Laurie Strode (1978): A construção semiótica dos estereótipos da “final girl”

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Por: Ives Natan de Castro Maia Menezes (Uni7/PROUNI) e Isabela Cristina Carneiro Caldas (UFC/CAPES)

RESUMO

Os filmes de terror são importantes para a cultura contemporânea, explorando medos, abordando questões sociais e impulsionando a inovação cinematográfica. Em 1978, o filme Halloween: a noite do terror foi lançado, mesmo com baixo orçamento, tornou-se um marco no cinema de terror. Introduziu conceitos importantes para o subgênero slasher, como a personagem final girl. O artigo busca investigar as características do gênero de terror, destacar a importância do filme Halloween (1978) e realizar uma análise semiótica da personagem Laurie Strode. Os aportes teóricos incluem Clover (1992), Silva (2021), Greimas (2008), Barros (2001), Fiorin (2001), Bordieu (1989) e Baudrillard (2004).

Palavras-chave: Semiótica, Laurie Strode, Halloween, Final Girl.

ABSTRACT

Horror films play a vital role in contemporary culture by exploring human fears, addressing social issues, and driving cinematic innovation. In 1978, the film “Halloween” was released, becoming a milestone in horror cinema. It introduced concepts essential to the slasher subgenre, including the iconic final girl character. This article investigates the fundamental characteristics of the horror genre, highlights the significance of “Halloween” (1978) in the film industry and horror culture, and conducts a semiotic analysis of Laurie Strode as the pioneering final girl character. Theoretical contributions include Clover (1992), Silva (2021), Greimas (2008), Barros (2001), Fiorin (2001), Bordieu (1989), and Baudrillard (2004).

Keywords: Semiotics, Laurie Strode, Halloween, Final Girl.

INTRODUÇÃO

Os filmes de terror desempenham um papel importante para a cultura contemporânea, pois através de suas representações de medo e perigo, muito pode ser dito sobre determinada sociedade ou época. Dessa forma, explorando medos humanos, proporcionando alteração emocional, abordando questões sociais, impulsionando a inovação cinematográfica e criando comunidades de fãs, tornam-se uma forma de entretenimento e expressão artística que pode nos fazer refletir sobre nossos próprios temores e desafiar as convenções culturais.

Foi dentro desse espectro que em 1978 o filme Halloween: a noite do terror foi lançado. Mesmo com baixo orçamento e sem contar com uma distribuidora para lançá-lo nas salas de cinema do país, o longa-metragem dirigido por John Carpenter foi um sucesso, tornado-se um marco para o cinema de terror e uma franquia longínqua. Além do sucesso monetário, o filme introduziu conceitos e aportes narrativos que se tornaram fundamentais para o subgênero slasher, dentre eles a personagem final girl 一 a garota que se torna a última sobrevivente nos filmes do gênero, normalmente contando com um arco evolutivo de garota “recatada” à vingadora dos seus amigos assassinados.

Dessa forma, buscaremos investigar as características fundamentais do gênero de filmes de terror, com foco específico no subgênero slasher; destacar a importância e o impacto do filme Halloween (1978) na indústria cinematográfica e na cultura do terror; realizar uma análise semiótica de como a personagem Laurie Strode, do filme Halloween (1978), iniciou os pré-supostos que caracterizam a personagem final girl.

Como aporte teórico optamos por usar Clover (1992) e Silva (2021) para a abordagem acerca do cinema de terror. Para analisarmos o filme Halloween: a noite do terror (1978), optamos pelo critério da análise semiótica, usando como contribuição teórica o método discursivo de Greimas (2008), com reforço de Barros (2001) e Fiorin (2001); Bordieu (1989) para a análise das relações de poder; Baudrillard (2004) para a interpretação em torno da alusão das cores. O presente artigo está divido em três seções. Na primeira parte, “Filmes de Terror: Um Análise do Gênero”, irá evidenciar as características fundamentais dos filmes de terror, com foco específico no subgênero slasher. A segunda seção “Halloween (1978) e seu impacto na cultura do terror”, irá abordar o impacto cultural que o longa-metragem teve no cinema, sobretudo no terror, com foco em seu pioneirismo na introdução da final girl e todas as “regras” que permeiam esse personagem. A terceira “A Simbologia da Pureza e da Corrupção em Halloween (1978)”, buscará através do método semiótico o percurso gerativo de sentido 一 fundamental, narrativo e discursivo.

FILMES DE TERROR: UMA ANÁLISE DO GÊNERO

Inspirado pela literatura gótica, logo nos primórdios do cinema, surge o gênero terror. O famoso ilusionista e cineasta francês Georges Méliès realizou seu primeiro filme de terror no século XIX, um curta-metragem chamado A Mão do Diabo (1896). O gênero alcançaria novamente relevância nas décadas de 1920 e 1930, quando a Universal Studios lança “monstros clássicos da Universal”, entre os títulos da franquia estavam O Corcunda de Notre-Dame (1923), Drácula (1931) e  Frankenstein (1931).

O terror é um gênero conhecido por buscar evocar sensações de medo, suspense e tensão nos espectadores. Conforme Silva (2021), o terror é o retrato da sociedade de uma determinada época, pois, através dele é retratado os medos e ansiedades daquele período e é “justamente essa uma das características que atrai público para o horror, uma ressonância com as questões reais e presentes para o espectador.” (SILVA, 2021, p.98). Para conseguir alcançar esse objetivo, algumas características são frequentemente observadas em obras do gênero. Um dos pontos fundamentais é a construção da atmosfera sombria, opressiva e assustadora. Por meio de iluminações escuras, trilha sonora intensa e imagens confusas ou perturbadoras, a sensação é criada. Para a construção do suspense e apreensão, é característica uma narrativa com progressão cuidadosa, dessa forma, busca-se evocar no espectador apreensão e medo do que está por vir. Porém, é importante ressaltar que existem diversos subgêneros de terror e cada um pode apresentar características distintas como, terror psicológico, sobrenatural, violência gráfica entre outros.

A título de exemplo, o subgênero slasher  —  termooriundo do verbo slash, que significa cortar, golpear, retalhar — é caracterizado por apresentar um serial killer que persegue suas vítimas, normalmente um grupo de jovens “sexualmente ativos”, conforme Silva (2021), e mata um a um de maneira violenta usando objetos cortantes, com exceção da final girl: a sobrevivente virgem. Segundo Clover (1992), essa característica o torna um subgênero pré-tecnológico, visto que há um apego a objetos como punhais, facas, serras — “o uso de armas primitivas” (SILVA, 2021, p. 114) — e a ausência de armas de fogo, além da falha recorrente nos carros, elevadores e telefones.

HALLOWEEN (1878) E SEU IMPACTO NA CULTURA DO TERROR

O filme Halloween: a noite do terror (1978), dirigido por John Carpenter, aborda a história de Michael Myers, um garoto que assassina sua irmã mais velha na noite do dia das bruxas. Após o acontecimento, Myers é internado no hospital psiquiátrico, onde permanece por 15 anos. Porém, Michael Myers foge do manicômio e persegue um grupo de adolescentes. Dentre os jovens está Laurie Strode (Jamie Lee Curtis), uma adolescente que está se preparando para o serviço de babá que irá realizar durante a noite. Conforme a noite avança, Laurie percebe que está sendo perseguida e observada por um homem misterioso, que inicia uma onda de assassinatos.

O filme representa um marco para a história do terror, pois estabeleceu os elementos narrativos para a construção do subgênero slasher. A ramificação se tornaria um grande sucesso na década de 1980, com diversos longas-metragens que seguiriam a fórmula: um serial killer perseguindo um grupo de jovens. A título de exemplo, podemos citar Friday the 13th (1980), Sleepaway Camp (1983), A Nightmare on Elm Street (1984), entre outros.

Dentre os elementos narrativos estabelecidos pelo longa-metragem de John Carpenter, estava o que anos mais tarde seria conhecido como final girl: a última sobrevivente. De acordo com Clover (1992), a final girl geralmente possui características específicas que a distinguem das outras personagens do filme. Ela costuma ser retratada como uma jovem recatada sexualmente e mais introvertida que os demais jovens. Enquanto outros personagens podem se envolver em comportamentos de risco ou agir de maneiras consideradas socialmente questionáveis, a final girl segue um código moral conservador.

No fundo do monte de horror está o filme slasher (ou splatter ou shocker ou stalker): a história imensamente generativa de um psicopata que mata brutalmente uma série de vítimas, na maioria mulheres, uma por uma, até que ele seja subjugado ou morto, geralmente pela única garota que sobreviveu. (CLOVER,1992, p. 21)

O código moral que constrói o arquétipo da final girl, reflete diretamente o cenário político que os Estados Unidos da América estavam vivendo naquele momento. De acordo com Silva (2021), essa construção moralista está ligada à inserção da religião no cenário político e cultural contrapondo-se aos movimentos sociais que lutavam por pautas femininas, gays e negras. Em conciliação com os elementos narrativos e característicos da final girl, o longa-metragem Halloween, irá corroborar com o discurso punitivista aos personagens que fogem das regras estabelecidas por valores morais, principalmente quando se trata de sexo, um fator que cruza as linhas de gênero, visto que na “maioria dos filmes de terror depois de 1978 (após o Halloween), homens e meninos que buscam sexo “errado” também morrem” (CLOVER, 1992, p. 34).

A SIMBOLOGIA DA PUREZA E DA CORRUPÇÃO EM HALLOWEEN (1978)

— Don’t you know the rules?

— What rules?

(SCREAM, 1996, 01:13:25)

A noite do terror, em Halloween (1978), inicia em 1963 colocando as regras à mesa, visto que os primeiros minutos são marcados por uma observação em primeira pessoa. Michael Myers — na cidade de Haddonfield, Illinois — com 6 anos, após retornar sozinho de sua noite das bruxas, percebe que sua irmã, Judith Myers, está acompanhada do namorado e a partir desse momento seu julgamento começa e as regras de sobrevivência são visualmente expostas: a nudez e os lençóis bagunçados determinam a sentença dos corrompidos. Nesse primeiro momento, é possível testemunhar a presença de um “poder simbólico […] invisível” (BOURDIEU, 1989, p. 7) que define o destino das vítimas, mesmo os “que não querem saber que lhe estão sujeitos” (BOURDIEU, 1989, p. 7), e guia as atitudes do assassino, este o encarregado do cumprimento do veredito — o carrasco.

Imagem 1 – A morte de Judith Myers

Fonte: Halloween, de John Carpenter (1978).

Samuels fala aqui sobre o destino. O destino de várias vidas. Independente do rumo que Collins tomasse… seu destino estava predestinado. Sua sorte estava acertada. A ideia é de que o destino é muito real. Algo que toda pessoa tem que enfrentar. Qual a diferença entre Samuels e Kostain, Laurie?

— Kostain ligou o destino apenas à religião. Para Samuels, era algo natural, como terra, ar, fogo e água.

— Exato. Samuels personificou o destino. Nos textos dele, ele é imutável. Como uma montanha. Ele permanece enquanto o homem passa. O destino nunca muda. (HALLOWEEN, 1978, 00:15:42, grifo nosso)

No entanto, em um uma análise geral da ambientação do longa-metragem, fica evidente que apesar dos envolvidos se dirigirem a um destino definitivo, como o diálogo anterior tenta expor, fica explícito que, na verdade, o poder simbólico invisível que paira sobre a vida das vítimas é subordinado (BOURDIEU, 1989, p. 15) à outra forma de autoridade: a religião, que “por intermédio dos ideólogos conservadores […] verdadeiramente servem os interesses dos dominantes” (BOURDIEU, 1989, p. 12), e sua personificação está em Michael Myers. Além disso, outra particularidade que confirma a presença de um critério de valor religioso é o personagem do Dr. Samuel Loomis, que frequentemente age como um “profeta do juízo final”, visto que ele é o responsável por alertar os perigos a todos, mas ninguém o ouve: — Ele está indo para Haddonfield. Eu o conheço, sou o médico dele! Vocês precisam se preparar. Caso contrário, vão morrer (HALLOWEEN, 1978, 00:19:10).

Consequentemente, o poder simbólico invisível discutido até aqui cria uma realidade que “tende a estabelecer uma ordem” (BOURDIEU, 1989, p. 09) uma espécie de conjunto de regras a serem seguidas, caso você queira sobreviver ao “bicho-papão”. Como efeito dessa ordem estabelecida, a construção semântica do filme transita entre os valores morais de “pureza” (valor positivo eufórico) e “corrupção” (valor negativo disfórico), considerando que “Eufórica é a relação de conformidade do ser vivo com o meio ambiente, e disfórica, sua não-conformidade” (BARROS, 2001, p. 33).

Imagem 2 – Quadrado semiótico da pureza e da corrupção em Halloween (1978)

Fonte: Adaptação do quadrado semiótico de Greimas e Courtes (2008)

No nível fundamental, fica explícito as várias formas da conformidade ao ambiente representadas pela “pureza” de Laurie. Primeiramente, uma das características mais visíveis é como a jovem se veste: com saias, meias longas, sapatos fechados, camisas com gola rolê, casacos que seguem até o pulso — tudo em cor neutra, tradicionalmente “carregada de alusões e morais” (BAUDRILLARD, 2004, p.38) — e uma despreocupação sútil com os cabelos. Outro aspecto que marca sua “virtude” é o fator estudiosa, marcado pelos inúmeros livros que sempre carrega: “— Olhe pra você, quantos livros! Precisa de um carrinho de mercado” [Lynda Van] (HALLOWEEN, 1978, 00:20:24). Além de um desinteresse para os programas dos jovens da sua escola: “— O jogo é à tarde, vou arrumar o cabelo às 17h, e o baile é às 20h! Vou estar exausta! [Lynda Van] — Não é muita coisa” [Laurie Strode].

Contrária a relação de “pureza” temos, também, explicitamente as várias formas de não-conformidade ao ambiente, representadas na personalidade “corrompida” de suas amigas Lynda Van e Annie Brackett. Como nos elementos da “pureza”, a “corrupção” aparece primeiramente nas fomas de se vestir, que apesar de seguirem os tabus da época, alguns elementos se sobressaem, como: calças mais justas que marcam a cintura e o uso evidente de cores vivas — contrária as de Laurie — a preocupação exagerada com a aparência, marcada pela bolsa cheia de utensílios estéticos, o abuso de drogas legais, além de uma despreocupação com os estudos: — Livros pra quê? Não preciso deles. Sempre esqueço meus livros. Não tem importância. [Lynda Van] (HALLOWEEN, 1978, 00:21:47) e da desaprovação da vida recatada de Laurie: — Você nunca sai. Deve ter uma fortuna de tanto trabalhar como babá [Annie Brackett]. — Os caras me acham inteligente [Laurie Strode]. — Eu não, acho que é doida [Annie Brackett] (HALLOWEEN, 1978, 00:24:57). Juntos esses elementos configuram um prelúdio a um dos sete pecados capitais — a luxúria — e são essas especificidades utilizadas como uma “marca da morte” que determina quem morrerá. A princípio a relação entre os sexos nos filmes de terror dificilmente poderia ser mais clara. O assassino é, com poucas exceções, reconhecivelmente humano e distintamente masculino; sua fúria é inequivocamente sexual tanto nas raízes quanto na expressão; suas vítimas são principalmente mulheres, muitas vezes sexualmente livres e sempre jovens e bonitas (CLOVER, 1992, p. 42).

Imagem 3 – Laurie Strode, Lynda Van e Annie Brackett

Fonte: Halloween, de John Carpenter (1978).

Com base no nível narrativo analisaremos a estrutura da construção da narratividade em Halloween (1978), considerando a transformação entre “dois estados sucessivos e diferentes” (FIORIN, 2001, p. 27), conjunção e disjunção, que necessitam de papéis narrativos exercidos por sujeitos e objetos. Ou seja, por ser uma transformação de conteúdo nela ocorre uma narrativa mínima quando há “um estado inicial, uma transformação e um estado final” (FIORIN, 2001, p. 27), que é o caso da personificação de Laurie Strode como final girl.

Fundamentalmente, a narratividade presente no longa-metragem é caracterizada por um enunciado de fazer, o que significa que há diversas transformações, que “correspondem à passagem de um enunciado de estado a outro” (FIORIN, 2001, p. 28), em outros termos: Laurie Strode não inicia como final girl, ela, com uma ampla possibilidade de escolhas, torna-se. E essa especificidade é algo característico do subgênero slasher, visto que a sobrevivente passa de um estado de retraída para um estado de vingativa na qual “toda aquela energia reprimida começa a sair” (CLOVER, 1992, p. 49). Em síntese, fica evidente que a narrativa mínima do filme é de liquidação, isso porque há um estado inicial disjunto — em que Laurie é a pessoa reprimida e perseguida — e um estado final conjunto — no qual evoca sua personalidade como final girl para revidar.

Logo, é nessa narratividade que se constrói os estereótipos e as “regras” para que uma das vítimas possa tornar-se a final girl. No primeiro momento é evidenciado sua “virtude” e “moralidade”, esteriótipos importantes, visto que diferente de seus amigos ela não se envolve em atividades de “risco”, como: bebidas alcoólicas ou enfrentar estranhos: “— Cretino, quer uma foto? [Annie Brackett]. — Você ainda vai nos meter em encrenca [Laurie Strode]. — Odeio cara com carro e sem humor [Annie Brackett]” (HALLOWEEN, 1978, 00:22:04).

Outro requisito importante é a “inteligência”, visto que ela é a personagem que percebe os pequenos sinais de perigo que seus amigos ignoram: “— Atrás do arbusto [Laurie Strode]. — Não estou vendo nada [Annie Brackett]. — Era o cara do carro [Laurie Strode]” (HALLOWEEN, 1978, 00:24:08). Além de ser precisamente engenhosa quando se trata de sua sobrevivência: “encurralada em um armário, tem a inteligência de pegar um cabide da prateleira e transformá-lo em uma arma” (CLOVER, 1992, p. 39) e na cena final, “ela para de gritar, encara o assassino e pega a faca (marreta, bisturi, revólver, facão, cabide, agulha de tricô, serra elétrica), ela se dirige ao monstro em seus próprios termos” (CLOVER, 1992, p. 48).

Imagem 4 – Laurie Strode: virtuosa, inteligente e engenhosa.

Fonte: Halloween, de John Carpenter (1978).

Tais “regras” de sobrevivência foram tão importantes para a época que elas foram replicadas em personagens de diversos outros filmes do subgênero slasher, dentre eles destacamos: Alice, do filme Friday the 13th (1980); Nancy Thompson, de A Nightmare on Elm Street (1984); Sidney Prescott, de Scream (1996).

Imagem 5 – Laurie Strode em Scream (1996)

Fonte: Scream, de Wes Craven (1996)

 — Há certas regras que tem de se cumprir para sobreviver a um filme de terror. (SCREAM, 1996, 01:13:11)

Diante do discutido, fica explícito, no nível discursivo, que os esteriótipos predominantes em Halloween (1978) e que guiam a narratividade em uma construção semântica de “pureza” e “corrupção”, são meros reflexos da sociedade do século XX, que conforme Silva (2021) era um período em que crescia a direita conservadora nos EUA. Fundamentalmente, o que constrói Laurie Strode como a vítima perfeita para ser uma final girl são estereótipos de comportamentos relacionados à personalidade feminina — Virtuosa, moral e inteligente. Esse fator fica ainda mais explícito se analisarmos que as mortes masculinas são sempre rápidas e a das mulheres ditas “corrompidas” são demoradas e sangrentas, com uma “justiça” moralista quase palpável mediante armas primitivas que carregam uma simbologia fálica — serras e facas —, pois o foco do bicho-papão é exclusivamente “mulheres, muitas vezes sexualmente livres” (CLOVER, 1992, p. 42) que ao saírem da zona da “pureza” caem na zona da “corrupção” e sem perceber são condenadas ao terrível destino.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, podemos concluir que o filme Halloween (1978) foi um marco para a história do cinema de terror, sobretudo para a construção dos conceitos narrativos do cinema slasher. Dentre esses conceitos, a evocação das “regras” que permeiam a personagem final girl. Através do método semiótico, podemos analisar os estereótipos de virtude, moralidade e inteligência que baseiam a construção dessa personagem e que podem ser observados em diversas obras que sucederam o filme de John Carpenter. Os levantamentos expostos nesse artigo possibilitam o avanço em um estudo comparativo entre a personagem Laurie Strode do filme Halloween (1978) e no reboot de 2018. Dessa forma, analisando o contexto social em que cada filme estava inserido: no longa-metragem de 1978, como reflexo de uma sociedade conservadora, Laurie Strodie é retratada como uma mulher introvertida e recatada. Em contrapartida, no reboot de 2018, Laurie é uma protagonista empoderada que enfrenta o serial killer desde o princípio.

REFERÊNCIAS

BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria do discurso: fundamentos semióticos. São Paulo: Humanitas, 2001.

BAUDRILLARD, Jean. O Sistema dos Objetos. São Paulo: Perspectiva, 2004.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil S.A, 1989.

CARPENTER, John. Halloween. Califórnia, 1978.

CLOVER, Carol. Men, Women, and Chain Saws. Princeton: Princeton University Press, 1992.

FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. Contexto, 2001

GREIMAS, A.J.; COURTÉS, J. Dicionário de Semiótica. Contexto. 2008.

SILVA, Rodrigo Candido. O pesadelo americano: Cinema de Horror e o conservadorismo estadunidense na Era Reagan (1981 -1989). Dissertação (Mestrado em História). Florianópolis: UFSC, 2021.

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