As Melhores Coisas do Mundo (Lais Bodansky, 2010)

Segundo o Ibope, o mercado cinematográfico brasileiro tem como principal publico consumidor, jovens entre 12 a 24 anos, ou seja, um público predominantemente adolescente. Para eles, era restrito o cinema infantil, no caso dos mais jovens, e as nossas constantes tentativas de fazer um cinema desenvolvido para os mais velhos. Porém, a adolescência estava um pouco em falta dentro das telas do cinema nacional. Contudo, nos últimos dois anos esse quadro vem se revertendo, tendo diversas obras destinadas à festivais, e que saíram ou irão sair em circuito nacional, escolhido eles, os jovens, seu maior público, como os principais personagens de suas histórias. O grande representante desta onda neste ano é o bem feito “As Melhores Coisas do Mundo”, dirigido pela mais experiente Lais Bodansky e com roteiro de seu consagrado marido Luis Bolognesi.

Cena do filme "As Melhores Coisas do Mundo".

O casal, que em seu primeiro filme juntos (O Bicho de Sete Cabeças) também abordou o tema sobre a juventude, e sua perda através do vicio das drogas, volta a abordar este universo, agora de uma forma um pouco mais leve e um que mais realista, em um roteiro original inspirado pela Coleção de livros da Série “Mano” de Gilberto Dimenstein. Os livros contam as diversas experiências vividas pelo personagem Hermano, o Mano, no auge de sua adolescência onde está cheio de dúvidas e anseios que são típicos de sua idade. Bolognesi pegou este personagem e misturou-o com diversos outros em uma trama que foi formada com ajuda, além dos livros, de uma pesquisa feita por diversos grupos em escolas da Capital Paulista, feitas para descobrirem como os adolescentes de classe média alta e baixa (os grandes consumidores) pensam, falam e agem nos dias de hoje. O que resultou foi em um retrato mais fiel das pessoas entre seus 15 anos, dessa classe social e que residem em grandes cidades, como São Paulo.

Cena do filme "As Melhores Coisas do Mundo".

Em um aspecto geral, o grande trunfo do roteiro foi ter criado um microcosmo no ambiente escolar de Mano (Francisco Miguez), com personagens típicos como Carol (Gabriela Rocha), a melhor amiga, que tem uma maturidade emocional maior do que seus amigos gerando uma das grandes polêmicas do filme devido à sua relação duvidosa com um professor; Deco (Gabriel Ilanes), principal companheiro do personagem, que espelha muito bem essa geração de garotos que tem como principal objetivo o grande desenvolvimento de sua vida sexual para uma afirmação de sua masculinidade e status social.  Outros vão aparecendo de maneira que a história corre e servem bem de maneira representativa à questões atuais, como a inserção de mídias digitais que restringem a privacidade dos alunos, em uma referencia a série americana Gossip Girl; e o sempre atual tabu sobre a Homossexualidade que no filme é tratado de maneiras distintas através das gerações. O primeiro caso é o da garota lésbica que sofre Bullying de Mano e seus amigos devido a um preconceito gerado pela imaturidade e da insegurança de sua própria sexualidade. O outro é de uma pessoa próxima a Mano e que acaba gerando a cisão em sua família, que é o eixo dramático principal do filme e que vai gerar a maioria dos conflitos que fará o personagem crescer. Os três últimos personagens dignos de nota são Pedro, o irmão mais velho de Mano, que é um jovem artista, emotivo e obcecado por sua namorada, surpreendentemente muito bem interpretado pelo novo ídolo adolescente nacional Fiuk; A mãe de Mano, interpretada por Denise Fraga, uma mulher em crise com seu emprego, sua família que ruiu e com os desafios de criar filhos adolescentes; por fim, Marcelo (Paulo Viliena), professor de violão e guru de Mano, que vai guiando-o em seu desenvolvimento como pessoa da maneira que só um ídolo poderia fazer, o papel que antigamente os pais possuíam.

Cena do filme "As Melhores Coisas do Mundo".

Muitos poderiam criticar o filme devido a um cenário de grande alienação em que são colocados os personagens, os jovens em geral, perdidos no meio a discussões sobre relacionamentos, futilidades e intrigas, porém, de fato, a nova geração de adolescentes possui uma grande carência ideológica. O que Bolognesi faz é uma contextualização e uma imersão deles dentro da política e dos desafios do convívio social através da eleição para grêmio estudantil, onde brinca com os conceitos juvenis de materialismo e do posicionamento ignorante de jovens que se acham de esquerda; no meio disso tudo fica o Ideal, em que Mano e seus amigos através da chapa Mundo Livre propõem mudanças construtivas para o funcionamento e convívio do ambiente escolar.

Cea do filme "As Melhores Coisas do Mundo".

Laís pega todas essas informações e faz uma construção audiovisual com técnicas de linguagem bem simples, porém de um efeito que sugere o seu amadurecimento como diretora. Ela se utiliza de desfocalizações, movimentos desconfortáveis e planos super próximos para imprimir os momentos de dúvida, vergonha, raiva entre outras grandes sensações que o personagem passa e que você é chamado a sentir também. A escolha da musica Something, hino do amor juvenil composta por George Harrison, que embala de forma diegética a construção do caráter e amadurecimento do personagem, foi certeira para o desenvolvimento de toda identidade do filme, juntamente com a arte muito bem coordenada para ter por vezes um frescor colegial e por outras um intensidade nos momentos de maior drama. Também construiu cenas de um valor significativo e estético tão grande, como a Reunião de pais e mestres, com depoimentos maravilhosos de mães sobre os desafios que tem de conseguir conciliar educação e mente aberta em uma sociedade que muda tão rápido, como a nossa, ou a belíssima quebra dos ovos por Mano e sua mãe, que tornam esse filme como um dos melhores lançados nesse ano.

Após ver o filme, você entende que ele foi feito para o jovem sentir e para o adulto pensar. Também que todos os cuidados foram tomados para que, de uma maneira comercial e saudável, este filme atraísse os jovens para o cinema. O que sucedeu, porém, foi que o potencial do filme não foi completamente alcançado nas salas escuras, o que leva a toda uma série de discussões sobre cultura cinematográfica nacional, principalmente entre os jovens e seu preconceito sobre o produto nacional, que estão se sucateando. O que vale esperar é que o filme consiga alcançar agora que irá ser lançado em DVD, um número bem maior do publico o qual ele tem direito como obra da Sétima arte.

Gabriel Ribeiro é graduando do Curso de Imagem e Som da UFSCar.

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Este post tem 2 comentários

  1. Author Image
    Selma

    Parabéns pela produção do filme. Foi sensacional e será muito útil para se trabalhar com os estudantes.

  2. Author Image
    Juuh

    Adoreeei o filme .. muito verdade tudo oq ele ttrata .. (: minha professora levou para nossa turma .. agr estamos fazendo trabalhos sobre ele .. muuito show !!!

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