Amantes (James Gray, 2009)

Alvaro André Zeini Cruz*

Cartaz do filme " Amantes"

A névoa delimita o espaço: pouco se vislumbra do horizonte nova yorkino do alto da laje do prédio. O ambiente corrobora para uma opressão dos personagens, algo que será potencializado pela mise en scène, pelos corpos que se contrapõem. Leonard (Joaquim Phoenix) deixa o papel de títere que costumara ocupar sempre que estava com Michelle (Gwyneth Paltrow), para, enfim, se tornar controlador da situação. Ele a coloca literalmente contra a parede. Ela, que até então o usara, e que vê agora seu mundo desabar, olha por um rápido instante para a câmera, como se pedisse ajuda ou uma interferência qualquer, afinal ou se entrega àquele que ela mesma chamara de irmão, ou corre o risco de perder o único porto seguro que lhe resta num momento difícil. Ele se declara; ela vendo não ter saída, permite-se ser beijada. O sexo ocorre com ela ali, encurralada, prensada na parede, enquanto ele vê na fragilidade dela a situação propícia para a mais desesperada das tentativas de conquistá-la. Trata-se de um encontro amoroso, mas poderia muito bem ser um jogo no exato momento do xeque-mate. Os papeis se invertem, e não à toa, o diretor James Gray se permite filmar o sexo num close focado no rosto dos atores-personagens, ou seja, naquilo que realmente interessa ao filme.

Pois Amantes é um filme que procura o rosto, a expressão, o gesto mínimo, a maneira como Leonard leva as mãos ao bolso no primeiro encontro que tem com Michelle, ou o olhar de uma excitação quase que pueril que ele dá à janela quando a luz vinda do apartamento de Michelle invade seu quarto. Leonard é, na verdade, um adolescente preso ao corpo de homem aparentemente amadurecido, mas que, no entanto, procura driblar o stabelishment que lhe tem sido imposto. Isso se reflete em suas ações, seja no voyeurismo infantil que tem pela paixão platônica, que faz com que ele se esgueire pelo quarto para não ser visto, ou na fuga sorrateira no meio da noite, simplesmente para que os pais não percebessem sua ausência. Michelle, mais do que a mulher amada, representa uma subversão, um retorno àquilo que ele tivera mas perdeu, uma libertação do zelo dos pais, uma forma de reencontrar-se com si próprio.

Mas Michelle é “cruel” e faz um jogo de morde e assopra. Não quer Leonard como homem, mas o quer como apoio; não quer o sexo, mas se entrega por saber o quão aquilo é importante para mantê-lo ao seu lado. Mais adiante, ela aparece à janela do apartamento, alta, distante, cercada por grades de ferro. Faz contato com Leonard e dali lhe mostra os seios. Não é boba, sabe que precisa instigar a paixão/obsessão do outro, mesmo permanecendo ali quase inatingível. Leonard se deixa levar, ao mesmo tempo em que mantém um relacionamento com Sandra (Vinessa Shaw), estabelecendo uma relação semelhante a que ele próprio mantém com Michelle, havendo aqui nova inversão dos papeis: se Michelle usa Leonard, ele faz o mesmo com Sandra, não por desgostar da moça, ou por tentar atingir a outra, mas por saber que entre ficar com o ideal (Michelle), o possível (Sandra), e o nada, é melhor manter uma carta na manga.

No fim, é isso que importa ao filme: escolhas possíveis, escolhas impostas, não escolhas. Em determinado momento, Leonard para de frente ao mar. Quando as ondas quebram aos seus pés, percebe que aquilo que tentara em outro momento da trama, já não lhe é mais opção. Recolhe seus restos e cacos e volta para casa. Talvez tenha crescido, talvez não. O fato é que se conformara, sua inquietude se aquietou, e dentre os poucos caminhos que lhe foram dados, escolheu o que era possível, mesmo que esse possível não signifique exatamente plenitude ou felicidade.

Alvaro André Zeini Cruz é graduando em Cinema pela Faculdade de Artes do Paraná (FAP)

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