CRÍTICA | Missão: Impossível – O Acerto Final (2025), Christopher McQuarrie

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Por Guilherme Reis


Redação RUA

Na segunda parte do sétimo capítulo, Ethan Hunt e sua equipe são encarregados de desativar uma inteligência artificial que está tomando conta dos arsenais nucleares ao redor do mundo.
Missão: Impossível – O Acerto Final (2025) é um filme que tenta celebrar um legado cinematográfico através de referências a outros filmes da franquia, de uma estrutura confortável e de uma unidade pouco elaborada. Em um mundo de espionagens cada vez menos complexas e cada vez mais descartáveis para o real objetivo do filme, a série liderada por Tom Cruise parece levar sua história a sério novamente, mas mantendo firme sua confiança nos atores e nas sequências de ação.
É estranho acreditar que um homem correndo contra o tempo pode ser a última barreira entre a civilização e o colapso nuclear. E, ainda assim, aqui estamos. Ethan Hunt se torna “o escolhido” e essa ideia ganha corpo, tensão e gravidade. Parte da grande qualidade dessa franquia está nessa busca por alternativas de imprimir ideias sensacionalistas numa encenação.
Parte da qualidade desses filmes, não diferente aqui, transparece na decupagem extremamente cuidadosa e na complexidade das cenas de ação, que, mesmo grandiosas, mantêm clareza e sentido. A câmera sempre sabe localizar o espectador no espaço – o que produz uma transparência – mesmo que os limites dele sejam sempre extrapolados (uma sequência em que Ethan percorre um submarino abandonado, sem falas, promove dificuldades a respeito de como recortar a cena em planos menores e maiores, como manter o perigo e como fazer aquilo parecer real). É essencialmente um cinema físico.
1.
Há algo de artesanal na maneira como essa nova fase de Missão: Impossível tem sido construída. A entrada de McQuarrie deu espaço para um estilo mais livre, que desconstrói suas próprias situações, mudando os caminhos da narrativa, proporcionando cada vez mais perigo para o protagonista e realizando uma decupagem mais acessível (em comparação com o tratamento de outros diretores). É possível até pensar em como essas características uniram ainda mais as visões de Tom Cruise e Christopher McQuarrie, já que elas podem ter levado a uma descomplicação na forma, prevalecendo uma liberdade na interpretação, seja no drama ou na ação.
Além disso, tornou-se mais perceptível uma obsessão em tornar tudo tangível: os cenários são reais, os corpos são reais e as famigeradas cenas de ação são “reais”. Isso transparece numa certa energia e no ritmo intenso que os filmes adquiriram, dando poucos intervalos para explicações e tornando as situações mais épicas. Nesse sentido, é uma marca de genuinidade que Tom parece só ter encontrado com esse diretor, que soube explorar mais deliberadamente seus esforços.
2.
No oitavo filme da franquia, é apresentada uma glorificação a figura do seu protagonista muito mais direta. Ethan Hunt é tratado não apenas como protagonista, mas como Tom Cruise. Esse efeito vem particularmente dos diversos flashbacks da primeira parte do longa, que nos apresenta cenas relevantes de outros filmes. Nessa metade, vemos o mundo por seus olhos, revisitamos suas memórias e compartilhamos suas tensões. Ele está em todas as cenas e sua presença é definitiva.
Até os diálogos expositivos e os flashbacks excessivos — ferramentas tradicionais que não se encaixam da melhor forma aqui — ganham um propósito: amarrar a jornada desse personagem que carrega nas costas não só a missão, mas a própria trajetória cinema de ação americano.
3.
A estrutura desse filme aposta em cenas mais isoladas entre si. Enquanto no sétimo filme, Missão: Impossível – Acerto de Contas (2023), já havia um distanciamento dos primeiros filmes de McQ, como Nação Secreta (2015) e Efeito Fallout (2018), que tinham um apelo na dinâmica incessante de ação. Aqui, o filme possui grandes sequências de ação que não chegam a ser integradas com o resto da obra. Essa falta de unidade se deve, em parte, por conta de algumas cenas de exposição de roteiro que quebram totalmente o ritmo, ferramenta tão importante para filmes anteriores de McQuarrie na série.
É possível associar isso com uma aposta mais segura dos realizadores, porque assume um foco muito evidente nas cenas de ação. Mas essa estratégia não funciona justamente porque esquece de dar algum resultado para diversos outros momentos do filme.
Nesses momentos, um suposto sentimentalismo tenta surgir, atrelado ao encerramento da jornada de Tom Cruise. As decisões de diversos personagens (como chefes de segurança e capitães de submarinos) são baseadas em instintos e não em protocolos, o que indica uma inclinação narrativa para o lado emocional do enredo, mesmo que isso seja menos realista. Sendo assim, o estilo de Christopher McQuarrie até se encontra bem-vindo, por estabelecer, até em cenas casuais, aspectos épicos e grandiosos. Uma decisão que soa intencionalmente ingênua e acaba se relacionando com um cinema de ação mais clássico, mesmo que completamente modernizado.
4.
Não é sobre salvar o mundo, mas sobre fazer isso a cada cinco minutos.
Nesse aqui, por mais que exista a ação recorrente, o “salvar o mundo” é colocado para o último minuto. O suspense não está só no presente (como parecia ser nos últimos três), mas também no futuro, na conclusão. A atmosfera de encerramento é presente de maneira excessivamente clara – seja através dos flashbacks ou dos diálogos expositivos – mas que, na verdade, não tem coragem de concluir de fato.
É frustrante o fato de que essa constante busca por reformular situações tenha sido ofuscada por suas piores partes, aquelas que tentam explicar a história. História essa que foi complexificada subitamente do sétimo para o oitavo filme, até pela tentativa de amarrar tudo no personagem de Tom. Não havia necessidade para uma narrativa com tantos personagens e detalhes, mas, uma vez que ela estava assim, não havia a necessidade de constantemente explicá-la, visto que os próprios realizadores sabem que o que interessa não está aí
Como em Top Gun: Maverick (2022), o inimigo aqui é impessoal. Não há nação, bandeira ou rosto. Há uma entidade, uma inteligência, e a descoberta de que essa ameaça nasce da própria história de Ethan. A escalada da tensão é reforçada quando o filme explicita os países com armamento nuclear em risco. Um contexto geopolítico que amplia o alcance da ameaça e a universaliza para o público, ao mesmo tempo em que reforça o discurso imperialista e individualista da cultura americana. O perigo é de todos, mas a responsabilidade é de um só homem.
Em resumo: Missão: Impossível – Acerto Final é um filme com altos e baixos, que parece até se autossabotar em alguns momentos. Por mais que sua estrutura seja falha, é uma experiência prazerosa para quem não esperava mais dos mesmos filmes de McQuarrie com a franquia. Em tempos em que tudo soa cínico, talvez um gesto interessante seja levar o heroísmo nostálgico a sério. E se tem alguém disposto a correr o risco (literalmente) é Tom Cruise.

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