Arthur Souza Lobo Guzzo*
Existe uma ideia em curso – e frise-se o fato de que o escopo aqui são os filmes comerciais – de que a indústria cinematográfica do Brasil vai bem, e crescendo a cada dia. Há diversos festivais, prêmios, eventos ligados ao cinema, incentivos fiscais de governos, e, é claro, há muitos, muitos filmes sendo feitos, e muitos ingressos sendo vendidos. Ninguém discute que muitos filmes brasileiros hoje fazem boa bilheteria, e de forma significativa. Exemplos como Tropa de Elite e de alguns filmes dirigidos por Daniel Filho estão aí, e isto é importante. Talvez essa ideia seja mais do que correta, e deva ser alimentada, pelos mais diversos motivos. Mas a impressão que se tem, sobretudo ao assistir um filme como Cilada.com, é que o caminho ainda é longo. É um caso emblemático e relevante, porque, como muitos filmes do cinema comercial brasileiro, se origina a partir de uma produção televisiva.
É difícil ponderar o que tem a dizer um filme como Cilada.com. O seu valor reside principalmente no fato de que se trata de mais um produto que teve sucesso com o público brasileiro. É claro que a profundidade é bastante rasa, como até se esperaria de uma comédia sem maiores pretensões. Mas o raso, aqui, vai um pouco além. O filme é baseado em um sitcom (Cilada) criado pelo roteirista, ator e comediante Bruno Mazzeo. Filho de outro humorista consagrado na televisão brasileira, Mazzeo tem obtido destaque com seus diversos trabalhos, sobretudo aqueles ligados à televisão. Essa série obteve grande sucesso, e o filme em questão configura a tentativa de levá-la a outra mídia. Apesar de não ser conhecedor da série em questão, é possível dizer que o filme não é bem sucedido na empreitada de adaptá-la. Talvez seja mais apropriado analisar o filme pelo que é (ou tenta ser): uma obra de comédia, que tem como objetivo o puro e simples entretenimento. Sob este prisma, o resultado também não é animador.
Somos apresentados ao publicitário Bruno, que tem um lapso de infidelidade à namorada (Fernanda Paes Leme) escancarado em um determinado evento social. A mulher traída publica um vídeo no YouTube que demonstra a inaptidão de Bruno na cama. Bruno tenta se redimir em duas frentes: na tentativa de reconquistar sua ex-namorada e de mitigar sua recém-adquirida reputação de inepto em assuntos de fornicância. Isto inclui, dentre outras idéias mal-ajambradas, fazer uma gravação de um outro filme onde uma transa propriamente dita possa redimir o rapaz perante a sociedade. Com pouco tempo de filme, também descobrimos que Bruno é um profissional de péssima qualidade. Há de se convir que é difícil estabelecer uma ligação entre o espectador e um sujeito que, ao mesmo tempo em que tenta pedir desculpas à namorada, contrata um “especialista” (Serjao Loroza) para registrar suas aventuras sexuais. Essa “esquizofrenia” bifurca o roteiro em duas instâncias desconexas que, juntamente com as múltiplas e mal-sucedidas tentativas de se emplacar uma piada em quase todas as cenas, minam qualquer possibilidade de coesão.
E já que estamos falando de piadas, vale dizer que este filme apresenta alguns exemplares bastante infelizes, que vão desde simplesmente sem graça até as potencialmente ofensivas. Um bom exemplo é uma cena em que “publicitários”, no intuito de apresentarem certa campanha a um cliente, encenam ao vivo, interpretando um casal, o que seria o filme publicitário. É tão inverossímil que passa longe, muito longe de ser engraçado. Sem falar, é claro, em clichês já bastante surrados. Declarações de amor na chuva deveriam ser proibidas em qualquer circunstância. Os raros bons momentos sobram para coadjuvantes. Dani Calabresa, em uma participação relâmpago, é impagável como um clone de Luciana Gimenez, ao passo que Luis Miranda, como pai de santo, consegue o feito de arrancar risadas.
Em resumo, Cilada.com não é, nem de longe, um bom exemplar do que pode ser feito em termos de cinema de massa. Não dá nem para dizer que é um veículo para o ator / escritor / comediante ou outros atores, mesmo que Mazzeo já seja famoso e tenha obtido boa repercussão com seus trabalhos. É apenas um atestado de que o cinema comercial brasileiro ainda precisa encontrar novos caminhos.
Arthur Souza Lobo Guzzo* é graduado em Comunicação Social pela PUC-Campinas e em Ciências Sociais pela Unicamp