Onde vivem os monstros (Spike Jonze, 2009)

O filme Where the Wild Things Are tem alguma coisa que transborda. Poderosa e delicada, meiga e selvagem. Tudo ao mesmo tempo. A fotografia é deliciosamente invernal, os monstros são de uma elaboração fidedigna incontestável às ilustrações do criador da história, Maurice Sendak. A atuação do menino (Max Records) alcança uma interpretação naturalista “apesar” de ser uma história da ordem do fantástico (afinal, o mundo natural de uma criança como Max é um mundo fantasioso).

A composição da trilha sonora faz ressoar o tipo de energia impregnada no cotidiano de crianças que transitam rapidamente de um estado de agitação eufórico para o sono profundo ou imersão individual. Existe uma sinceridade e reconhecimento do mundo fantástico criado por Max para com as questões de relações humanas. Ele começa a exercitar sua capacidade de encontrar no seu íntimo algumas respostas e novas perguntas para conseguir situar-se no mundo. Ao construir sua consciência interior e aguçar sua percepção do que lhe cerca, ele expande sua liberdade vigorosa (ou selvagem) sem deixar de ser uma criatura (ou monstro) amoroso.

Acho que é um filme essencialmente sobre amor e liberdade e o emaranhamento difícil que dá na cabeça da gente ao pegar, reconhecer e soltar o que/quem amamos. Amor e liberdade talvez sejam parte do mesmo, brutal e indissociável, paradoxo,  afinal, o desejo de liberdade e amor são duas das forças mais genuinamente selvagens que habitam nossos corpos.

Max percebe que o Forte não precisa ser planejado e medido metricamente com pássaros gigantes (Alexander, personagem do filme). O Forte não é “planejável” a fortaleza de Max, sua força psicológica, intelectual e emocional para articular-se com o mundo cotidiano  cresce de dentro para fora e vice-versa como num fluxo constante, silencioso transformador e transmutável que o permite, enfim, crescer feliz.

Questões psicanalíticas estão presentes no filme, como um gordo lençol freático impresso na película.  A correlação entre situações e personagens  do mundo imaginário de Max e sua vida cotidiana não passa desapercebida. Uma das cenas que ilustra essas questões mostra Max fugindo de um ataque nervoso de Carol (possível alterego de Max) e KW (possível alterego da mãe de Max), oferece sua barriga como esconderijo para Max. Ele é literalmente engolido por KW e escuta a discussão entre Carol e KW. Ainda dentro da KW,  Max explica para ela o motivo da raiva explosiva de Carol e, logo em seguida, decide que é hora de retornar para casa.

Como se ali ele tivesse resolvido o que primeiro lhe trouxe àquele lugar particular. Uma força, um grito, uma curiosidade, uma brincadeira, um susto, uma fronteira, um amor imenso em estado de maturação de um pequeno menino perplexo diante do mundo inteiro.

Recomendo visitarem o site oficial do filme: wherethewildthingsare.com e recomendo mais ainda o site com cara de blog, http://weloveyouso.com, que é uma espécie de colagem das influências e inspirações artísticas para a concepção do filme.

[post scriptium] Não gosto da tradução do titulo do filme. Porque não deixaram onde “Onde As Coisas Selvagens Moram”? O filme é sobre as Coisas Selvagens e não sobre monstros, os monstros são as coisas menos selvagens do filme.

Nina Orthof é graduanda em Artes Plásticas pela Universidade de Brasília (UnB)

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