Crítica | Entre Mulheres (2022), de Sarah Polley

Um interessante exercício para o estudo de filmes é se propor a observar os fotogramas inicial e final de uma obra, e em seguida compará-los. A escolha de um cineasta sobre quais imagens são ideais para começar e para encerrar seus longas-metragens revela muito sobre tais produções — não à toa, existem perfis em redes sociais que se dedicam exclusivamente a trazer comparativos desse tipo. Em Women Talking, a diretora Sarah Polley decide iniciar seu filme com um plano zenital da personagem de Rooney Mara, grávida, deitada, com um olhar desanimado e pernas à mostra revelando hematomas que prenunciam seus sofrimentos e sua submissão, em um contraste evidente com o plano final do longa: o bebê recém-nascido da personagem, enquadrado nessa mesma posição e olhando para o alto enquanto envolto nos braços da mãe. A angústia cedendo lugar à esperança.

Na obra, acompanhamos mulheres em uma colônia isolada que, aflitas após serem vítimas de agressões diárias, têm de decidir entre perdoar seus agressores, confrontá-los, ou se retirar do lugar onde vivem. Dessa forma, somos convidados, enquanto espectadores, a encarar um filme encenado com sobriedade, algo que se nota logo de cara através do formato “fechado” e prolongado da tela (em uma proporção de 2.79:1) e pela fotografia com cores pronunciadamente dessaturadas. O que poderia ser interpretado como um exagero imagético óbvio que ilustra a seriedade das temáticas abordadas consegue fugir do lugar-comum ao ir além de uma mera representação visual do conteúdo do filme, tratando também de um signo do estado emocional das mulheres que observaremos no decorrer da projeção, e auxiliando, assim, nas intensas interpretações do elenco.

Nessa conjuntura de homens responsáveis por perpetuar traumas através de atitudes como o estupro, a violência doméstica, a pedofilia e outros tantos tipos de abuso, o grupo de mulheres retratado em tela enfrenta dilemas profundos na abordagem de suas crenças e convicções, algo que se soma ao fardo de conviverem com cicatrizes físicas e emocionais, visíveis e invisíveis. A partir disso, as personagens reagem de maneiras diferentes às suas situações, mas compartilham do mesmo incômodo perante as injustiças vivenciadas, sabendo que uma atitude será necessária. Por isso, é sábia a decisão da diretora em dividir ao máximo o tempo de tela das atrizes, buscando ceder espaços de igual destaque ao que cada uma tem a acrescentar à discussão que é a essência da obra (isso também justifica a acertada escolha da distribuidora United Artists em não investir em campanhas que pudessem privilegiar integrantes específicas do elenco nessa temporada de premiações).

Flashbacks silenciosos auxiliam na exploração do passado e das aflições das personagens — embora alguns sejam inseridos pela montagem apenas para ilustrar metáforas já presentes em falas —, e, mesmo que o longa tenha optado por se pautar majoritariamente em um único ambiente, se ancorando na força de seus diálogos e centrando a sua ação nessas conversas, são nos momentos de silêncio que somos capazes de entender melhor sobre aquelas mulheres. Nos silêncios, encontramos o poder das multifacetadas interpretações em sutis olhares e gestos corporais, e a direção de Polley atesta sua magnificência quando tais momentos são interrompidos por risos e sorrisos. A direção de atores é tão virtuosa que presenciamos momentos de respiro das mulheres no pesadelo que estão vivenciando, verdadeiros instantes de refúgio encontrados nesses raros momentos de bom humor, ao mesmo tempo que, de forma implícita, essa felicidade momentânea se revela como uma tentativa desesperada de mascarar a profundidade de suas dores (como citado na narração em off, “as pessoas riem tanto quanto gostariam de chorar”).

O modo com o qual cada uma lida com a fé é outro dos grandes méritos do filme. Algumas personagens não tardam a questionar a validade de sua doutrina se isso for um sinônimo de preservação das injustiças, outras recorrem a esta religiosidade como uma busca por fortaleza em uma tentativa de viverem em paz consigo mesmas e, finalmente, há aquelas que encontram respaldo na fé para enfim se rebelarem e confrontarem seus abusadores sem medir esforços. Torna-se fascinante ver esse grupo de mulheres com diferentes perspectivas se unindo para tentar descobrir como poderão ser capazes de seguir em frente, mudar de vida e remodelar o mundo no qual elas vivem, e, para possibilitar isso, a obra não busca, em momento algum, condenar as perspectivas das personagens, compreendendo que os erros não estão em nenhuma delas, mas em seus abusadores e nos cúmplices destes. A dificuldade em encontrar a resposta ideal à condição que as aflige não se deve às opiniões divergentes ou aos desentendimentos que surgem a partir disso — é uma consequência da constatação de que essas mulheres nunca antes tiveram a possibilidade da escolha. Agora, o poder de decisão pertence a elas.