Terça-feira, 07/01/1969
Jacques Tati é um cineasta cuja longa carreira no tempo se traduz em um número tremendamente reduzido de fitas realizadas. O intervalo entre uma e outra realização é suficientemente grande (cerca de 4 a 5 anos) para que muitos o esqueçam ou julguem encerrada a sua carreira como diretor.
O seu último filme no Brasil foi “Mon Oncle” (Meu tio) e o seu sucesso de público e de crítica não deveu nada ao que está acontecendo atualmente com “Play time”. Isto porque “Play time” representa, em grande parte, em termos de estilo e de temática, uma edição relativamente atualizada de “Mon Oncle”. Tati não deixou de ser o velho Tati: o mesmo humor, refinado, sutil, baseado na “gag” puramente visual, fruto da contradição homem-meio técnico, se faz novamente presente e desta vez de uma forma mais globalizante. Sabemos que tudo se passa em Paris, mas deparamos a cada plano com algo que não é a Paris que conhecemos (as técnicas de hoje permitem o conhecimento à distância); um universo essencialmente técnico, composto de metais, de vidros de plásticos e de silêncio, se superpôs à tradicional cidade e uma nova cultura ainda não se cristalizou para preencher esse novo espaço. Mr. Hullot (Monsieur não cabe dentro do contexto da fita) é o velho parisiense que nos conduz através deste universo dominado por novas roupas, novos costumes, milhões de engenhocas e pela língua inglesa. E nos conduz tão ou mais surpreso do que nós; de suas experiências (e a dos outros também). Tati extrai os elementos de humor reveladores e exploradores das contradições entre determinado tipo de cultura e o progresso técnico. As coisas se revelam através do pequeno detalhe, do menos deslize e através da exploração do espaço enorme que a câmera domina. O parisiense Hullot é um estranho em paris, onde nem sequer se fala sua língua e onde os contatos entre os homens são movidos por interesses que lhe são estranhos e distantes. O turismo foi enquadrado e empacotado dentro dos novos padrões: grandes rebanhos humanos, enfileirados e uniformizados, organizados burocraticamente, “passeiam” para lá e para cá, em meio aos metais e às vidraças. O novo ritmo de trabalho deu origem a uma nova coreografia, magistralmente evidenciada na fita. Os hotéis, as lojas, os restaurantes, as casas de lanche, as farmácias, as próprias ruas, tudo está com roupa nova e, ainda, estranha. A “noitada” se faz dentro de um ambiente que procura adaptar-se às novas condições, ao ritmo de sons “modernos” e com serviço dimensionado cientificamente (o termo aqui vale apenas pela ironia).
Em suma, temos uma composição que se articula para evidenciar uma nova paisagem, um novo ritmo, que se superpõe e se impõe à velha cidade, cujos elementos tradicionais só são vistos através do reflexo distante no vidro “importado” da cidade nova.

Ismail Xavier
perfeito texto!!! Tati era um gênio!
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