Homens de Preto 3 (Barry Sonnenfeld, 2012)

Por Arthur Souza Lobo Guzzo*

Imaginemos, por um breve instante, que existem agentes públicos, pagos com dinheiro do contribuinte, cuja função primordial é esconder evidências de ETs em atividade na Terra, bem como combater, por vezes com a devida agressividade, as eventuais ameaças que tais seres possam vir a causar. Utilizando tecnologia alienígena, que foi assimilada em décadas de encontros com seres interplanetários, eles apagam a memória das infelizes testemunhas das aparições para evitar que a verdade venha à tona. Imaginado à risca, esse cenário, que para muitos não é distante da realidade, pode ser sombrio e assustador.

Há cerca de quinze anos, o primeiro filme da série Homens de Preto (MiB – Men In Black) chegou aos cinemas e virou essa proposta do avesso. Foi uma curiosa aposta de Steven Spielberg e do diretor Barry Sonnenfeld, e o sucesso foi imediato, por vários motivos. Pode-se citar a boa premissa de uma comédia de ficção científica que gira em torno dos supracitados agentes e suas agruras diárias, transformando algo com potencial para o obscuro em motivo de piada. A leveza com que o filme lidava com tais temas – a começar pela própria questão da existência (ou não) de vida extraterrestre, que é motivo de grande ansiedade para muita gente – funcionou perfeitamente.

E, é claro, o êxito se deve em grande parte à boa química da dupla de protagonistas, principalmente quando olhamos para um ator da grandeza de Tommy Lee Jones, que inspira confiança total até mesmo em um papel cômico. É bem verdade que Jones pode ser considerado o grande responsável pelos ótimos resultados que a série obteve, funcionando como uma espécie de rocha firme sobre a qual o grande edifício de delírios fantasiosos que envolvem o enredo se alicerça. Depois de uma sequência bastante insossa (MiB II),  o terceiro filme da franquia pode ser considerado um sucesso, justamente porque volta a investir no agente K (T.L. Jones), dessa vez como ponto crítico da trama. Mesmo que Jones apareça por pouquíssimo tempo, o jovem agente K, interpretado com maestria por Josh Brolin, é um substituto perfeitamente à altura.

Os eventos de MiB 3 se iniciam quando um criminoso alienígena, conhecido como Boris, o Animal (interpretado pelo pouco conhecido Jemaine Clement), escapa de uma prisão lunar e vai atrás do agente K, o responsável por sua prisão e pela perda de um dos seus braços.

Boris utiliza um dispositivo que permite saltos temporais, e, voltando à época em que foi preso por K, consegue assassinar o agente, apagando-o do seu futuro. Cabe ao agente J (Will Smith) voltar no tempo, utilizando o mesmo aparato, e impedir que isto aconteça. É claro que, de todos os filmes que lidam com viagens temporais, MiB 3 é um dos mais simples. Exemplos como Os Doze Macacos e até mesmo a série Exterminador do Futuro lidaram com a questão de forma mais profunda. Mas, para o que o filme propõe, a abordagem é válida. Mesmo porque dá a oportunidade de apresentar um personagem que é bastante importante: o alien Griffin, que pertence a uma raça de seres hiperdimensionais, que conseguem enxergar diferentes realidades e percebem o tempo de forma quântica, como algo fluido, que está acontecendo continuamente, independentemente de passado ou futuro.

Um ponto relevante a ser destacado é o revisionismo histórico, tendência na Hollywood atual na qual o filme pega carona. Em X-Men: First Class, a Crise dos Mísseis, talvez o mais perto que chegamos de uma guerra nuclear, foi arquitetada diretamente por um mutante sinistro que tinha sua própria agenda. Em Transformers: Dark of the Moon, a corrida à lua da década de 1960 foi causada pela descoberta de uma nave alienígena de Cybertron, que caiu no satélite natural. Em Watchmen, a invasão soviética do Afeganistão, em meados da década de 1980, foi causada pelo autoexílio do super-herói Dr. Manhattan, que até então era uma peça fundamental na política externa do governo americano.

Da mesma forma, em MiB 3, temos uma interessante justaposição entre o confronto Boris versus Agente K, viagens temporais e o lançamento da espaçonave Apollo 11, que serve de maneira específica aos eventos do roteiro. Embora essa tendência seja bastante interessante – não deixa de ser curioso pensar em como eventos da nossa história possam ter sido influenciados e/ou causados por seres fantasiosos, pode também ser considerada como um indício de que a ficção por si só já não caminha com suas próprias pernas. Filmes baseados em fatos que aconteceram já são feitos à profusão, como se algo que nunca aconteceu de verdade não possa ter um impacto significativo sobre os espectadores.

Faz-se necessário comentar, ainda, dois pontos bastante positivos. O primeiro é a combinação entre a eficiente direção de arte, a fotografia asséptica de Bill Pope (da série Matrix) e a maquiagem simplesmente espetacular do veterano Rick Baker. As sequências que se passam nos anos 60 são um deleite, desde as homenagens aos antigos filmes de ficção científica até uma inclusão totalmente inesperada, e bem-vinda, de Andy Warhol (interpretado pelo comediante Bill Hader). Quanto a Rick Baker, é de se imaginar como um trabalho como este deve lhe trazer grandes doses de satisfação. Para alguém que é uma autoridade em efeitos de maquiagem, um filme desse tipo deve ser o equivalente a uma viagem à Disneylândia para um pré-adolescente.

O segundo ponto positivo, mas não menos importante, é o trabalho sensacional de Josh Brolin como o jovem agente K. Mais do que simplesmente imitar os maneirismos e os trejeitos de Tommy Lee Jones de forma muito eficiente, Brolin investe em um personagem à parte, novo, que se destaca de maneira incontestável. O perigo de se tornar apenas uma caricatura de T.L. Jones era evidente, mas o ator soube contornar esse risco de forma bastante clara. Tudo isso regado às piadas de sempre, algumas delas impagáveis – um bom exemplo é a informação de que um desejo repentino por leite achocolatado é um sintoma grave de envolvimento em saltos temporais.

Apesar de ser entretenimento puro e simples, com merchandising e tudo, MiB é um pouco mais complexo. O sucesso desses filmes mostra que eles triunfam em um nicho peculiar, pois mexem com teorias conspiratórias. A série Arquivo X seria outro exemplo. Isso demonstra uma especificidade grande para o público norte-americano, para quem até mesmo temas que são polêmicos, que deveriam dar abertura à discussão e reflexão – como o governo agressivamente ocultando a verdade de seus cidadãos – são motivo para criar um entretenimento mainstream. E nada melhor do que tirar sarro das próprias paranóias ao ver Tommy Lee Jones entregando uma piada com aquela cara sisuda de texano, sem nem esboçar um sorriso.

*Arthur Souza Lobo Guzzo é graduado em Comunicação Social pela PUC-Campinas e em Ciências Sociais pela Unicamp.

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Este post tem um comentário

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    Lulu

    Muito boa a crítica. Eu também adorei o filme!

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