CRÍTICA | Eles Não Usam Black Tie (1981), Leon Hirszman

Foto: Agência Brasil

Helena Zoneti Rodrigues

Redação RUA

Eles Não Usam Black Tie (1981) é um longa do início da década de 1980 e é uma dentre outras obras dirigidas pelo cineasta Leon Hirszman – um dos principais representantes do Cinema Novo e ativista do Partido Comunista Brasileiro -, cuja temática retrata as reivindicações da classe operária por melhores condições de vida diante da exploração parasitária do patronato. Abc da Greve (1990), do mesmo diretor, demonstra que o mote que impulsionou a sua realização continua presente, espelhando questões atuais que continuam a impactar a vida do trabalhador brasileiro; ambos simbolizam o impasse, onde trabalho e desumanização parecem ser faces de uma mesma moeda.

Ganhador do Grande Prêmio do Júri do Festival de Veneza com adaptação da peça Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri, que inclusive atua no filme como Otávio, operário, pai de uma família de classe baixa, um dos líderes principais do movimento grevista da fábrica e ativista no sindicato, o longa se situa no período pós-ditadura, representando portanto um cenário precedido por anos de repressão e silenciamento da voz do operário fabril. A representação da pobreza no longa faz parte da estética empregada nas cenas, que reitera as condições subumanas de exploração por parte da fábrica, mas não apenas, também de violência policial. 

Ruas não asfaltadas, casas em condições precárias, a vida de carência do trabalhador é aqui exaltada, momento em que a greve é ato de transformação e símbolo de autonomia do trabalhador, para além das motivações predominantemente econômicas, como as reivindicações de salário e melhora nas condições de trabalho. Filme, portanto, que se coloca a favor das demandas operárias. Mas este longa é, principalmente, sobre família; pouco vemos o interior da fábrica; a relação patrão e empregado é expressa em seus efeitos: na fome e dureza da família ao aplicar no enredo diálogos vivos, agudos e perspicazes da realidade. A película conta também com um elenco nacional de prestígio, como Fernanda Montenegro (Romana) e Milton Gonçalves (Bráulio). 

Por um lado, temos Otávio (Gianfrancesco Guarnieri), pai e líder político da fábrica, enérgico no movimento sindicalista, e seu filho, Tião (Carlos Alberto Riccelli), personagem que ilustra o início do filme junto com sua namorada, Maria (Bete Mendes), que ao descobrir sua gravidez, decide pedi-la em noivado. É neste momento de tensão, ao se assumir pai e sair “do lugar de filho”, que a problemática do longa se confirma: Tião rejeita ser um pai como o seu, que ao sobreviver por três anos na prisão em nome de sua luta, deixou, inevitavelmente, sua família na escassez. 

Seu empreendimento de diferenciação ao pai, Otávio, tem efeito contundente no trabalho quando Tião “fura a greve”, ao contrário de seu pai e noiva. Aqui, a trama se mostra ambígua ao espectador, digna do longa complexo e de atuações impecáveis: Tião é espelho do trabalhador passivo, rígido, medroso frente às mudanças em benefício ao trabalhador. No âmbito familiar, Tião é rebelde, é menino tentando ser homem, e cá entre nós, espectadores, o homem não foi e ainda é colocado como homogêneo ao seu trabalho? Otávio também o é, de certa forma. Romana, a mãe, carrega a angústia deste conflito de homens em relação às ideias e ações: para Romana (Fernanda Montenegro), Tião não passa de um filho teimoso. 

“Aquele garoto que ia mudar o mundo, assiste a tudo em cima do muro” – Tião é reflexo de sua geração, talvez? É a construção de sua identidade, mesmo que alienada? É a rebeldia ao pai, rebeldia pela não aceitação na família?  Ao furar a greve, Tião é expulso de casa pelo seu pai, que não é seu espelho; expulsão que parece apontar, por um momento, como uma miopia de Otávio frente ao verdadeiro “inimigo”, que não é o operário. No fundo, o drama é familiar, é sobre o que é ser homem, ser pai. Apesar da ambiguidade em relação a Tião, o filme tem um recado. Cabe citar, por fim, Nise da Silveira, que participa do documentário de Leon Hirszman, Imagens do Inconsciente (1987): “é necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade”.

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