9ª Conferência Internacional do Documentário – O Documentário Engajado

Engajado. Um termo simbólico do existencialismo da esquerda. Como lembrou Ismail Xavier em sua mediação da segunda mesa, o cunho polêmico era a idéia de compromisso adotado pelos que lutavam contra o sistema e suas desigualdades sociais, econômicas e políticas. Em uma época em que não existia o meio termo ou se era engajado ou alienado, o extremo oposto. Alienado era todo aquele que se afasta dos compromissos para com a sociedade. O termo que era unanimidade entre os revolucionários das décadas passadas já era considerado polêmico e atualmente caiu em desuso.  Com o fim da Guerra Fria e com a caída do Muro de Berlim, opostos se integraram e o inimigo agora está camuflado nas raízes do sistema. Novos tempos obrigaram novos pensamentos.

A proposta da Conferência desse ano foi portanto tentar descobrir qual são os desdobramentos dessa mudança de paradigma no documentário ativista. Qual é a forma do documentário engajado atualmente? Qual é o papel do documentarista e do documentário na sociedade atual? Perguntas de não fácil resposta, mas que está um pouco imbricada em cada fala dos realizadores que participaram das quatro mesas desse ano.

A primeira mesa, Panorama histórico do documentário político e social, foi composta por dois veteranos no É Tudo Verdade: Ana Amado (Crítica de cinema e professora da Faculade de Filosofia e Letras da UBA) e Michael Renov (Professor e diretor associado da Escola de Artes Cinematográficas da University of Southern California). O mediador foi Eduardo Morettin, professor de Historia do Audiovisual do Departamento de Cinema, Rádio e TV da ECA-USP.

Ana Amado abriu a conferencia justamente com o que originou essa inquietação chamada cinema: A saída dos trabalhadores da fábrica dos irmãos Lumiere. O primeiro filme é também o causador do primeiro debate entre ficção e documentário, e foi lembrado também ano passado na 8ª Conferência. Essa obsessão histórica parece ser o castigo pela importância que esse veículo de comunicação viria a assumir com o avanço da tecnologia. A cena é atuada pelos trabalhadores e filmada pelos patrões. A partir desse momento estava imposto a relação de trabalho de impossível desvinculação da imagem. Esse registro aparentemente coletivo já trouxe consigo a marca econômica e social que o cinema, e mais tarde a TV, viriam a ter: o controle de indivíduos economicamente mais fortes. O nocaute já estava dado. A questão levantada por Ana Amado foi justamente a seguinte: de que lado da câmera nós queremos estar?

Partindo desse ponto de partida, Amado tentou dialogar um pouco sobre a relação de trabalho e representação no documentário. Tomou como base o nosso continente, mas especificamente a década das revoltas contra os governos ditatoriais na Argentina.

O cinema sempre foi usado dentro e fora das fabricas pelos sindicatos e outros movimentos como forma de propaganda e divulgação de ideologias. Acreditava-se que era um instrumento de consciência.

Mas mesmo nesses casos, a representação do outro parte de uma visão de fora. A apropriação das imagens e da figura do mais pobre é muitas vezes paternalista e não aprofunda a discussão de forma efetiva. Ao documentar o outro muitos dos documentários acabam ilustrando ideologias do próprio realizador, esquecendo das demandas do próprio registrado.

Estrella de Federico de Leon apresenta um pouco dessa contradição no cinema engajado através de outro viés. O documentário experimental aborda essa questão da representação da pobreza e do trabalho de forma irônica e profunda. A câmera comparte das relações e da vida na Villa 21, local onde é gravado o documentário e é protagonista principal juntamente com Julio Arrieta, responsável junto com os demais habitantes em transformar essa favela argentina em referencia artística e cultural.

A grande questão desse documentário é a própria representação da favela pelos moradores. Ana Amado mostrou o primeiro plano do filme, em que a câmera sai da escuridão de uma das casas juntamente com uma multidão de moradores e toma a clareza das ruas. Segundo a teórica, essa cena representa o nascimento daquela população, saindo da escuridão (marginalidade) e tomando a luz da visibilidade.

A pobreza, segundo o filme, não pode ser parte do entreterimento das classes mais favorecidas. Estrellas avança nos gêneros e questiona porque aos pobres apenas se cabe o papel de documentaristas. Porque a Villa não pode também representar o outro. Tantas vezes tomada como ponto de vista do outro, os moradores decidem agora representar esse que os olha de cima. Decidem fazer um filme de ficção, de alienígenas. Desenvolvem o que seria então o trailer do filme. Cheio de alegoria e críticas, o final do filme mostra que a solução para a invasão dos ETs foi descoberta pelos moradores da Villa 21: a lama dos córregos a céu aberto é a solução para matar os invasores.

Ana Amado mostrou diversas cenas em que os moradores reinventam a tecnologia para suas demandas de representação. Existências afetivas e não diretamente econômicas, criticam a fotogenia e a indústria da beleza, reivindicam a ficção como um direito deles também. A professora conclui então que a subjetividade também é um fator de liberdade e que esse engajamento também deve partir do pobre através da oportunidade do acesso a esses meios.

Michael Renov discursou sobre os Direitos Civis no documentário americano. O teórico abriu sua fala mostrando um vídeo do youtube, em que um realizador anônimo sincronizou as imagens do discurso de Barack Obama e a voz de Martin Luther King em um discurso. O título do vídeo é “I Have A Dream”, o mais famoso speech do ativista. No entanto, o áudio é de outro discurso não tão famoso.

Ao juntar, segundo Renov, a fala mais famosa do século XX com as imagens de Obama, talvez o acontecimento mais significativo dos EUA nos últimos tempos, o vídeo ganha um caráter semiótico muito importante. “A foto é o objeto por ele mesmo” citou Roland Barthes. A sincronia é quase perfeita nos lábios do presidente dos Estados Unidos. Metaforicamente, os discursos são os mesmos e King é reflexo de Obama e vice-versa. Essa forma inusitada de documentário experimental é divulgado quase que ao vivo pela internet. É uma nova janela para a exibição das idéias engajadas do século XXI.

Renov desenvolveu então a idéia de ícone, símbolo e índice em outros dois documentários que tinham o negro como representação. Back Panther (1969) e Tongues United (1989) foram utilizados para desenvolver a evolução do estilo representativo do negro no documentário.

O palestrante ainda mostrou um documentario de Santiago Alvarez, Now!, em que o cubano, apresenta em uma montagem a la Eiseinstein, apóia a luta negra nos EUA. Utilizando o Jazz como trilha sonora o cunho propagandístico comunista é gritante, apesar de não ser explícito. Essa carga simbólica também foi apresentada na capa da revista francesa Match em que um negro faz continência para uma bandeira (localizada além da capa, ou seja está apenas simbolicamente presente) de forma a legitimar uma frança multirracial.

O segundo dia de Conferência apresentou mais duas mesas. A Mesa 2 tinha como tema Denúncia e Intervenção: questões sociais no documentário contemporâneo. Os convidados foram o argentino Patricio Coll (professor, roteirista e cineasta que estava apresentando ao filme Retorno a Fortin Olmos no festival), Toni Venturi (cineasta brasileiro graduado em cinema pela University of Ryerson – Canadá, também com filme no festival: Rita Cadillac – A Lady do Povo), Evaldo Mocarzel (jornalista e cineasta brasileiro) e tinha como mediador Ismail Xavier (Professor do Departamento de Cinema, Rádio e TV da ECA-USP).

Toni Venturi abriu os trabalhos dizendo que o documentário social tem lugar de destaque em um país subdesenvolvido como o Brasil. Para o diretor, o cineasta tem um caráter inconformado e sensível por natureza, por isso vai dar voz aos excluídos. Esse movimento natural, essa “missão”, pode acabar sendo uma camisa de força por ser muito ideológico. O caráter de denúncia dos filmes pode prejudicar o desenvolvimento do objetivo crítico.

O palestrante apontou uma mudança de paradigma em 2002 com a chegada do PT ao governo. Segundo ele houve um esvaziamento do documentário. A gigantesca expansão da classe média no Brasil causou uma transformação na sociedade, colocando novas questões mais complexas, uma sociedade mais “tridimensional”. Isso demanda um novo fazer documentário. A linguagem passa, portanto, a ter novo foco, não apenas no plano de imagens ideológicas como ilustração.

Citou que enquanto os filmes de ficção tentam legitimar a ANCINE e os investimentos no cinema por meio de resultados de bilheteria, o documentário ainda consegue fugir desse processo. Por isso, a pratica do documental tem se tornado cada vez mais autoral, subjetiva – diferentemente do jornalismo e do noticiário. O movimento contrario dessa corrente industrial torna a produção cada vez mais criativa e procurada pelo público.

A questão de ser imparcial é vista pelo cineasta como menor hoje. O doc engajado bebe da ideologia e não pode ser imparcial, objetivo. Por isso ele defende a abordagem da questão subjetiva e profunda. Para Venturi a visão deixa de ser de cima para baixo, não há mais tese ou visão pré- concebida sobre o outro. Novo olhar de dentro para fora, mudando a posição paternalista e sociológica de antigamente.

O diretor ainda mostrou cenas de seu filme Dia de Festa(2004) em que mostra o que ele chama de universo invisível da cidade de São Paulo: o movimento dos sem teto. Para o Venturi o documentario atual deve buscar exemplos como esse de novas representações.

Evaldo Mocarzei continuou o diálogo apresentando a visão de João Moreira Salles sobre a obsolescência do documentário. Apontou que o documentário, segundo o ponto de vista de Moreira Salles, tem inutilidade no papel político e social da sociedade. Mocarzei no entanto pensa diferente. Apesar de acreditar no papel do doc, não acredita que a arte ou o cinema mudem a realidade no momento. A arte sempre representa o contemporâneo e tem multiplicidade de funções: registro cultural e dita novos horizontes. A câmera proporciona uma auto-etnografia. A internet subverte a ordem de poder. A expectativa do resultado do documentário deve se limitar a forma de encontrar novos olhares e formas de ouvir.

O diretor apontou para um novo circuito alternativo de exibição do documental. Segundo ele, existe uma grande demanda institucional em escolas, universidades, governos, centros religiosos, sescs, profissionais de diversas áreas e ONGs. Esses centros precisam de documentários para ilustrar e enveredar debates. O cinema documental é uma grande fonte de gatilhos para discussões em diversas áreas.

Ele apontou que é preciso pensar em leis de incentivo visando esse circuito “alternativo” profissional. Verbas públicas deveriam ser pensadas para esses circuitos. O diretor citou dois exemplos de trabalhos seus, em que um foi utilizado para conseguir verba do Banco Mundial pela secretaria do estado e outro em que distribuiu cerca de 6000 cópias de seu filme sobre síndrome de down para famílias e hospitais. O filme documentário deve ser exibido e divulgado para esse público que demanda conhecimento.

Patricio Coll finalizou a mesa com um discurso com mais perguntas que respostas. Segundo o diretor, o documentário pode ser dividido em três condições distintas: a verdade como não podemos vê-la, como não queremos vê-la e como não podemos vê-la sem o documental.

“Sabemos que a realidade é opaca, tem que ser penetrada, indagada, investigada”. A essência do real é o “afiado bisturi da razão”. É um “fato sutil da sensibilidade”.

O Primeiro problema apontado pelo palestrante foi que nossa ideologia (inútil ou inservível) causa o impedimento da entrega ao objeto. “Vão aparecer contradições e nossa ideologia não quer assumir para simplificar. Temos medo porque temos que terminar o relato e alguns coisas não se encaixam conforme prevíamos”. O que devemos buscar, segundo ele, são mais perguntas que respostas.

Cultura e ideologia são aquilo que vemos e ouvimos, aquilo que estamos de acordo. Ignoramos o resto que não tem a ver com nosso background. Não queremos ver o que nos questiona, esse é o segundo ponto. Como resolver isso para avançar, como evitar essa audição seletiva? A resposta pode ser colocando em evidência nossos mecanismos, nossos processos ao fazer um filme. Divulgar ao espectador nosso códigos (regras), deixar aberto e plantar interesse no espectador. Sempre mostrar, sem qualificar, como evidencias: evitar códigos pré-estabelecidos e impostos no meio audiovisual.

A terceira condição: Sabemos que necessitamos uma forma de representação rigorosa e única que revele o fragmento de realidade. A arte sempre busca responder as questões do seu tempo. Vanguarda é o sentido de novas formas para a verdade do seu próprio presente. Colocar em questão se aquilo ainda é valido, se o artista é comprometido. Não se constrói pela necessidade de representar a verdade. Perguntas devem ser feitas: Como se intervém? Como se denuncia? Como se apresenta? A tomada do documentário deve ser propagandística? Quanto temos de paternalismo? Quanto de emoção e quanto de razão? Documentarista como ferramenta para atuar. Coll finaliza apontando que cada filme desvenda sua verdade e suas intenções.

A mesa 3 que aconteceu na tarde do mesmo dia 02/04 tinha como tema Documentários militantes: o cineasta enquanto ser político. Os convidados foram o canadense Peter Wintonick (Critico, produtor, diretor e editor de documentários), Michael Chanan (Documentarista inglês, professor de Cinema e Video da Roehampton University), Renato Tapajos (Jornalista, escritor e cineasta brasileiro), Orlando Senna (professor, jornalista, roterista e diretor de teatro e cinema) e foi mediada por Marcius Freire (Professor do Departamento de Cinema do Instituto de Artes da UNIMAP).

A ementa dessa terceira mesa buscava debater o “cinema que toma partido, que defende causas, que busca atuar politicamente, pautando-se por um questionamento da função política do cinema e o papel do artista enquanto ser político”[1].

Orlando Senna abriu as discussões tomando Triunfo da Vontade de Leni Riefenstahl, como ponto de partida. Segundo ele a primeira vez que assistiu acho o filme frio, e a emoção transmitida pelos “atores” do documentário não o cativaram, talvez por sua postura inversa de pensamento. Sua fascinação foi meramente estética (enquadramentos, elenco gigantesco, planos bem trabalhados). O objetivo era conhecer o filme tão famoso.

Muito diferente, citou, foi sua experiência com Nau de Santiago Alves que mostrava uma nova maneira de fazer filmes: um cinema panfletário. No Triunfo da Vontade a aconteceu uma superprodução enorme para organizar a ficção. Nau tem 6 minutos e foi um dos mais baratos da historia. A arte panfletaria de Nau era interessante. Ou seja, o cineasta é primeiro de tudo raiz cultural e em segundo tem raiz com sua própria arte: linguagem eleita é política sempre.

Segundo o diretor todas as historias já foram contadas, o interessante é como são contadas. A forma é a maneira própria de contar: cinema novo, novelle vague, neorealismo, etc.

O documentário hoje é para o realizador a evolução artística, a superposição de dogmas. Novos meios de exibição, cine ensaios, docdramas, documentários experimentais e criativos: manifestações do século XXI. Isso aumentou o percentual de documentários produzidos. O engajamento dos jovens no entanto é social e não político. A atitude pragmática mudou o cenário e poucos são documentários ativistas propriamente ditos.

Michael Chanan continuou o debate expondo que observar o humano é relativo pela caracterização desse observado. Temporal, político e histórico. Depende da geografia, da localização do individuo. No mundo em que até as datas diferem de país para país, o palestrante disse que desacredita que o 11 de Setembro, igual é apontado por alguns, seja um marco no documentário ativista (Michael Moore e outros) e sim a questão global que nos aflinge atualmente.

Citou ainda que os noticiários como exemplo de como a visão dominante exprime até mesmo a produção local. Imagens de países ocupados como o Afeganistão e Iraque são apenas realizadas pela mídia estrangeira. Isso evita um auto identificação e um desenvolvimento cultural e critico daquelas sociedades.

Renato Tapajós apontou em sua fala que antigamente as universidades eram grandes centros produtores de documentários ativistas porque os próprios grêmios estudantis financiavam essa produção. A impossibilidade técnica e financeira acabava sendo impulso para procurar novas formas alternativas de realização.

Lembrou que o filme Linha de Montagem (1982) foi feito com a intenção de divulgar e expandir o movimento de greve na região do abc paulista. No entanto, hoje ele é um registro meramente histórico, mostrando a ambivalência do documentário político e seus reflexos hoje. Esses registros de memória perderam o sentido engajado com o tempo, mas na época faziam muito sentido.

Peter Wintonick finalizou os trabalhos com uma apresentação sucinta em Power point. Muito descontraído, o canadense fez um pequeno apanhado e comentou um pouco sobre cada apresentação anterior e fez links interessantes e muitas vezes engraçados.

Ele propôs em sua apresentação uma nova forma de pensar filmes políticos. Com o fim da “verdade” onde até mesmo nosso corpo é globalizado, Wintonick desenvolveu um alfabeto do documentarista moderno.

Sua brincadeira com palavras faz muito mais sentido em inglês que em português, por isso citarei somente algumas delas aqui.

A letra A por exemplo significa Algae-Rhythnm. Peter disse que a vida é ritmo, por isso é preciso se adaptar ao novo ritmo, desenvolver um ritmo novo. O ritmo quer dizer os temas, as abordagens, as dinâmicas. “Esqueçam essa baboseira de Grierson, é passado.” para Babilonia: “Vamos conversar juntos novamente, não igual antigamente”. C para Cyberdocs: Mais vídeos, mais divulgação, mais youtube, mais menos qualidade. More or less (Fez até uma brincadeira com Micahel Moore: Michael Moore less).

Sua “receita” é para porções individuais e o tempero é a gosto do freguês. “Faça o seu abcedario!” disse.

A última mesa foi na verdade uma conversa e reservou um convidado especial: Avi Mograbi. Principal documentarista israelense em atividade, dirigiu, entre outros, Vingue Tudo Mas Deixe um dos Meus Olhos, Agosto: Um Momento Antes da Explosão (premiado no É Tudo Verdade 2002), Como Aprendi a Superar Meus Medos e Amar Ariel Sharon e Feliz Aniversário Sr. Mograbi. Seu longa mais recente Z32, integrou a programação deste ano do Festival.

Mochila nas costas, segurando a aba e uma expressão de fascínio/desconfiança. A figura carismática de Avi Mograbi é quase mística. Sua simplicidade e humanidade parecem exalar em cada expressão sincera em seu rosto.

Havia assistido já aos dois primeiros filmes citados no Cinusp Paulo Emilio onde ocorria a exibição, juntamente com a Cinemateca, da Retrospectiva desse ano que tinha Avi como homenageado. No mesmo dia da palestra ainda assistiria o Z32. A evolução do trabalho do cineasta israelense impressiona. Sua habilidade de interpretação e abordagem dos temas é claríssima e impactante. Não só engajado, mas humano. Diferentemente de Michael Moore, Avi não busca se auto-projetar através de seus filmes, mas pelo contrario, se expõe para desmascarar os mecanismos do cinema e dos meios de comunicação.

Foi sobre essa evolução de seu trabalho que ele falou para uma audiência fixada e atenciosa. Maria Dora Mourão fez uma breve apresentação sobre o trabalho do cineasta. Avi tomou a palavra e começou a descrever sua trajetória e seu interesse no cinema.

Interesse que começou bem jovem, seu pai era dono de um grande cinema em Israel onde, segundo ele, cresceu assistindo mil filmes ruins. Seu sonho era fazer filmes de ficção e se tornar um novo Win Wenders. Estudou filosofia e arte, quando começou a escrever roteiros e trabalhando como assistentes em alguns filmes. Durante esse período na universidade teve um “estalo” na consciência política de esquerda e um senso critico muito forte sobre sua sociedade.

Em 1988 resolveu gravar a Segunda Intifada de onde nasceu seu primeiro curta Deportação. Nesse curta tentou abordar a relação das agressões e violências omitidas pela televisão. Não havia discussão sobre o ato, apenas as imagens atrás de imagens. Tentando desconstruir essa situação, coloca a questão sobre o que é aquele ato, seu real significado. No entanto Avi afirmou que apesar de gostar do filme acredita que não conseguiu alcançar seu pleno objetivo que era a discussão moral.

Seu segundo documentário, The Reconstruction, conta a história da morte de um garoto no norte. Com estilo bem tradicional utilizando material de arquivo, Avi tenta alertar que os acusados talvez não sejam os verdadeiros culpados, mesmo tendo confessado o crime. Tentou nesse filme mostrar TODA a verdade, e apenas colocar as informações que tinham 100% de certeza. Tentando contar a verdade descobriu que não era possível contar a verdade. Seu papel de transformar a realidade teria de ser tomado a partir de outro ponto de vista. Questões de qual é o verdadeiro sentido do documentarista começam a aparecer.

Essa mudança de postura é muito importante para entender a obra de Avi. Seu próximo filme seria Como Aprendi a Superar Meus Medos e Amar Ariel Sharon(1992). O diretor apontou que começou a realmente desenvolver suas marcas autorais nesse filme. O até então em decadência Ariel Sharon (Ministro da Defesa) estava pleiteando a reeleição.

Mograbi queria seguir Sharon, gravando material suficiente para desmascarar o político. Escolheu essa época do ano porque acreditava que os políticos se expunham mais e porque sua decadência era eminente e talvez fosse a ultima eleição de Sharon (Mais tarde se tornaria primeiro ministro e amado por toda a população israelense).

O acesso ao presidente não foi simples e por isso Avi não podia expor sua postura política contraria. Depois de estabelecer relações conseguiu o acesso a timetable dele. O cineasta apontou que depois de um tempo descobriu que o material que procurava não estava lá: descobriu uma pessoa simpática e as conversas estúpidas, devido ao disfarce de ambos os dois, não levavam a nada. Campanha estava chegando ao fim e não tinha filme. Percebeu então que o filme seria sobre um documentarista que assume seu próprio erro, e assim perde sua própria moral e estabilidade. Em outras palavras esse documentarista ficcional, que não é Avi, se deixa levar pelo charme do político e se deixa enganar, tornando-se seu amigo.

Conta uma historia falsa para contar uma real: o carisma manipulador do governante. Avi inventou cenas ficcionais para pretender que cedia a idéia do Sharon, criou diálogos, mas sempre explicitando o fato ao espectador para que nós saibamos que aquilo é uma atuação. Ariel Sharon não sabia no entanto da idéia original, portanto sua documentação é “real”.

Esse filme transformou a forma do diretor enxergar o documentário. O filme é na verdade sobre o próprio documentarista e Sharon apenas plano de fundo. Usando o humor, o israelense cria uma critica corrosiva a sua cultura e o modo de ver de seu povo.

Avi ainda falou sobre suas experiências nos filmes conseguintes: Feliz Aniversário Sr. Mograbi e Vingue Tudo Mas Deixe um dos Meus Olhos. Esse último eu assiti: é fantástico e merece um texto a parte.

Para mim, a 9ª Conferência Internacional do Documentário tem um balanço extremamente positivo na forma de pensar não tanto o documentário engajado em si, mas o resultado esperado pelo trabalho desenvolvido.

A visão ingênua e idealista pode parecer uma besteira para alguns, mas acredito muito no poder da arte e do cinema documental em si. Não o poder de mudança drástica da postura política e cultural da sociedade, mas como uma resistência viva em processo. Um cinema homeopático, criando pequenas revoluções internas de subjetividade.

“Ninguém educa ninguém”, frase famosa de Paulo Freire. O documentário também não é desenvolvido para educar e sim apresentar (como disse Patricio Coll) a realidade como não poderíamos vê-la sem o documental. É o trabalho de Avi Mograbi, tentar despertar o amor em uma sociedade onde o ódio é tão enraizado. É o que afirma Evaldo Mocarzei quando diz que devemos buscar os meios alternativos de exibição: escolas, universidades, governos; despertando assim quem desperta o conhecimento em outros.

Fazer documentário é acreditar na mudança e trabalhar para um resultado que talvez não enxerguemos, mas que com toda certeza existe.

Felipe Carrelli é graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)


[1] Retirado do Panfleto da 9ª Conferência Internacional do Documentário – O Documentário Engajado

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