Up – Altas Aventuras (Pete Docter e Bob Peterson, 2009)

O luto para crianças

Para seu décimo filme em parceria com a Disney, o estúdio Pixar resolveu apresentar um trabalho diferente. Inicialmente, sai dos títulos a indicação do(s) protagonista(s), que sejam carros, homens incríveis, brinquedos, peixes, ratos ou robôs, e entra um conceito, um espaço: “up”, ou “lá em cima”. Ironicamente, é essa mesma metáfora que vai trazer um dos filmes mais conectados à realidade das obras produzidas pela produtora, ou melhor, um dos filmes que mais prefere a poesia à fantasia.

Isso porque a casa voadora com seus balões, se essencialmente fantástica, é descrita na história como friamente calculada, balão por balão, e portanto cientificamente possível, o que implica um cuidado enorme com verossimilhança e descrição de possibilidades. Se os cachorros falam, é porque foi concebida uma coleira especial; se a casa voa até a América do Sul, é porque tudo estava descrito num mapa e previsto pela viagem.

Saímos assim de um mundo dado (em que carros falam, em que ratos cozinham etc.) para um mundo representado, no caso, tem-se a representação do mundo real. Não por acaso, nossos protagonistas são humanos, e mesmo um não muito sedutor para o público infantil, o que é o caso do senhor idoso e ranzinza. Não por acaso igualmente, a idéia dos céus indica tanto a aventura com a casa quanto a idéia da morte da personagem Ellie, provavelmente o verdadeiro fantasma que norteia o tema de Up.
Desta maneira, o roteiro poderia ser lido como uma nostálgica travessia pelo período de luto. Após a belíssima cena inicial, em que se descreve em cinco minutos e quase sem palavras a vida, o amor e a morte na vida de Carl, a história passa a transferir para a casa toda a simbologia da esposa morta, e é esta que Carl recusa, literalmente, a deixar partir. Cada passo da evolução deste objeto (suas fissuras, a “disputa de atenção” com os amigos que precisam de Carl, o fato dela encontrar sozinha o local de aterrissagem) carrega uma grande simbologia de personalização. A casa torna-se Ellie, e nada melhor para ilustrar essa idéia do que o plano em que o senhor carrega a casa por uma corda, e o quadro dentro da casa o assiste lá em baixo, com um olhar satisfeito. A Pixar consegue conferir a seu filme um olhar metafísico.

Igualmente, este olhar proposto é muito maduro e adulto, vide a maneira como o roteiro lida com a frustração, com a noção de heroísmo (sempre vista de maneira frustrada através da figura de Muntz) e com a revelação da situação familiar de Russel. Para um filme que pretende abordar os valores da família e da amizade como este aqui, dá-se um baile em produções simplórias, maniqueístas ao extremo como a franquia Era do Gelo. Neste, dizia-se às crianças como se comportar, enquanto Up lhes fornece algo a pensar.
E só resta admirar o belíssimo trabalho de som, a riqueza da montagem e a perfeição do roteiro, a trilha sonora, a sutileza da conclusão, o uso discreto do 3D. Up ousa ser inteligente e sutil, complexo e maduro como os filmes infantis raramente são. Ele ousa ser moderno no sentido em que sua relação com o público não é mais didática nem moralizante, apenas reflexiva, ou seja, ele acredita na capacidade das crianças pensarem sozinhas o material e os temas fornecidos. Sai a catequese e a sala de aula, entra o cinema concebido como o bate-papo com um amigo mais velho e mais experiente.

Bruno Carmelo é graduado em Cinema pela Faap e mestrando em Teoria e Crítica de Cinema na Universidade francesa Sorbonne Nouvelle

Author Image

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

More Posts

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

Este post tem um comentário

  1. Author Image

    I visit daily some blogs and information sites
    to read articles, except this weblog presents quality based
    writing.

Deixe uma resposta