Depois de Tudo (Rafael Saar, UFF, 2008)

Depois da despedida, a espera. Depois da espera, a volta. Depois de tudo, o que mais querem é estar juntos e um dia basta para esperarem pelo próximo. Esta é a sinopse do curta-metragem Depois de tudo, um curta premiado em diversas categorias, como em 2009, por Destaque em Construção Narrativa no Festival Brasileiro de Cinema Universitário, e em 2010, Melhor Filme Estrangeiro no UNCIPAR – Jornadas Argentinas de Cine y Video Independiente.

Por Sofia Gentil Mussolin*


RUA: Qual foi o papel da sua faculdade no processo de realização do seu curta? Como foi o processo de produção dele?

Rafael Saar: Estudei Cinema na Universidade Federal Fluminense (UFF) e em 2008, ano de minha formatura, eu havia filmado um curta-metragem em 35mm chamado Homem-ave, e por conta de burocracias da universidade, o filme estava atrasado, demorei mais um ano para poder assistir ao que havia sido registrado em janeiro. No início deste projeto, um curta-metragem experimental sobre o cantor Ney Matogrosso, além de conhecê-lo, iniciei um estudo sobre o conceito de cinema de prosa/poesia, através da obra do realizador Joel Pizzini, que também iniciava seu documentário Olho Nu, coincidentemente sobre o Ney, o que me levou imediatamente, além da pesquisa, a trabalhar com Joel. Estar em projetos tão longos em seu processo, me trouxeram uma urgência em produzir algo que tivesse um resultado mais imediato. Acredito que este momento, de estudo sobre a linguagem poética cinematográfica, a aproximação com Joel e Ney, e ter realizado o Homem-ave, inteiramente adaptado de poemas, tenham me levado a escrever o roteiro do Depois de tudo, em que busquei uma certa simplicidade de um roteiro que eu pudesse realizar em algumas poucas semanas. A princípio, além de escrever, dirigir e montar, era uma ideia, eu e dois atores. Busquei personagens que tivessem talvez um perfil inédito na representação dramatúrgica que eu conhecia e pude pesquisar, de um casal gay entre idosos, ali em um romance cotidiano. Uma semana após o roteiro pronto, encontrei dois atores fantásticos, o Ney Matogrosso e o Nildo Parente, o que me levou a entender que o filme não seria tão simples, e pensei em aumentar a equipe e a estrutura de produção. Veio assim uma equipe que entendeu esse processo e trouxe idéias e olhares fundamentais ao filme, como a colaboração na direção da Maria Fernanda Corrêa (que também fez os figurinos), a fotografia super sensível do Nicolas Contant, praticamente sem estrutura de luz; o desenho de som premiado do Eduardo Silva; e a direção de arte do Luciano Fernandes, que dentro disso transformou o apartamento de uma amiga com todos os objetos e na construção do lustre-homenagem ao “A liberdade é azul”, de Kieslowski. Uma semana depois do elenco fechado, filmamos em uma única diária e locação, e em mais um mês, o filme estava pronto.

RUA: Como foi sua experiência e a da equipe com os atores do curta, pessoas já consagradas no Brasil? Como foi a direção de atores?

RS: Na busca pelos atores, a atriz Isabella (a eterna Capitu de Saraceni) trouxe o nome de Nildo Parente. Fui naquela semana à pré-estréia de “Cleópatra” de Bressane, filme em que Nildo atuava, e falei brevemente do filme. No dia seguinte levei o roteiro de duas páginas para que ele conhecesse, e nesse mesmo dia estava numa pesquisa com Ney Matogrosso, para o filme de Joel. Sem pretensões lhe mostrei o roteiro, e naquele mesmo dia os dois confirmaram que participariam, ambos por nunca terem visto nenhum personagem parecido antes. Fizemos uma leitura do roteiro juntos, lapidamos os poucos diálogos, e depois foi na filmagem que chegamos na construção do tom e do tempo do filme. Eram personagens que eram de certa forma próximos a eles, sem muita caracterização, o que trouxe o desafio de realizar um filme que tinha todo um imaginário, por exemplo de um Ney Matogrosso da liberação sexual, e que ali faz um homem supostamente “enrustido”. Nildo é um ator de cinema, fez mais de 60 filmes com os maiores realizadores brasileiros, e teve muito destaque sempre com papéis coadjuvantes, e ali fazia um protagonista. Quer dizer, no filme não há separação entre os atores e os personagens sem nome, e isso foi um grande desafio e aprendizado.

RUA: A história da forma como foi abordada é um tabu para a sociedade, a reação dos espectadores do curta mostrou isso?

RS: Depois de tudo foi bastante exibido e ainda hoje tenho um retorno muito positivo dos espectadores a partir do filme. Tive a oportunidade de assisti-lo fora do país, no Festival de Munique, e vi que talvez minha maior insegurança, se a resposta viria pela presença de um elenco estelar, numa platéia onde eram atores desconhecidos e que todo o imaginário que citei antes não existiria, vi que o filme continuou funcionando. Recentemente disponibilizei o filme no Youtube, e continuo vendo os comentários, principalmente em blogs e sites latinos, e o aspecto que sempre é abordado é a sexualidade naquela idade. Fala-se muito menos no fato de serem gays, e mais na construção de uma relação sugerida de personagens que mantém um caso sigiloso e em sua solidão. E de fato, acho que isso foi possibilitado por um roteiro que trouxe esse ineditismo nos personagens, mas de uma forma extremamente cotidiana e naturalista, de um casal que janta, assiste a um filme, faz sexo, dorme e se despedem no dia seguinte.

RUA: Como foi a preparação do roteiro? A ideia inicial surgiu como?

RS:O roteiro de Depois de tudo foi escrito em uma noite, dentro da idéia de ter um projeto que pudesse ser feito sem dinheiro, com uma estrutura de equipamentos muito simples, numa diária e uma locação. Assim veio o casal e o apartamento, e a narrativa que mudava de acordo com a chegada do outro homem, talvez mais claramente através do universo sonoro que passa do silêncio da solidão e da preparação; a chegada de Ney e os diálogos despretensiosos; o filme que invade e se mistura à diegese no sexo; e a cena final.  Sensorialmente é explorada a relação tátil do personagem de Nildo, que marca a construção de sua relação com o outro e com o ambiente através de seu contato com as mãos. O outro personagem, de Ney, traz uma segurança maior no diálogo, e uma fragilidade na cama, e deixa entender que apesar de sua intimidade e presença frequente ali, tem uma outra vida, que muitas vezes é apontada como uma mulher, ou uma mãe. São pequenos elementos sensoriais, cênicos e narrativos, que unidos constroem uma relação de complexidade entre os dois personagens que extrapola aquela noite, trazendo toda a carga de intimidade e distância, passado e presente, presença e solidão, que existem no amor.

FICHA TÉCNICA

Produção: Erico Silva Muniz
Fotografia: Nicolas Contant
Roteiro: Rafael Saar
Edição: Rafael Saar
Som Direto: Eduardo Silva
Direção de Arte: Luciano Fernandes
Montagem: Rafael Saar da Costa
Escola Produtora: UFF

*Sofia Gentil Mussolin é graduanda do curso de Imagem e Som na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e editora da seção Curtas na Revista Universitária do Audiovisual


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