X-Men: Primeira Classe (Matthew Vaughn, 2011)

Marcelo Félix Moraes*

Professor X e Magneto são os personagens principais de X - Men: Primeira Classe

Superando a má expectativa criada em torno do filme, X-Men: First Class surpreende por trazer uma narrativa interessante que consegue envolver o espectador ao se focar nas histórias de Charles Xavier e Erik Lehnsherr antes de se tornarem respectivamente Professor X e Magneto, colocando-os no tenso contexto da Guerra Fria. Assim, a pretensa história de origem da equipe ganha contornos mais atraentes, já que podemos acompanhar mais de perto as motivações intrínsecas aos personagens centrais, além de seus medos e preconceitos diante de ameaças comuns a toda a humanidade. As diferentes posições e ideologias no tabuleiro global, além de pano de fundo para a história, se relacionam muito bem com o tema da aceitação e do autoconhecimento que envolve os mutantes. Assim, nos importamos com os personagens, mas também conseguimos nos divertir e compartilhar a ação na qual se inserem. O trunfo maior do filme é justamente conseguir reunir tantos personagens e elementos diversos para construir uma aventura coerente e crível dentro do universo fantasioso proposto pela história, mas principalmente por ser direcionada pela jornada de descoberta do universo mutante através de um anti-herói trágico que se tornará um dos mais desafiadores vilões dos X-men.

Reproduzindo o mesmo começo de X-Men: O Filme, First Class consegue aprofundar temas e momentos apresentados no filme de 1999. A cena no campo de concentração nazista mergulha o espectador no estado de exceção vivido pela Alemanha e nos apresenta ao verdadeiro vilão deste filme, Sebastian Shaw (Kevin Bacon), delineando suas intenções e impondo a força de seu caráter tanto como mentor quanto um ser perverso. O impacto dessa sequencia no jovem Erik vai liberar todo o seu poder e sua fúria, contribuindo para entendermos as razões de seu ódio contra a humanidade que o considera diferente e o trata como inferior. Em seguida acompanhamos um pouco da vida de Xavier que no mesmo período vive confortavelmente em uma mansão e pode estudar as mais avançadas teorias sobre a evolução das espécies que vão fazer parte de sua tese sobre mutações genéticas. A tranquilidade do telepata só é atrapalhada pela visita de Raven, a mutante transmorfa, que se torna sua melhor amiga antes de ser a vilã Mística. Charles é retratado como um pesquisador sério, mas também um galanteador, que tem falhas, pois não aceita a aparência estranha de sua amiga, declinando o interesse amoroso pela garota. Enquanto isso, acompanhamos o desenvolvimento das ações de Shaw através das investigações da agente da CIA, Moira MacTaggert (Rose Byrne), e a busca de Erik pelos nazistas que podem levá-lo ao seu algoz.

A primeira formação dos X- Men

Mas o filme se desenvolve e se torna interessante mesmo quando os personagens principais se encontram e podemos compartilhar as conversas e diferenças ideológicas apresentadas por Charles e Erik. Esses personagens criados na década de 1960, e livremente inspirados em Martin Luther King e Malcom X, desenvolvem, a princípio, sua jornada juntos na busca por novos mutantes até que o conflito entre suas posições se torna insuperável, já que o primeiro acredita na convivência pacifica entre mutantes e humanos e o segundo na supremacia de sua raça. Entretanto ambos são mostrados com suas incongruências, ou seja, eles ainda são todos aprendizes, mesmo Charles, e não refletem muito sobre a ética no uso de seus poderes, o filme retrata isso quando Charles lê a mente das pessoas ou nos momentos de vingança de Erik, ainda que o primeiro seja mais sensato. Mas o desenvolvimento coerente das discussões dos dois personagens transcorre de forma a balizar a ideologia que professam durante toda a série de filmes.

O diretor Mathew Vaugh (de Stardust e Kick Ass), assumiu o desafio de maneira competente mantendo o ritmo do filme e o interesse pelos personagens e pela narrativa. Ele e o produtor Brian Singer, diretor dos dois primeiros filmes da franquia, tomaram a atitude acertada de manterem o foco na relação de Charles e Magneto ao mesmo tempo em que tinham que reapresentar os mutantes para uma nova geração.  A história, escrita a quatro mãos por Ashley Miller, Zack Stentz, Jane Goldman e pelo próprio diretor, consegue criar mistério, manter a tensão, criar personagens interessantes e ainda conserva muita aventura e diversão para os mais novos, além de algumas surpresas para os fãs. A necessidade de rejuvenescer as franquias, muitas vezes com base no apelo comercial apresentado pelo público jovem, aqui dirigido por um diretor com experiência com atores adolescentes e um produtor com familiaridade com os personagens consegue manter um bom nível entre drama, elementos conhecidos e ação desenfreada, o que resulta em um entretenimento inteligente. Os poderes de cada mutante, inclusive, são muito bem aproveitados, em geral intrínsecos a história, seja nos momentos mais íntimos e descontraídos ou nas sequências de luta nas quais eles se envolvem. Percebam como eles se exibem uns para os outros na sala onde se conhecem, mas principalmente como forma de se protegerem ou se defenderem de seus inimigos.

Jovens atores se destacam em papéis importantes como de Mística e Fera

Dessa forma, o elenco coadjuvante que compõe a primeira turma não compromete gerando bons momentos de ação e humor. O entretenimento fica por conta de Destrutor (Lucas Till), Banshee (Caleb L. Jones), Darwin (Edi Gathegi) e Angel (Zoe Kravitz) que são mais bem explorados do que Emma Frost (January Jones), Azazel (Jason Flemyng) e Maré Selvagem (Álex González) que se justificam apenas pelo apelo visual e pela ação. A primeira turma dos X-men não soa forçada, consegue apresentar a sintonia necessária para os momentos finais de conflito direto. Especialmente os atores que interpretam Banshee e Destrutor dão carisma a seus personagens o que falta a Emma Frost de January Jones. Talvez o que atrapalhe aqui sejam o apelo comercial e a aposta na sensualidade da atriz. Além dela, podemos apontar o design dos uniformes e de algumas maquiagens que soam estranhos, coadjuvantes estereotipados e os capangas do vilão subaproveitados na trama, pontos que não comprometem a narrativa, mas que cansam em um segundo momento quando se busca mais detalhes e camadas na história. Ainda assim, vários elementos da mitologia dos personagens ou dos filmes anteriores ganham suas devidas explicações: como Charles foi parar numa cadeira de rodas, como Hank se torna o Fera e de onde vem o ódio de Magneto pela humanidade.

Mas talvez mais importante seja a construção de uma trajetória para seus personagens principais que nos dê elementos para compreender porque eles se tornaram quem eles são. Isso ocorre com Xavier e Magneto, que são interpretados com intensidade por James McAvoy e Michael Fassbender, respectivamente. O primeiro imprime a segurança do futuro líder dos X-men, mas também sua inexperiência enquanto o segundo consegue nos conquistar pela força de suas ideias e motivações, mesmo que não concordemos com suas atitudes, atuando como um anti-herói intrigante e ocupando o papel designado a Wolverine na série de filmes anteriores. Fassbender encarna Magneto com força e determinação demonstrando todo o ódio e o prazer ao matar os nazistas. Enquanto isso McAvoy consegue transparecer a sintonia que desenvolve com Erik através de suas memórias, além de todo o respeito e a sensibilidade com seus traumas. Destaca-se então a preparação do elenco e o trabalho desses atores para conseguir determinadas performances imprescindíveis ao filme.

Michael Fassbender surpreende como Erik Lehnsherr, o Magneto de "X-Men: Primeira Classe"

Também nos identificamos com Mística (Jennifer Lawrence) e Fera (Nicholas Hoult). No caso destes, entendemos seus conflitos e suas motivações para serem aceitos, já que suas mutações são aparentes e não é por acaso que o roteiro os coloca juntos em determinado momento do filme. Aceitar suas condições – suas habilidades, poderes e diferenças – passando, para tanto, por seus conflitos internos, torna-os mais interessantes e complexos, assim como o filme em si mais instigante. Outros elementos essenciais deste filme são a produção de arte que compôs todo o período de época, desde os anos 40 até o fim dos anos 60 consistente, através principalmente de imagens reais e pronunciamentos como o de John Kennedy sobre a Crise dos Misseis em Cuba. Uma cena que se destaca também é a de transformação de Fera, inclusive, pela beleza de sua fotografia e montagem. É preciso ressaltar, nesse sentido, os momentos de ação bem coreografados e a ótima rima visual da sequência final que se utiliza da mesma moeda vista no começo do filme. Além de tudo, esses momentos geram a tensão necessária para o conflito vivido pelos personagens e suas contradições.

Por fim, o conflito em Cuba cabe muito bem à história por colocar duas ideologias que, no final das contas, diante do preconceito comum, tomam a atitude mais cruel contra aqueles que são diferentes. Já as atitudes de Charles e Erik reforçam aquilo que eles se tornaram, o primeiro mantem sua esperança mesmo na adversidade e o segundo não deixará ninguém se colocar em seu caminho na busca da supremacia mutante. Com as peças posicionadas em lados opostos do tabuleiro, agora Professor Xavier e Magneto têm novos objetivos e aliados a conquistar. Mas mesmo esta história conquistando o público e alcançando bilheteria certa, é interessante destacar que ainda não é um produto “puro” da Marvel (já que é uma co-produção desta com a Fox), que agora tem suas próprias regras e diretrizes no cinema em direção à expansão dos lucros e do público, se focando na jornada heroica de um personagem, normalmente aliada a uma clássica história de amor, diferente do que é visto aqui. Além disso, X-men: First Class, ainda que tente rejuvenescer seus personagens, buscando o apelo ao público jovem, consegue superar a superficialidade e o padrão esquemático de uma trama de origem, pois é um filme sobre aceitação, de um grupo em busca por reconhecimento e de um anti-herói trágico que, juntos, servem de alegoria para os traumas e preconceitos ainda vigentes depois da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria e da dificuldade de aceitação das minorias e daqueles que são ou têm opiniões diferentes.

*Marcelo Félix Moraes é graduando em Imagem e Som pela UFSCar, graduado em Ciências Sociais pela Unicamp e Integrante da Editoria Geral da RUA.

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