Ao ver o cartaz do filme, esperei uma ficção científica cheia de ação, alienígenas horrorosos, matança desenfreada e violência irracional. Encontrei tudo isso e mais um pouco. E foi ótimo. Não que isso seja uma fórmula para um bom filme, longe disso, mas o uso desses elementos com a roupagem que Distrito 9 deu foi impressionante.
O início do filme se dá como uma reportagem sobre os alienígenas (os “camarões”) e revela informações necessárias sobre sua chegada, recepção e situação atual, que é de confinamento no chamado Distrito 9, a mercê de sua própria sorte. Uma das mais importantes informações é revelada nesse momento: as armas que eles trouxeram para a terra são de enorme poder, mas, só funcionam em combinação com seu DNA. A MNU é apresentada logo depois, como uma empresa que regula e controla a estadia dos aliens na terra. Essa empresa é uma grande fabricante de armas de última geração que já havia tentado copiar as poderosas armas alienígenas, mas sem sucesso.
O protagonista Wikus van de Merwe, funcionário da MNU Departament of Alien Affairs, é apresentado nessa reportagem, em que eles documentam o plano do governo de expulsar os aliens daquele lugar. Wikus é o homem que entrega a ordem de despejo. O funcionário é vítima de agressões e insultos dos moradores e na sua condição de vítima, responde com violência, desprezo e ódio; acompanhados de agentes armados da MNU, ele assiste as mortes e agride vários “camarões” – como os aliens são chamados pelos terráqueos-.
Tudo acaba mudando quando ele abre um cilindro de metal que espirra um líquido negro e viscoso em seu rosto. Esse líquido começa a alterar seu organismo e inicia uma transformação em Wikus. Ele ganha garras e escamas asquerosas e se torna um fugitivo procurado pelo governo.
A MNU vê uma possibilidade de um futuro promissor nesse acidente, mesmo cruel para Wikus. Como o agora-nem-tão-humano possui DNA alienígena, as armas roubadas e protótipos desenvolvidos pela empresa que nunca haviam funcionado, poderiam ser ativadas pelo braço-camarão de Wikus.
E assim o filme inicia a perseguição e transformação brutal do ex-funcionário. Wikus vale bilhões. Ele é o gatilho para a formação de super soldados e de uma nova era da produção de armas. Mas ele ao mesmo tempo não vale nada. Ele é somente um grande mapeamento de DNA, uma bateria alienígena para armas, algo a ser estudado e nada mais que isso.
Uma das primeiras coisas que se nota no filme é sua forma orgânica. De uma reportagem, o filme se transforma em ficção e volta a flertar com o documentário em vários momentos. Essa transição é tão orgânica e crível quanto a de nosso infeliz Wikus e sua transição alienígena. Em diversos momentos do filme, os relatos da (ex) mulher do protagonista ou de seus amigos recheiam as cenas de ação que estão para se seguir ao longo do filme. Elas cometam a situação em que Wikus se encontra e então passamos a compreender melhor as emoções dele.
Os aliens são representados de forma grotesca. Seus hábitos estranhos ajudam a argumentar toda a nojeira apresentada pela mídia, que os mostram como bárbaros sem qualquer classe, rudes e comedores de lixo. Os pobres (em sua maioria negros) que vivem junto aos camarões, contrabandeiam comida em troca de armas. Curioso é notar também a marginalização dos negros e dos aliens em relação ao lugar onde a história se passa: África do sul, onde o apartheid se instalou durante anos no século 20. Essa metáfora dá margem para pensar em quantas comunidades estão completamente divididas e etiquetadas. Não há muito espaço para sutileza nesse filme, então as questões étnicas são apresentadas logo de cara quando essas divisões são apresentadas. É fácil enxergar nos aliens as populações, crenças ou etnias reprimidas e caçadas ao longo da história e mais fácil ainda enxergar os opressores ali representados.
A história, mesmo funcionando à base de grandes elipses, flui com facilidade, repletas de boas cenas de ação. E que cenas de ação. A velocidade é criada com cortes rápidos e as resoluções interessantes dos conflitos pelos personagens junto aos diálogos, explosões, lutas dão um clima alucinante ao filme e o ajudam a dar seu tom desesperador e urgente, não sendo apenas banhos de sangue para encher os olhos. Além de possuir uma mensagem forte, passa isso de forma a prender a atenção na história, nos pequenos detalhes e sacadas do roteiro.
Um delírio. Vale a pena. E muito.
Paulo Padoveze de Carvalho é graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)