos residentes e funcionários estranhos, e potencialmente perigosos, do asilo uma garotinha com uma idade próxima a que tinha quando tudo aconteceu com sua mãe. Ela deve seu êxito nessa missão a si e à garotinha, mas as coisas nunca são fáceis quando se está em uma história de horror, e tudo piora se esse horror é cósmico.

Muitos podem dizer que o filme não é nada demais, e não é isso que quero dizer com ele ser “modesto”. Pelo contrário, é uma produção pequena, mas competente, com uma narrativa que se permite ser consumida sem maiores problemas, há não-ditos para quem gosta deles e há explicações para quem acha que assim é melhor consumir. É um filme efetivo, conta sua história, mas não se perde em tentar parecer mais do que é.

Talvez os fãs do gênero reclamem que o fim da narrativa não seja “corajoso” – lê-se pessimista e catastrófico. Mas acho que é justamente o contrário, ele é corajoso exatamente por ser do jeito que é. Ele honra a luta de sua protagonista e oferece uma chance dela poder reconstruir a sua história, ao mesmo tempo em que não resume tudo a uma aniquilação improvável daquele mal. Definitivamente não, afinal, nas profundezas do Rio de Janeiro ainda vive aquela criatura que, desde o início, é mostrada ganhando mais terreno.

Gostaria de escrever mais, gostaria de mais narrativas sendo exploradas pela dupla Gabriela Capello e André Pereira, se o argentino Cristian Ponce quiser continuar também não serei oposição. Só peço que deixem a Ana em paz.

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