Introdução
Neste ensaio pretendo analisar a função das canções originais dentro da narrativa de La teta asustada e como elas se relacionam com os personagens, sendo um objeto muito importante para a construção do imaginário da personagem principal Fausta. Também será analisado como o filme foi inserido numa época histórica logo após um período de vários conflitos políticos no Peru.
Para isso, procuro classificar as canções segundo alguns critérios que envolvam o tema abordado, a personagem que canta, o momento do cantar dentro do contexto e o uso da canção. Sempre pensando em como isso se envolve com os outros elementos do imaginário peruano que o filme mostra.
Desenvolvimento
No filme La teta asustada, as canções são compostas usando a junção entre uma melodia simples e uma letra que é criada na hora do canto. As letras podem ser classificadas em dois tipos pensando no conteúdo a que se refere, podem ser ligadas:
- A temas perversos em relação ao passado conflituoso do país;
- A temas fantasiosos que resgatam algumas das várias lendas da cultura popular peruana.
Adicionado a isso, existem duas personagens que evocam essas músicas, Pérpetua e sua filha Fausta, com diferentes usos ao decorrer da narrativa.
A mãe, que falece logo na primeira cena, usa a canção com temas perversos como forma de não esquecer desse passado, mesmo sendo tão violento. Ela parece acreditar que isso faz parte de sua vida: esquecer deste seria como esquecer de que é viva. Suas memórias tristes se baseiam em “recuerdo de las violaciones, cometida por los militares en la guerra contra el Sendero Luminoso” (CAPDEVILA, 2009). Mesmo depois de morta, sua presença nunca é esquecida ao longo do filme, pois seu corpo continua próximo à família até o final do longa metragem quando parece ser entregue ao mar e a marca de sua canção inicial permanece como um ponto que guia para a interpretação do espectador e as ações da filha Fausta. Os acontecimentos trágicos contados pela mãe fazem com que Fausta aja de forma retraída e ingênua em relação aos homens e ao mundo que lhe é desconhecido. Isso é explicitado pela relação que cria com o jardineiro.
Já as canções de Fausta variam. Em um primeiro momento, elas fazem relembrar as da mãe, depois, elas caminham para um lado mais fantasioso, contando lendas da cultura peruana.
Este caminho contraria o ciclo da narrativa do filme que começa com um tom forte de realismo fantástico, definido como “a hesitação experimentada por um ser que só conhece as leis naturais, face a um acontecimento aparentemente sobrenatural” (TODOROV citado em SANTOS, 2007), incluído dentro de uma realidade social, e termina com um tom naturalista. Os elementos fantásticos do filme envolvem: as canções; a forma como Fausta arranjou para se proteger dos estupradores, que foi colocar uma batata em sua vagina; as contraposições bruscas entre os momentos de euforia – ligados às cerimônias exageradas dos casamentos e as preocupações da mulher rica – e disforia – quando é mostrada a pobreza dos lares e os problemas advindos disso; a casa em meio ao centro de Lima, os símbolos que são apresentados. A batata representa ao mesmo tempo, segurança contra os homens e sinaliza uma vida e casamento prósperos.
As primeiras canções envolvem o passado e esse mundo violento. Uma herança construída entre mãe e filha, que liga o passado conflituoso do Peru, envolvendo a ascensão e queda de diversos governos militares, e a estabilidade e pobreza gerada com o tempo de libertação (CAPDEVILLA, 2009).
O segundo momento de Fausta ocorre depois que começa a trabalhar na casa de um casal rico. As canções começam a ter uma função de acalmar medos e são, de alguma forma, preciosas, pois elas representam um laço com o passado e a família, especialmente a mãe. Posteriormente, a aura destas é perdida, pois Fausta as usa como uma maneira de adquirir pérolas da sua patroa, uma pianista que se interessa pelas melodias das canções nativas. Essa aquisição é guardada com muito apreço pela protagonista, mas o uso delas não é justificado dentro do filme.
A relação entre ela e a patroa ocorre de forma harmônica, uma vez que Fausta faz o que ela deseja. A partir do momento em que ela impõe uma opinião, mesmo que um elogio, é expulsa do ambiente deles, porém volta e recupera o que barganhou com a execução aberta das canções.

Por outro lado, parte do segredo continua, pois a língua nativa de Fausta é um dialeto do Peru e não o espanhol. As canções mais próximas da mãe são cantadas nesse dialeto, representando que para ela, existe um valor especial tanto nas letras quanto na melodia. Diferente das canções que canta para a patroa, que são em espanhol.
Conclusão
Pode-se concluir que a partir das ações de Fausta e o desenrolar da narrativa de La teta asustada, as canções tem uma grande relevância para que a história seja contada, pois elas informam dados sobre o contexto, mesmo que de forma sutil, e dão o tom dramático do filme. Além de possuírem, no idioma nativo de Fausta, uma aura que liga ela à sua mãe e passado e que permanece não corrompida, mesmo com a quebra parcial feita para conseguir as pérolas.
BIBLIOGRAFIA
CAPDEVILA, Luc. La sombra de las víctimas oscurece el busto de los héroes. Nuevo Mundo Mundos Nuevos, Dez/2009. Disponível em: <http:// nuevomundo.revues.org/index57306.html>.
SANTOS, Luciana Policarpo dos Santos. Hesitação e ambigüidade: marcas principais do Fantástico. “O Horla”, de Guy de Maupassant In: A banalização do insólito: questões de gênero literário – mecanismos de construção narrativa. Flavio García (org.). Rio de Janeiro: Dialogarts, 2007. p. 197.
VENTUROLI, Sofía. Huir de la violencia y construir. Mujeres y desplazamientos por violencia política en Peru. DEP. n. 11. 2009.
Henrique Dias Soares de Barros é graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)