Crítica | Top Gun: Maverick (2022), de Joseph Kosinski

Por: Gabriel Pinheiro

“Tom Cruise não só revive o seu passado na indústria do cinema como também reflete sobre o fato de estar envelhecendo.”

Com o uso de dispositivos de uma masculinidade hegemônica e um flerte com o narcisismo exacerbado, Top Gun (1986) pode ser considerado uma síntese de muitos clichês de Hollywood, principalmente daqueles longas voltados aos jovens dos anos 80. A guitarra com o timbre do Van Halen, a garota, os óculos escuros, a jaqueta, a motocicleta, os aviões e o afeto entre homens sem camisa compõem esse grande sucesso de bilheteria do cinema estadunidense. O longa conta a história do tenente Pete ‘Maverick’ Mitchell e seu amigo e co-piloto Nick ‘Goose’ Bradshaw, cujo sonho de serem aceitos em uma escola de treinamento de elite para pilotos de caça se torna realidade. No entanto, uma tragédia, assim como demônios pessoais, irão ameaçar os sonhos de Pete de se tornar um ás do ar.

Houve muita expectativa em torno da sequência do sucesso de 1986. Quando os rumores de que a sequência finalmente estava em produção começaram a circular, a pandemia surgiu e os diversos atrasos nos lançamentos para o cinema ocorreram. Top Gun: Maverick (2022) parece ter sido o filme mais afetado, já que a Paramount não poderia simplesmente liberá-lo para o streaming. A experiência de assistir na “sala de cinema” é fundamental para a total imersão e vivência de toda a adrenalina que o diretor e Tom Cruise desejaram proporcionar ao espectador.

Top Gun: Maverick conta a história de Pete “Maverick” Mitchell (Tom Cruise), um piloto veterano da Marinha que coleciona várias condecorações, medalhas de combate e grande reconhecimento por ter abatido muitos aviões inimigos nos últimos 30 anos. No entanto, sua carreira não decolou como esperado, já que ele deixou de ser um capitão e tornou-se instrutor. O motivo para isso é simples: ele ainda é o mesmo piloto rebelde de sempre, que desafia a morte e não tem medo de romper os limites. Nesta nova aventura, Maverick precisa provar que o fator humano ainda é essencial em um mundo de guerras tecnológicas. É produzido pelo premiado Jerry Bruckheimer e dirigido por Joseph Kosinski, que também dirigiu “Tron: O Legado” (2010) e Oblivion (2013). O filme foi lançado em 2022, 34 anos após o lançamento do clássico original. (Fonte)

Durante o período que se passou entre o primeiro longa e a sequência, Tom Cruise ganhou notoriedade por suas habilidades de fazer acrobacias e cenas perigosas em seus filmes, especialmente na franquia Missão Impossível. Com Top Gun: Maverick, não poderia ser diferente, já que os fãs aguardavam um espetáculo visual grandioso, o qual foi entregue. As cenas com os aviões de caça, por exemplo, podem ser consideradas uma das experiências mais impressionantes que o cinema já produziu em relação a acrobacias e efeitos práticos. Todos os atores foram colocados em aviões de verdade, e a equipe de produção dedicou-se intensamente para proporcionar ao espectador uma experiência fiel ao que é voar naqueles aviões.

O longa contou com o suporte e acesso a equipamentos fornecidos pelos militares dos EUA e o Departamento de Defesa, já que a trama envolve as forças armadas americanas. Em troca, os cineastas concordaram em representar os militares de forma positiva e seguir certas diretrizes relacionadas à representação pessoal e institucional dos equipamentos militares. É importante mencionar que Hollywood tem uma longa história de colaboração com o governo e os militares dos EUA na produção de filmes que refletem os valores e interesses do país.

A colaboração entre Hollywood e o governo dos EUA na produção de longas que retratam as forças armadas de forma positiva é uma tendência que reflete uma posição política conservadora, que busca exaltar o papel militar dos EUA na defesa da nação e em intervenções militares no exterior. Essa tendência é frequentemente associada a valores patrióticos e nacionalistas, que buscam reforçar a imagem dos militares como heróis e defensores da liberdade e da democracia. Essa colaboração também pode ser vista como uma forma de propaganda do governo, na medida em que busca controlar a narrativa sobre as ações das forças armadas e moldar a opinião pública a favor das políticas militares do governo. Isso pode ser particularmente perigoso em contextos em que as intervenções militares são questionáveis ou controversas, como foi o caso da Guerra do Vietnã, por exemplo.

Top Gun: Maverick celebra de maneira conservadora e protocolar a bravura e a dedicação dos pilotos militares, além de explorar temas relacionados à mentoria, trabalho em equipe e a passagem do bastão para uma nova geração. O enredo gira em torno da luta de Maverick para aceitar seu próprio legado como piloto e mentor, enquanto enfrenta as mudanças que ocorreram nas forças armadas desde que ele se tornou piloto. O filme também explora a ideia de que até mesmo os pilotos mais experientes e habilidosos ainda têm muito a aprender com os outros, e que a tradição e a inovação têm seu valor.

É interessante notar que a abordagem do filme reflete uma visão idealizada das forças armadas, celebrando a dedicação e o sacrifício dos militares. Além disso, o longa apresenta uma mensagem tradicional sobre a importância de passar o conhecimento e as habilidades adiante para a próxima geração. No entanto, é importante destacar que essa abordagem pode ser vista como limitante, pois retrata a situação de forma idealizada e pode não refletir a realidade dos militares.

Mas nem tudo é adrenalina, Tom Cruise revive não só o seu passado na indústria do cinema como também reflete sobre o fato de estar envelhecendo. O enredo reflete os desafios que atores mais velhos como Cruise enfrentam em Hollywood, onde a juventude e a novidade costumam ser altamente valorizadas. No entanto, o novo longa é uma celebração da longevidade do ator e sua capacidade de cativar o público, mesmo após décadas na indústria. Essa mensagem também é destacada pela presença do ator Val Kilmer, que luta contra um câncer na garganta e passou por uma traqueostomia que alterou sua voz. A inclusão de Kilmer no elenco da sequência é um testemunho de seu talento duradouro e sua perseverança, apesar dos desafios de saúde que enfrenta.

É importante destacar que em Top Gun: Maverick, assim como na vida real, o processo de envelhecimento é diferente para as mulheres. Infelizmente, a ausência da atriz Kelly McGillis, que interpretou o interesse amoroso de Tom Cruise no primeiro filme, é notável. McGillis interpretou a astrofísica e instrutora da escola de treinamento, Charlie Blackwood, no Top Gun original. No entanto, nesta sequência, Jennifer Connelly, que é 10 anos mais nova do que McGillis, assume o papel de Penny Benjamin, o novo interesse amoroso de Maverick.

Segundo McGillis, a ausência de um convite para sua participação no filme se deu pelo fato de que ela realmente aparenta ter a idade que tem, que é praticamente a mesma de Tom Cruise. Essa diferença no tratamento dado às atrizes mais velhas em Hollywood é uma questão importante a ser abordada. É comum vermos atores mais velhos ainda sendo escalados para papéis principais em filmes de ação, mas atrizes com a mesma idade raramente recebem as mesmas oportunidades. O longa ainda aborda o tema do envelhecimento de forma positiva, isso é uma mensagem importante e inspiradora, mas também é preciso reconhecer a falta de representatividade feminina na indústria do cinema quando se trata de papéis principais para atrizes mais velhas.

No geral, a mensagem de Top Gun: Maverick, assim como a de seu antecessor, que também teve o dedo do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, é de “respeito” por aqueles que servem nas forças armadas, bem como uma celebração do espírito humano, a capacidade de superar desafios e buscar a “excelência”. Em uma definitiva onda de nostalgia e celebração dos anos 80, o longa entrega tudo o que o fã do filme de 1986 gostaria de ver na tela. Uma explosão de testosterona e um espírito de blockbuster onde tudo é um gatilho para as cenas de ação, que definitivamente são a estrela do longa. Se formos ignorar o subtexto machista, conservador e protocolar, ainda é um eletrizante filme de ação com várias acrobacias incríveis. Afinal de contas, dado o histórico, não se pode dizer que foi prometido alguma outra coisa para esse filme.

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