
Por Nicolas Germano
Redação RUA
Kiyoshi Kurosawa, autor de filmes emblemáticos como Cure (1997) e Pulse (2001), aos 69 anos, se demonstra mais ativo do que nunca, ao lançar três filmes no ano de 2024. Cloud (2024), selecionado como representante do Japão para melhor filme internacional no 97º Oscar, apesar de não ter sido indicado, segue na mesma direção que suas obras de maior sucesso, um terror que aborda temas profundos da sociedade atual.
O filme conta a história de Ryosuke, um trabalhador de fábrica cansado de seu emprego e que busca ganhar dinheiro fácil através da revenda de produtos. Ao largar seu emprego e se aprofundar nessa atividade de caráter duvidoso, o protagonista vê-se em meio a uma busca incessante para manter sua nova ocupação, enquanto lida com consequências inesperadas de seus atos.
Em um primeiro momento, Cloud possui um caráter mais psicológico, no qual, de maneira tímida, o protagonista se depara com acontecimentos estranhos. Nesse sentido, a fotografia é sublime, pois garante cenas tensas, encontradas no melhor suspense, mesmo que nada de impactante aconteça, ao mesmo tempo em que o enredo se desenrola e começa a tomar corpo, para enfim chegar ao seu clímax.
Em um segundo momento, uma virada abrupta ocorre, e os acontecimentos que eram no máximo estranhos ganham espaço para uma caçada feita por aqueles que foram prejudicados por Sr. Yoshii, como Ryosuke é chamado, os quais se sentem no direito de cobrar as suas frustrações, torturando e matando o infrator. Nota-se, no entanto, o fracasso de tal tentativa, resultando na morte dos caçadores pelo revendedor e seu assistente Sano, em um processo de inversão, em que o predador se torna a presa.
Porém, o que mais vale destacar em Cloud é o tema pelo qual se circunda: o funcionamento impiedoso do capitalismo e os males causados por ele. O protagonista, nesse caso, representa o usurpador, que toma dos outros para o lucro próprio, e o seu assistente, aquele que faz de tudo para que esse processo continue. Sano não demonstra dificuldade ou remorso algum quando elimina todos aqueles que buscam parar seu chefe, tal como os capitalistas não se preocupam em tomar decisões baseadas apenas em aumentar a sua taxa de lucro, como demissões em massa, independente dos efeitos causados na vida das pessoas. Ambos são os únicos sobreviventes no final do filme, pois só seria permitido ao capital a sobrevivência daqueles que o mantêm, enquanto seus inimigos são todos eliminados implacavelmente.
Ryosuke, em uma tentativa desesperada de fugir do trabalho alienante, encontra, na ilegalidade e na necessidade de um pouco de sorte, uma forma de ganhar dinheiro e, consequentemente, conforto como nunca havia tido antes. É impossível não relacionar esse ato com o crescimento recente de casas de apostas e cassinos online: uma promessa de ganhar dinheiro rápido e sem esforço ou até a entrada dos jovens para o crime em busca de sua sobrevivência.
Quando se olha para a inescrupulosa sociedade capitalista, máquina moedora de trabalhadores, imaginar que alguém estaria disposto a abandonar sua moralidade para fugir desse sistema não parece, ao final, tão absurdo assim.