Cópia Fiel (Abbas Kiarostami, 2010)

Gabriel Dominato*

Cartaz nacional do filme "Cópia Fiel"

Ao assistir o filme Cópia Fiel (Copie Conforme, 2010) pensei que veria apenas uma bela atuação de Juliette Binoche, porém nunca poderia esperar o que encontrei: poesia por todos os lados. Isso porque o nome Abbas Kiarostami ainda era estranho para mim, não sabia quão grande era seu brilhantismo.

Não é a toa que o filme rendeu o prêmio de melhor atriz a Juliette Binoche no Festival de Cannes de 2010. Está mais linda que nunca e sua atuação é amplamente invejável para qualquer atriz. Poucas seriam capazes do que ela faz neste “Cópia Fiel”: ser de extremo charme com uma simplicidade e naturalidade pouco vistas atualmente, sendo uma de suas mais belas atuações ao lado de  A Liberdade é Azul (Trois couleurs: Bleu, 1993) e A Insustentável Leveza do Ser (The unbeareble lightness of being, 1988).

Kiarostami dirige com suavidade, sem perder o ritmo por nenhum segundo.  A imagem fluí com uma agilidade que impressiona, um vigor, que está se tornando cada vez mais raro, transborda da tela, lembrando Alain Resnais em alguns momentos com cores que se destacam e uma certa desconstrução da narrativa, explorando de forma genial a Toscana, local onde se ambienta o filme, utilizando de sua paisagem e arquitetura para construir o cenário, assim como os atores, os quais o rosto e as expressões são examinados e estudados de forma exaustiva e primorosa.

O diretor, diferente do que acontece na cena contemporânea, como os filmes Redacted (2007)  de Brian do de Palma, Polícia, Adjetivo (Politist, Adjectiv, 2009) de Corneliu Porumboiu,  Kinatay (2009) de Brillante Mendoza, e filmes políticos acusacionistas em geral,  tem uma ética muito firme na construção de seu filme, a qual permeia toda sua obra e está empregada de forma magistral em “Cópia Fiel”. Esta ética diz respeito ao sentimento de culpa do espectador, isso é algo que Abbas Kiarostami se restringe a fazer, o próprio diretor já declarou em entrevistas que não gosta de ter esta sensação e nem de repassá-la a seus espectadores. Portanto, a experiência nesta obra é algo distinto do cinema artístico em geral, onde, principalmente no cinema político, os diretores sentem a necessidade de repassar a responsabilidade para quem assiste ao filme. Kiarostami declarou que quer apenas que as pessoas desfrutem seus filmes e divirtam-se, o que ele consegue fazer de forma brilhante nesta obra, ele concebe um longa metragem com cunho artístico que ao mesmo tempo consegue entreter seu espectador.

Juliette Binoche e William Shimel em " Cópia Fiel"

A história é simples, mas a dramaturgia e a mis-en-scène consegue extrair do enredo minimalista uma quantidade muito ampla de caracteres. Binoche é uma vendedora de antiguidades e William Shimell é escritor que está em Toscana para lançar a tradução em italiano de seu livro “Copie Conforme” – daí vem o título original do filme – e por esses interesses comuns nas artes acabam se encontrando e viajando pela Toscana discutindo os originais e as cópias em vários aspectos e níveis. A partir daí  emerge uma extensa reflexão sobre a importância do original e da cópia.

James Miller (William Shimell) reflete que não existiria uma diferença fundamental entre um original de uma estátua grega, esculpida por um artesão na Grécia Antiga e para uma reprodução feita por um brilhante falsário nos dias de hoje, pois a arte cumpriria a mesma função e apenas seus valores difeririam, mas não seu objetivo. A meta da arte parece ser a mesma – seja qual for a pretendida pelo seu autor. Pensemos, por exemplo, em “La Gioconda” de Leonardo Da Vinci e um cópia fiel desta feita por um habilidoso pintor de nossos tempos. Se não fosse uma plaqueta no museu do Louvre para indicar que aquela em exibição era a original, pouquíssimas pessoas saberiam dizer se ela era a de Da Vinci ou uma cópia. Logo, a função da arte foi alcançada, ao menos nos níveis de beleza e admiração, já que tanto uma quanto a outra provocaria o mesmoefeito em seu público.

Cena do Filme " Cópia Fiel"

Então um romance muito peculiar aflora, sempre com base no original e na cópia fiel. Um casal, que está há anos separados se reencontra e desabafa, ou são apenas simulacros de suas próprias vidas particulares ali reproduzidos? Não sabemos, e me parece em absoluto desimportante saber, afinal o debate é este, nunca sabemos qual é a cópia e qual é o original, mas no fim não cumprem eles a mesma função?

Indo ainda mais longe, o próprio filme é, a priori, uma cópia da realidade, onde nós somos os originais. Logo, cabe a nós perceber se aquela relação trata-se de uma cópia ou de um original, é a partir de nossa vida que o filme terá seu derradeiro significado, e no fim, sem dúvida, cada um terá um final diferente.

Cena do Filme "Cópia Fiel"

Abbas Kiarostami, com o carisma radiante de Juliette Binoche e o charme de William Shimell, conseguiu construir um filme que passeia pelo drama e narra sua história de forma lírica, ainda flertando com a comédia em dados momentos, porém em todos com extrema sensibilidade e um humanismo próprio do diretor, o que torna este “Cópia Fiel” um dos mais belos filmes de 2010.  A obra é coberta sobre o manto de uma fotografia simplesmente maravilhosa e uma câmera que sabe explorar a Toscana e seus atores, captando cada expressão e mínimo gesto, algo importante para o cinema.

Em “Cópia Fiel” Abbas Kiarostami nos brinda com uma obra de extrema sensibilidade e humanismo e se estabelece como um dos mais representativos realizadores do cinema mundial da contemporaneidade.

*Gabriel Dominato é graduando em direito no Centro Universitário de Maringá e é redator do blog Avant, Cinema!

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