Por: Samuel Malaquias
Cineclube “Da RUA ao CAIS”
Acompanhando o repórter Caveirinha (Ivan Cândido) em sua investigação sobre Boca de Ouro (Jece Valadão), um bicheiro que havia sido assassinado, surge Dona Guigui (Odete Lara) que dá vários relatos divergentesi a respeito de um assassinato que teria sido cometido pelo Boca de Ouro. Trata-se de um filme de Nelson Pereira dos Santos baseado em uma obra homônima de Nelson Rodrigues de 1959.
A história é uma espécie de “Rashomon à brasileira”, embora não dê para afirmar uma questão de influência direta, é inegável que o filme de Akira Kurosawa virou um paradigma quando se analisa narrativas com um tipo de estrutura, gerando termos como “Efeito Rashomon”. Esse termo é aplicado quando, em uma narrativa, a presença de diferentes perspectivas sobre o mesmo acontecimento acabam por ilustrar uma busca por compreender um fato diante das subjetividades e interesses de cada um dos personagens que narram o acontecido. Mas, o mais interessante em Boca de Ouro está no fato da fonte das informações ser uma personagem que é Dona Guigui e o motivo dela sempre “se corrigir” contando o mesmo acontecimento com informações contraditórias entre os relatos, é que seu interesse é deslocado de um momento para o outro. Afinal, ela tem motivos para relatar de forma diversa, em uma hora ela supõe que Boca de Ouro está vivo, em outra hora ela sabe que Boca de Ouro está morto e com isso seus motivos pessoais mudam. Da mesma forma que para se conciliar com seu marido, uma vez que ele não tinha gostado do último relato, ela resolve alterá-lo.
Além disso, dentro desse emaranhado de informações percebe-se que o cenário da história está centrado em dois tempos distintos, de um lado a trama situada no presente, espaço esse que condiciona os acontecimentos do “segundo plano”, este que está no passado, mas não em um passado objetivo, nem em um passado subjetivo que refletiria a perspectiva vivida por Dona Guigui, mas sim no campo do incerto, pois após perceber pela primeira vez que Dona Guigui mente, é impossível ter a certeza de qualquer um dos relatos. Assim, a genialidade da história está na condução impossível, afinal, a tentativa de desvendar o que aconteceu é intangível ao espectador que se diverte, não em tentar saber o que aconteceu, mas em aproveitar as informações ambíguas.
Sendo assim Boca de Ouro, é um filme que encontra seu brilho na construção narrativa como elemento que vale por si e não em seus temas e assuntos, esses na verdade pouco importam, o que chama a atenção é afinal saber o que aconteceu, ou melhor ainda, em não saber o que aconteceu.