CRÍTICA | Godzilla e Kong – O Novo Império (2024), Adam Wingard

Por: Gabriel Pinheiro

Uma das razões fundamentais para o contínuo fascínio pelo cinema B de ficção científica de monstros é o entretenimento descompromissado que ele proporciona. Claro, há filmes que se aventuram no drama político, como alguns títulos de Godzilla, especialmente os japoneses. No entanto, abraçar o absurdo do universo dos monstros gigantes e mergulhar de cabeça na extravagância de forma bem-humorada é uma receita comprovada para o sucesso no gênero. O cinema de monstro não tem como ficar melhor do que com uma luta em que um gorila ciborgue, um lagarto mega radioativo e uma mariposa gigante metem porrada em um macaco montado numa tartaruga de gelo no centro da terra e em gravidade zero. Não fica.

“Godzilla e Kong – O Novo Império”, dirigido por Adam Wingard, o mesmo responsável pelo excelente “Godzilla vs. Kong” de 2021, é a mais recente adição a esse universo cinematográfico. Nesta sequência do Monstroverso, a humanidade está prestes a descobrir, da pior forma possível, uma ameaça colossal escondida nas profundezas da Terra. Para surpresa de Ilene Andrews (Rebecca Hall), Trapper (Dan Stevens) e Bernie (Bryan Tyree Henry), a Ilha da Caveira e a história que envolve os dois conhecidos Titãs guardam mais mistérios do que se pensava. Agora, esses segredos serão revelados e o perigo que representam resultará na união de duas forças lendárias. Afinal, o todo-poderoso Kong e o temível Godzilla se verão lado a lado em uma batalha épica para decidir o destino da raça humana.

Filmes que apresentam seres gigantes, como as sagas de Transformers, King Kong, Godzilla e Pacific Rim, buscam quase sempre equilibrar a representação da destruição maciça com tramas humanas para criar uma conexão emocional com o público. A complexidade dessa abordagem reside em balancear o espetáculo das cenas de destruição com tramas humanas que proporcionem alguma ancoragem emocional. Quando a integração entre essas duas coisas falha, o núcleo humano normalmente sai perdendo e se desconecta das sequências monumentais de ação. Problemas como narrativas pobres, atuações desajustadas ou desenvolvimento insuficiente dos personagens podem enfraquecer o filme.

No entanto, “Godzilla e Kong – O Novo Império” demonstra que, ao simplesmente priorizar as “criaturas” sobre os personagens humanos, é possível fazer um filme muito mais empolgante. Isso é evidente no trabalho de Adam Wingard, onde a narrativa se concentra na ação dos monstros, relegando os humanos a um plano secundário. Aqui, os elementos humanos servem somente para contextualizar as sequências de ação, com os personagens sendo reduzidos pelo roteiro a seres unidimensionais, com conflitos, interesses e características mínimas. E isso não é algo ruim, afinal, há muitos monstros se digladiando na praia de Copacabana para que o espectador se interesse por algo mais profundo nas relações humanas do filme.

A importância do humor também se destaca como um elemento crucial nessa abordagem de Wingard. Ao longo do filme, a ausência de um tom minimamente sério é perceptível, ainda bem. “Godzilla e Kong – O Novo Império” proporciona momentos simplesmente hilários, como o King Kong fazendo um procedimento odontológico por conta de uma dor de dente e o Godzilla se aninhando para tirar um cochilo no Coliseu romano depois de macetar um outro monstro. No entanto, essa jocosidade toda por incrível que pareça não compromete a construção de um universo verossímil, pelo contrário, o filme se empenha em estabelecer uma atmosfera absurda, porém crível mesmo assim, e permeada por uma leveza e comicidade que amarram tudo no lugar.

Essa habilidade em reconhecer e incorporar o elemento lúdico se revela como uma estratégia ótima para esta franquia ocidental do “Monstroverso”. É válido observar que a sensibilidade na abordagem dos monstros como elementos passíveis de humor e leveza tem sido negligenciada em produções ocidentais anteriores, inclusive no trabalho anterior de Wingard.

O filme reconhece que a melhor abordagem é mergulhar de cabeça nas cores, ideias e amplificar a criatividade e a excentricidade que podem existir nesse tipo de obra. Desde povos ocultos vivendo no centro da terra até manipulações de gravidade com cristais coloridos e um mini Kong envergonhado em pedir comida, o foco é abraçar esses elementos de forma completamente descompromissada. Assim como os responsáveis pela franquia “Velozes e Furiosos” perceberam que, para além dos conflitos humanos, as acrobacias mirabolantes com carros eram o que realmente cativava o público, Adam Wingard finalmente compreendeu que o que todos queríamos realmente ver eram batalhas megalomaníacas entre Pokémons gigantes.

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