Por: Maria Fernanda de Paula
Redação RUA
Sendo este o longa de estreia da diretora Ally Pankiw, I Used to Be Funny (2023) conta a história de uma jovem comediante que sofre de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), lidando também com o desaparecimento de uma adolescente que a mesma cuidava como babá. Apesar da tentativa esforçada de mesclar comédia e trauma, o resultado é uma exploração rasa de ambos, com piadas falhas e uma trama mal resolvida, além de uma performance desperdiçada de Rachel Sennott.
De início, somos introduzidos à protagonista Sam Cowell (Rachel Sennott), isolada na casa que divide com dois amigos após um evento traumático que mudou sua vida e levou embora seu senso de humor. Daí o título “I Used to Be Funny” (traduzindo, Eu Costumava Ser Engraçada), o que considero particularmente irônico, visto que mesmo antes do TEPT, a personagem não tinha muita graça. O filme insiste em cenas da protagonista e seus amigos (que também são comediantes bem-sucedidos na comunidade local) fazendo piadas entre si, a maioria sendo apenas uma coletânea de frases “relatable” para a geração Z retiradas de um tweet semi-viral. Além disso, os personagens secundários e principais não cultivam uma personalidade além do óbvio, e é difícil se conectar com qualquer um por causa disso.
A relação entre Sam e Brooke (Olga Petsa) também parece forçada. Sam é contratada como babá da garota, e com facilidade ambas se conectam. Isso aparentemente é explicado pelo fato da mãe de Brooke estar muito doente, e posteriormente morrer, estreitando o laço entre ela e a babá. No entanto, a garota não oferece muito além de atitudes egoístas, que também só é justificado por ela ser uma adolescente processando o luto. Mesmo no final, após Sam enfrentar sua ansiedade causada pelo trauma para rastrear o paradeiro de Brooke e salvá-la de um traficante mais velho, a menina é capaz de inverter a situação e culpar Sam pelo próprio trauma, fazendo a situação ser sobre si mesma (também irônico, porque logo na última cena, Sam faz uma piada sobre como seu namorado fez a mesma coisa, mas com Brooke a situação parece ser aceitável).
Sobre o trauma de Sam, ele é revelado aos poucos durante o filme, alternando entre o antes e depois do acontecido, mas é possível juntar as pistas. Quando finalmente se revela que a personagem foi abusada sexualmente pelo pai de Brooke, a trama toma um rumo muito mais pessoal e obscuro. Mas infelizmente alguns momentos tensos são diminuídos pelo mesmo fluxo de piadas falhas que apenas não se encaixam no momento. Além disso, numa nota pessoal, o peso que o trauma teve na vida de Sam já estava claro antes da cena do abuso ser mostrada. Há uma cena no tribunal onde é literalmente revelado em palavras o que houve, e até aí o longa faz um bom trabalho em não retratar visualmente o que houve, até quebrar isso minutos depois numa cena despropositada e nojenta, servindo apenas para causar choque no sentido ruim da coisa.
Em geral, a obra deixa a desejar na sua estrutura, iniciando como um drama de adolescente desaparecida, até se misturar numa onda de flashbacks misteriosos e perder seu rumo numa repentina busca pela mesma garota do início e terminar com um final “feliz”, onde após um período de tempo indeterminado, Sam aparece curada do trauma, fazendo uma piada sobre abuso para a plateia no seu show de stand-up, e consequentemente trivializando todo o assunto do filme em seu último minuto. Rachel Sennott claramente não é o problema aqui, já que seus papéis em Shiva Baby (2020) e Bottoms (2023) marcam sua presença na comédia e no drama. Sua atuação tenta salvar o roteiro confuso, mas isso infelizmente não é suficiente para formar uma história coesa, e I Used to Be Funny termina como um conjunto de cenas desarticuladas, personagens chatos e um desfecho decepcionante.