Ímpar Par (Esmir Filho, FAAP, 2005)

Por Fernanda Sales, Jéssica Agostinho e Gabriel Ribeiro*

A seção Curtas da RUA traz, nessa edição de Agosto, uma entrevista exclusiva com o cineasta Esmir Filho, diretor, entre outros projetos, dos curtas-metragens Alguma Coisa Assim, Saliva e do longa Os Famosos e os Duendes da Morte. A entrevista aborda o processo de criação e filmagem do curta-metragem Ímpar Par (2005), produzido enquanto Esmir era aluno da FAAP.

RUA: Qual era o contexto da sua vida de universitário quando surgiu e se materializou a idéia de Ímpar Par?

ESMIR FILHO: Por um lado, havia muita prepotência nos discursos dos curtas produzidos na faculdade. Muita prepotência e pouca experiência, pouca vivência. Por outro, acabamento estético zero, sem o menor cuidado com a narrativa, decupagem de planos, conceito de arte e fotografia. Por isso, eu quis fazer um filme simples, uma fábula que comunicasse por sua singeleza. O intuito era que todas as áreas pudessem experimentar o diálogo com a dramaturgia. Por isso a decupagem detalhada em múltiplos ambientes que instigou a fotografia, a arte preparada para temperar a estória, a organização e precisão da equipe de direção e elenco. No mesmo clima, o ritmo da montagem e a musica que preenche o espaço. Enfim, o roteiro proporcionou que todas os cabeças de equipe pudessem mostrar o seu trabalho. Era isso o mais importante para um Trabalho de Conclusão de Curso.

RUA: Como foi o processo de montagem da equipe de trabalho e da aquisição de verba?

EF: Nos organizamos na própria sala de aula. Foram 4 roteiros escolhidos para serem realizados como TCC. Um deles foi a minha fábula, IMPAR PAR. Eu queria dirigir o filme. Por grau de afinidade, uniram-se a mim o fotografo, a diretora de arte e outros alunos que iriam se formar na área que exerceriam. Existia todo suporte de equipamento, câmera e parte dos negativos da FAAP. O restante, eu paguei do meu bolso. Estava trabalhando como assistente de direção em publicidade e isso me ajudou a investir no projeto. Para finalização, tive que ir atrás de patrocínio. Foi aí que a NIVEA entrou apresentando o filme.

RUA: Como foi feita a ponte com a produtora Ioiô Filmes?

EF: Eu conheci os sócios da Ioiô filmes. Eles assistiram ao Ímpar Par e outros trabalhos meus e me convidaram para fazer parte do grupo de diretores da produtora. A partir daí, eles cuidaram da distribuição do curta para os festivais e canais de televisão. Os próximos curtas, eu produzi na própria Ioiô Filmes.

RUA: Como a universidade contribuiu para a realização desse projeto e para sua própria formação profissional e pessoal?

EF: A faculdade foi um espaço de encontro entre amigos que até hoje fazem parcerias comigo. Foi um lugar que eu aproveitei muito. Desde as discussões teóricas até o aproveitamento do espaço físico. Como muitos dizem e com razão, você é a faculdade. Está no modo como você se aproveita dela. E eu pude aproveitar de toda infra-estrutura para fazer o meu primeiro curta em 35mm, que rodou festivais nacionais e internacionais, ganhando premio máximo no MOLODIST, festival importante de primeiros filmes em Kiev, Ucrânia. Esse curta feito na universidade me abriu portas para continuar mostrando meu trabalho nos festivais de cinema.

RUA: Quais foram os maiores obstáculos para a realização desse projeto e as respectivas soluções?

EF: Manter a organização, transmitir segurança para todos os envolvidos, administrar os ânimos durante o processo, trazer seriedade ao trabalho, exigindo profissionalismo de todos os colegas. A profissionalização do curta é muito importante, para que fuja dessa idéia “curta de galera”. Do tipo: vamos lá, vamos meter a cara, vamos chamar um amigo pra atuar. Eu nunca trabalhei assim. Realizar um curta exige seriedade e profissionalismo. Preparação, divisão justa de funções e comprometimento.

RUA: O que escrever e dirigir o projeto exigiu de você e sua habilidade técnica e estética?

EF: Eu diria meu envolvimento com o projeto. Habilidade estética e técnica não trazem vida ao filme. Pode até criar uma peça audiovisual bem construída. Mas só o envolvimento completo do autor – roteirista e diretor – faz o filme ter alma.

RUA: Ímpar Par foi indicado e recebeu vários prêmios, nacionais e internacionais, incluindo Melhor Filme no Festival Internacional de Cinema de Kiev. Como foi essa experiência e como você enxerga a importância dos festivais no cenário da produção universitária?

EF: Como disse acima, toda minha carreira em festivais começou com Ímpar Par. O prêmio em Kiev trouxe visibilidade ao meu trabalho no exterior diante dos diversos curadores que atenderam o festival. E assim vão surgindo convites, eles se interessam pelo seu próximo trabalho e você entra em contato com pessoas incríveis, que se relacionam com o seu modo de olhar para o mundo. Foi muito importante ter feito algo que eu realmente acreditava na faculdade e ter me envolvido no processo.

RUA: Você já declarou, em outras entrevistas, uma relação de carinho com a realização de curtas-metragens e “pequenas histórias”. Como foi a transição para a produção de seu primeiro longa, Os Famosos e os Duendes da Morte?

EF: Acho que meus curtas foram explorando cada vez mais aspectos sensoriais. O estado das coisas. Menos trama, mais sentimento. Um estudo de como imagem e som podem relacionar-se entre si de forma não óbvia, criando uma conexão com o espectador, que se expõe diante da atmosfera que aborda o inconsciente. O curta SALIVA foi a minha ponte para o longa. Nele, eu explorei a subjetividade da mente de uma garota. Sem ele, não poderia ter realizado o longa.

RUA: Durante a produção de Ímpar Par, você possuía o interesse pela temática adolescente, que impulsionaria suas obras posteriores?

EF: Não. O que nos move são as nossas urgências e questões. Eu acreditava no amor puro, singelo. Nas reviravoltas que nos levam para o caminho do conforto. Na verdade, era o que eu entendia na época sobre o amor. Eu era muito ingênuo. Eu me enxergo no filme. Talvez essa seja uma qualidade minha: sempre ser sincero com meu olhar sobre o mundo. As certezas caem, a vida te mostra outras coisas e você passa a ter outras certezas. Eu me vejo em cada filme que eu fiz. E olho para cada um com muito carinho.

RUA: Como é, atualmente, seu contato com obras, projetos e estudantes universitários?

EF: Em relação aos curtas que andam produzindo, devo admitir que estou defasado. Queria poder assistir mais aos curtas universitários, ver o que está rolando. Mas eu tenho contato muito próximo com estudantes, porque gosto muito de conversar sobre cinema, fazer bate-papos em universidades, falar sobre a minha experiência. Gosto de estimulá-los a seguir confiante na carreira.

RUA: Com quais projetos está envolvido atualmente?

EF: Meu próximo longa-metragem A BALEIA e a peça-instalação KOLLWITZSTRASSE 52.

*Fernanda Sales, Jéssica Agostinho e Gabriel Ribeiro são graduandos do curso de Imagem e Som da UFSCar e editores da RUA.

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