Millennium – Os Homens que Não Amavam as Mulheres (David Fincher, 2011)

Por Marco Sartori*

Poster do filme Millennium

Quando foi anunciado que David Fincher iria dirigir a adaptação de The Girl with the Dragon Tattoo, de Stieg Larrson, os fãs do diretor ficaram ansiosos. Não por menos, seria o retorno do diretor aos filmes de investigação, e mais próximo ainda dos de serial killer, com o qual ele se consagrou em Seven, de 1995, e revistou naquele considerado por muitos seu melhor filme, Zodíaco, de 2007. Apesar de guardar muitas semelhanças entre as obras, todas são distintamente opostas. No Oscar 2012, Millennium – Os Homens que Não Amavam as Mulheres compete em cinco categorias: Melhor Atriz (para Roney Mara), Fotografia, Montagem, Edição de Som e Mixagem de Som.

Na trama, já adaptada em 2009 ao cinema na Suécia, país original do autor do livro, o jornalista Mikael Blomkvist (Daniel Craig), em meio a um processo judicial que pode lhe custar a carreira, tem que unir forças com a detetive particular pouco convencional Lisbeth Salander (Rooney Mara) para resolver o desaparecimento da sobrinha do industrial Henrik Vanger (Christopher Plummer), acontecido já há algumas décadas. À medida que se aprofunda na família da vítima, o lado podre dos parentes se mostra cada vez mais, assim como o envolvimento de muitos dos membros com o nazismo. O perigo se torna constante.

Impossível não criar um paralelo entre o remake americano e o original sueco. O recente procura muito mais investigar a psicologia dos personagens e suas motivações, enquanto o anterior é muito mais um suspense policial. Nesse ponto, este se aproxima muito mais de Seven, do que a própria nova versão do diretor. Com a trama de mistério tomando menos foco no filme, os atores têm mais espaço para trabalhar, principalmente Roney Mara, no papel de Lisbeth. Seus momentos impressionam tanto que o personagem interpretado pelo 007 Daniel Craig chega a ficar muitas vezes eclipsado por sua presença.

A atriz está fantástica num papel extremamente complicado, menos pelas modificações no seu corpo, como tatuagens, piercings e um cabelo moicano, e mais pelas reações que o seu visual provoca e pelas nuances que sua Lisbeth tem, num misto de agressividade e inteligência, que conforme a trama evolui, mostra também uma ingenuidade e inocência inesperada. E pode-se dizer que sua presença realmente é ameaçadora na tela. Logo em sua primeira aparição, Lisbeth nunca é mostrada inteiramente, mas em relances, de costas ou perfil, e a câmera mantém uma distância razoável dela, como se sua imagem fosse chocante demais ao espectador.

O clima que o filme desenvolve também é um dos pontos que mais aguçam o público. Começando pela trilha sonora. As recentes colaborações entre o diretor e os compositores Trent Reznor e Atticus Ross já havia rendido frutos anteriormente em A Rede Social, no qual a dupla acabou levando o Oscar. Mas se torna ainda mais poderosa nesse filme, criando uma ambientação espetacular para a obra. Injustiça eles não serem pelo menos indicados novamente. Sem contar ainda a versão que Karen-O fez para Imigrant Song, ainda mais agressiva que a original, que pontua a introdução do filme, onde corpos se misturam a algo que lembra petróleo. É David Fincher relembrando seus tempos de diretor de clipes musicais.

Os efeitos sonoros e as outras músicas escolhidas também colaboram muito para o efeito perturbador que o filme passa. Não chega ao grau caótico que um filme como Eraserhead passa através dos ruídos, mas nunca pensei que o som de uma enceradeira pudesse me deixar tão desconfortável, na excelente cena em que Lisbeth é abusada por seu novo tutor, ou que uma música New Age, muito propagada na década de 90, pudesse soar tão ameaçadora quanto aqui.

E o ponto em que o filme mais relembra a Seven é exatamente nas cores. Ou melhor, na falta delas. Em ambos os filmes, o clima nunca parece a favor dos personagens, e também do espectador, de certa forma, pois se torna uma paisagem muito opressiva. Enquanto em Seven os becos margeados por altos edifícios causam a claustrofobia, os planos abertos de Millennium não são menos reconfortantes, pois o branco da neve se torna cinza com a saturação de cores, e a paisagem se torna assustadora, como se não houvesse para onde correr.

Os únicos momentos em que as cores se abrem são os flashbacks. A impressão que se tem é que aquele não é o mesmo local, ou melhor, que aqueles tempos já se foram há muito, tomados por um presente muito mais sombrio. A estética do sombrio, aliás, aqui é recorrente. Está não só nas cores, mas impressa no corpo de Lisbeth através das tatuagens, na aproximação com o mórbido, na excitação através da dor e do flagelo, e quem sabe até da humilhação. Aqui os detratores de Fincher terão muito assunto, nas suas constantes acusações de misoginia ao diretor.

O que mais me agrada no filme com certeza é o modo como a história é contada. O diretor poderia se auxiliar de sua experiência no gênero de suspense e entregar outro filme semelhante principalmente a Seven, dado que o plot principal do sumiço da garota poderia dar margem a isso. Mas jornadas fáceis, assim como as dos verdadeiros heróis, não são as mais empolgantes. Por isso mesmo, a escolha por dar maior vazão aos personagens e não ao mistério enriquece a história. A trama é tratada quase cruamente (alguns chegaram acusar o filme de frio), mas não vejo melhor alternativa, visto que é uma das principais características da verdadeira heroína da trama, Lisbeth.

*Marco Sartori é graduando do curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e graduado em Jornalismo na Faculdade Prudente de Moraes (FPM).


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