
Por Laura Cancian
Redação RUA
Maurice (1987) é uma adaptação da obra literária do mesmo nome, de 1971. Rondando a história de Maurice (James Wilby), um estudante de Letras em Londres que se encontra apaixonado por Clive (Hugh Grant). A paixão dos dois começou despretensiosamente, sem pressa, um amor que ali nasceu de conversas escondidas nas noites londrinas no meio de livros, em frente de lareiras. Nesse enlace, os dois se encontram num gesto de amor entre pinturas e poemas. Maurice se perde nessa loucura apaixonante, se entregando de corpo e alma, enquanto Clive sempre parece não estar presente. Estamos no início dos anos 20, Clive é um homem da classe alta londrina com um nome a zelar, logo abandona aquilo que seria a grande aventura de amor da sua vida e casa com uma bela moça. Maurice, que ainda continua na vida de Clive sendo amigo próximo da família, remou a dor de um coração partido até encontrar aquele que o curaria: Alec (Rupert Graves).
O longa de James Ivory não é uma história de romance feliz, ou que deixaria a gente com borboletas no estômago. Maurice é amargo, e o seu final é um incômodo, uma ferida aberta chata de se curar. Clive está numa farsa de conto de fadas, e na cidade cinzenta onde constrói sua família o fingimento de uma vida ideal é a sua sina onde nunca conseguira fugir, assim como Maurice, que teve a coragem de ir embora do lugar que não te causava nenhum sentimento merecedor de ser sentido.
Assim, na câmera de Pierre Lhomme, o filme não se esbanja, ele é sóbrio. Suas cores se misturam com o frio e os dias chuvosos de uma cidade onde um amor tenta desabrochar nas extremidades de um céu cinza que não permite esse florescer. A natureza ali presente se esbanja quando o amor dos protagonistas parece certo, que talvez no final o que importa para eles é estarem juntos. Maurice é um menino cheio de sonhos, que acredita em todos os poemas que estudou, ainda tem esperança de ser amado. Quando encontra Alec, ele consegue sentir que é visto, contemplado. As cores perdidas nos seus dias com Clive não parecem assim tão distantes. A grama volta a ser verde, e o céu não está tão fechado como antes.
Aqui a gente assiste a um território arriscado: o protagonista não termina com quem parecia ser aquele que seria seu felizes para sempre. Porque não existe um felizes para sempre. Não para Clive. O longa-metragem deixa isso explícito: Clive não é merecedor do amor de Maurice. Mas mesmo assim é difícil odiá-lo. O personagem de Hugh Grant não pode ser colocado como vilão, e muito menos como mocinho. Entender que ele nunca teve uma opção, e que jogar tudo para cima não era um cenário que passava em sua cabeça, é doloroso. Assim como entender que Maurice merecia ser livre desse amor que nunca lhe fez bem. Maurice merecia alguém de espírito livre, que entendia suas ambições e sonhos lúcidos mais loucos. Clive estava preso demais em seus medos para conseguir enxergá-lo, contemplar.
A dor que o filme deixa é a aceitação de nós, telespectadores, entendermos que não existe um vilão. Clive segue aquilo que acredita ser certo para si. Pode ser visto como egoísmo ou melancolia para aqueles que conseguem enxergar a encruzilhada em que o personagem se prendeu. Maurice teve a coragem, a braveza de se permitir sem nenhum temor. Porque seu amor era grande demais para ser preso em alguém que não o queria entender. Ele se reencontra em Alec, que não tem o que perder. Os dois estão à mercê daquilo que fora tirado de si: para Maurice, o amor que te faça se sentir vivo, natural, sem amarras. Para Alec, algo que lhe faça se sentir pertencente, algo para chamar de lar.
Maurice é um filme que te magoa, machuca e te faz repensar se somos egoístas por querer aquilo que nós amamos por perto, mesmo sabendo que estamos machucando-o. Mas quando estamos perdidos naquilo que acreditamos ser o nosso destino, também não queremos aquilo que verdadeiramente desejamos, sonhamos acordados ou guardamos no fundo do nosso âmago, nas pontas dos nossos dedos?