Tropa de Elite 2, apesar de somente cair na pirataria no seu dia de estreia (falsamente, pois são apenas DVDs com trailers, cenas e making of, todo material liberado pelo site oficial), já é um fenômeno. O filme até agora já atingiu a incrível marca 1,3 milhão de espectadores em 700 salas (iam ser 600, mas fora aumentada pela boa perspectiva). O lucro de estreia já é o maior da história do cinemal nacional, com 14 milhões de reais, números equivalentes aos grandes blockbusters americanos. Por exemplo, no ranking do último fim de semana, está em primeiro colocado isolado, e em segundo colocado, A Lenda dos Guardiões (do badalado Zack Snyder, 2010), está com “apenas” 2,7 milhão de reais.
Fenômeno também porque entrei numa sessão de sexta-feira às 14h30, a primeira em minha cidade; ou seja, nesse horário, só pode haver um bando de adolescentes com hormônios à flor da pele loucos para pular da cadeira (ou somente namorar, mas esses não incomodam), falando bobagens ou gritando bordões do primeiro filme como “PEDE PRA SAIR!”. O filme conseguiu calar a boca de cada um, todos quietos prestando muita atenção numa obra de ficção que tem como espelho a realidade, relatando problemas sociais que nem sequer sonhamos, lidamos ou simplesmente não queremos lidar – ignoramos.
Mas engana-se quem pensa que Tropa de Elite 2 é o segundo filme da série. É o terceiro. E quem assiste Ônibus 174 (2002), Tropa de Elite (2007) e depois Tropa de Elite 2 (2010), tem certeza disso. José Padilha, diretor e roteirista, fecha a “Trilogia da Corrupção” com maestria. Começa com um documentário (um dos melhores de todos os tempos, por sinal), Ônibus 174, no qual temos a explanação da violência social a partir de um exemplo focado, um marginal, que assaltou um ônibus e rendeu passageiros na cidade do Rio de Janeiro. Partindo deste bandido, Padilha mostra como FEBEMs (atual FASE), presídios e o próprio preconceito são escolas do crime, não tendo opção para esses desafortunados do destino.
Em Tropa de Elite, ele amplia a lente de aumento na Cidade Maravilhosa, mostrando que esse marginal não tem solução (e é uma visão totalitária) devido à corrupção de pessoas chaves para uma possível recuperação, tanto de instituições (ONGs, policias, governo) como de cidadãos (dos traficantes do morro aos playboys universitários fumando a maconha que os primeiros vendem).
Tropa de Elite 2, ao contrário do que seria conveniente, não é parecido com seu antecessor. Dessa vez, apesar de Roberto Nascimento (Wagner Moura, impecável, novamente) continuar sendo o protagonista, é ele que sofre um arco de transformação de personagem (no primeiro filme, fora André Mathias, que passou de militante dos direitos humanos à “caveira”). De pai de família combatente direto do crime, passa a um solteirão metido na politicagem que tanto repudiou após 15 anos passados. “Sou um clássico personagem do drama grego” afirma Moura, dizendo que seu personagem, apesar de perder filho, esposa, comando e respeito, continua lutando pelo bem maior: bater de frente com o sistema. É inútil resistir ao destino de ser o herói da parada.
No longa-metragem, ele começa como tenente coronel do BOPE (cargo máximo na instituição) e após um erro na operação no presídio Bangu I que André Mathias (André Ramiro, impecável) fez, Nascimento assume a bronca. Com a pressão da sociedade, que vê o tenente coronel como herói, o governador do estado do Rio de Janeiro não tem opção de tirar o Nascimento do BOPE, mas ao invés de rebaixá-lo, colocá-o num cargo superior – como Subsecretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro. Época de reeleição, o governador não quis se pôr contra seus eleitores. E por agir como Nascimento ensinara-o a agir no primeiro filme, sobra pra Mathias, que vai parar num grupo de PMs corruptos liderado pelo Capitão Fábio (Milhem Cortaz, impecável).
Dessa vez, Nascimento está no cerne do problema, a politicagem, e Mathias na ponta de baixo, aonde a corrupção termina (ou começa?). Acordos entre policial e traficante, propinas, tudo para o sistema de tráfico de drogas continuar existindo, comandado por Russo (Sandro Rocha, impecável), que após ver o tráfico diminuir quando Nascimento aumentou o número de unidades dos Soldados de Preto, vê como solução tomar conta do morro, cobrando impostos dos moradores pelo falso pretexto de oferecer uma proteção que na verdade é uma repressão. Essa grana também interessa para políticos, que são financiados em suas campanhas pela chamada “milícia”. Dinheiro do morro comandado pelos PMs indo para a campanha. Votos garantidos da comunidade. Num próximo governo, benefícios para esses patrocinadores. Tudo é interesse.
Na ponta de cima, a política, foco do novo filme (aonde no antecessor eram as instituições protetoras, e não governamentais), também está Fraga (Irandhir Santos, impecável), militante de esquerda que após ter saído por cima na imprensa com seus argumentos anti-BOPE, elege-se como deputado federal. Fraga, apesar de ser odiado por Nascimento (para piorar, ele casa-se com a ex-mulher de Nascimento, numa das cenas mais engraçadas do filme), representa um lutador dos direitos-humanos, logo, como síntese, e como antítese o deputado Fortunato, apresentador de programas sensacionalistas que vê a corrupção na política como meio de se auto-promover. Para deixar um meio que Padilha já considera sujo pior, é época de eleição, e todo movimento tomado é com muito cuidado!
Fraga ainda vira pai adotivo de Rafael (Pedro Van-Held, nem tão impecável…), filho de Nascimento e Rosane (Maria Riberto, impecável), sua ex-mulher. Em casa, Rafael vê Fraga defender com unhas e dentes “the human rights”. Na TV, Rafael vê seu pai como assassino pela imprensa. Rafael começa a odiar Nascimento, e Nascimento, mais ainda Fraga. Padilha complemente o filme com um triângulo amoroso.
José Padilha repete uma velha fórmula – ter a certeza de se cercar de excelentes profissionais, cada um de cada área. O melhor roteirista do Brasil, Bráulio Mantovani. O melhor fotógrafo do Brasil, Lula Carvalho. O melhor editor do Brasil, Daniel Rezende. A melhor preparadora de elenco do Brasil, Fátima Toledo. Melhor músico compositor de trilhas sonoras do Brasil, Pedro Bromfman. Os efeitos especiais são feitos por uma equipe de americanos que cuidam de filmes Hollywoodianos. Padilha imprime um padrão de qualidade internacional em sua obra, elevando a qualidade do nosso cinema.
Não somente isso: cerca-se de atores geniais como Wagner Moura, Seu Jorge, Irandhir Santos, Maria Ribeiro; e também de atores improváveis, que nas mãos de Toledo/Padilha ficam também geniais: André Ramiro, Pedro Van-Held, Sandro Rocha, Milhem Cortaz, Taína Müller e André Mattos (esse no melhor desempenho na sua história como ator).
As cenas de ação ainda estão presentes, mas em menor número. A tensão passou para os diálogos, a psicologia, a politicagem. Logo, a visão como diretor mudou conforme o roteiro mudou. Temos muitos planos em tripé, steadycam, grua. Era muito difícil ver um plano que não fosse “na mão”, resultantes em planos tremidos e inconstantes do primeiro filme. A edição se tornou clássica, e não fragmentada e “tensa”, como no anterior. O filme amadureceu como o argumento pedira – de um filme de ação policial, se tornou um drama, com toques de ação. A ação presumia o drama. Agora o drama presume a ação.
E em absoluto essas mudanças são negativas. Tropa de Elite 2 mantém o nível de qualidade de seus dois antecessores, e José Padilha se torna mais ambicioso. O final de Tropa de Elite dá um tapa na cara da sociedade. No final da continuação, José Padilha dá um tapa na cara de quem governa a sociedade, com argumentos e supremacia cinematográfica, marcando assim, a história do cinema brasileiro.
Thiago Köche é bacharel em Realização Audiovisual pela UNISINOS (RS).
Thiago,
Gosto do teu texto e da maneira como enxergou o filme, que condiz com minha opinião. Porém, acho que se considerarmos o conceito de resenha, que é a proposta desse espaço, tu foges um pouco do que se espera ao ler esse formato.
Acredito que te prendestes ao fato de narrar os feitos da narrativa, o que de maneira alguma empobrece Tropa 2, mas sim os teus argumentos. De fato, mostra em que estão embasados, mas os parágrafos diretamente opinativos me parecem muitíssimo mais interessantes.
Tens razão, Tropa 2 é um excelente filme e não deixa nada a desejar se pensarmos no primeiro, bem como Ônibus 174.
muito obrigado pela sua crítica, Carolina.
eu sempre argumento que pretendo fugir um pouco da resenha clássica nacional, e continuo com esse objetivo, aproveitando este espaço. mesmo assim, agradeço sua considerações para eu continuar melhorando e as levarei em conta em próximas contribuições neste site.
mesclei parágrafos de resumo da história com minhas opiniões (pretendo nunca me excluir delas em um sequer parágrafo) pois o roteiro de Tropa 2 é impossível de ser sintetizado em um ou dois parágrafos. é um argumento engenhoso demais para tal. me valho de tal engenhosidade para aumentar meu leque crítico, afinal, apesar de ser um perfeito produto audiovisual (que não deixo de analisar), o que se destaca nos filmes de Padilha são os debates sociais.
e acho que não me entendeste bem, ou (provavelmente) não deixei claro: prefiro muito mais a primeira versão.
obrigado, e faca na caveira!
Qual a visão politica, social que vc tem sobre o contexto geral do filme?
É possivel que ele possa trazer alguma contribuição positiva, ou até mesmo negativa para a sociedade? Quais?
Ou é apenas com o objetivo direto de expor a realidade do meio politico do país?
grato.
Olá Wender. Primeiramente, obrigado pelas perguntas. O objetivo deste site é difundir a discussão cinematográfica e social. Principalmente num filme desses.
O filme, na minha opinião, é apolítico. Ele não poupa ninguém, joga a política na lama e joga todos no mesmo saco. A única esperança é justamente políticos com ideais: como Fraga. Mas Padilha não poupa nem Fraga, botando sua índole em dúvida muitas vezes.
Basta ver as posições sociais do diretor. Ele disse que votaria nulo nas últimas eleições presidenciais, em 2010. Muitos amigos pessoais do diretor afirmaram que ele era Serra, apesar de ele parecer (apenas parecer) assimilar as ideias com o PT.
O filme traz apenas contribuições positiva: discussões sociais variadas, como polícia, favela, política, relação pai/filho entre muitas outras. Negativa talvez somente achar que nenhum político presta. Isto seria uma inverdade. Apesar de os filmes (sem críticas aqui) penderem ser maniqueístas, como Tropa de Elite 1 e 2 tendem a ser, pode ser prejudicial em pôr a ideia em mentes em desenvolvimento (como adolescentes) que política não presta. A única maneira de melhorarmos ela é entendendo a mesma e dando nossas opiniões e contribuições. A contribuição política de Padilha são todos seus filmes. Do seu jeito. Às vezes maniqueistas, mas todos muitos interessantes. Basta ver quantos círculos de discussão ele gera. Como essa.
E, finalizando, não acho que o que Padilha expôs é uma verdade absoluta. Até por se tratar de uma ficção, e seria muita pretensão de Padilha retratar a política 100% fielmente. Não é um documentário, apesar de ser uma ficção baseada em fatos reais e com sinais de realismo (tanto direção de atores como de câmera).
Abraços amigo! Mais perguntas, estamos aqui!